sexta-feira, 5 de agosto de 2016

Donald Trump e o ópio dos populismos radicais.

O truque da eletrização do povo indignado. No Brasil é igual? Analisaremos como funciona a cabeça do eleitor e as técnicas usadas em momentos de crise para convencê-los a votar em determinado candidato.
Donald Trump é o candidato oficial do Partido Republicano à presidência dos EUA. Não é um Pokémon. Não tem nada de realidade aumentada inócua (C. Rossi). O surgimento de populistas radicais é algo absolutamente previsível (e provável) no atual contexto de desagregação social e mundial, onde há amplo espaço para todo tipo de demagogo oportunista e retórico (para não se dizer xamânico).
Ele faz parte do destacado clube das elites econômicas e financeiras que mandam no país. Precisa ser vendido (pelo marketing) como um “bom” produto. O mercado consumidor (eleitor) é exigente e anda indignado com sua situação socioeconômica, e tem suas fragilidades emocionais. Há aberturas. A questão é saber se aproximar das massas, aproveitando-se das fraquezas do cérebro humano (como veremos abaixo).
O político sabe (ou rapidamente aprende) que nessas horas de grande crise o que mexe com a cabeça das massas é a presença de um bode expiatório, assim como muito “ópio” (discursos malucos), capazes de eletrizarem o ódio e o medo populares.
Nos países mais desenvolvidos, a receita é simples: marketing (que envolve muito dinheiro) + bode expiatório + “ópio”. Nos países subdesenvolvidos agrega-se, ainda, o ingrediente do clientelismo (protecionismo negligenciado pelo Estado).
Regra fundamental do populismo: quanto maior a carência material do povo, mais ópio deve ser introjetado em suas mentes. Em doses sempre crescentes. É tiro certo. Trump está seguindo rigorosamente a cartilha do populismo radical: xenofobia, imigração, soluções fáceis para a questão da segurança interna e externa, nacionalismo, “a culpa é dos mexicanos, muçulmanos e estrangeiros em geral”, misoginia, homofobia, separatismo, defesa da identidade do país etc.
Dois outros “ópios” são certeiros: o da ideologia e o do fundamentalismo religioso. Se o candidato consegue falar em nome de Deus o discurso se potencializa. Divina beleza. Mas o fundamental é a bravata pela homogeneidade do povo, pela coesão, a pulsão da unanimidade em torno de antigos valores perdidos.
Nada de pluralidades, que destroem o tecido social, a harmonia comunitária. Nisso reside a essência do populismo, que seduz avidamente, porque, para muita gente, é muito mais fácil sonhar com um passado encantador de paz e alegria que se dedicar duramente para construir o futuro.
O populismo é, por natureza, antipolítico. A política promove a divisão do povo. Sobretudo nos países onde as elites dominantes são delinquentes, a antipolítica é “ópio na veia”. Trabalha-se com o imaginário das massas, com seus juízos latentes, com seus ressentimentos (como dizia Nietzsche). Onde não há serotonina (da alegria), entram os opiáceos. E para tudo que é muito complexo deve-se apresentar uma solução rápida, simples, unificadora. Quanto mais xamânico o discurso, mais impressionante ele fica. Manipula-se mais facilmente a mente do eleitor.
O líder populista radical Farage fez tudo isso e conseguiu o “sim” dos ingleses no Brexit (decidiram sair da União Europeia). Uma semana depois da vitória ele foi embora (desistiu da política). Não tinha nada programado para efetivar a saída do bloco. Construir o futuro é muito mais difícil que revolver um passado distante. Mas, com os códigos nucleares nas mãos, esse tipo de liderança (sociopata) pode facilmente destruir o presente, leia-se, o planeta.
O forte deles é o apelo popular com suas promessas falsas ou irrealizáveis. Os populistas ganham força quando as elites governantes fracassam na condução da coisa pública (particularmente quando se tornam delinquentes à luz do dia). O populismo radical acaba com outro valor ocidental: a democracia, que sai de cena para a entronização da oclocracia (governo das multidões irracionais).
O povo americano anda muito indignado porque nos últimos 30 anos sua renda caiu muito. Desfrutaram da farra dos créditos até 2008 (e aí perderam casas, carros e emprego). A situação das classes médias e populares está muito difícil. Insatisfação imensa e absoluta descrença na política e nos políticos. Não há terreno mais fértil como esse para os populismos radicais. Pelo nível de descrença do brasileiro nos políticos, não estamos isentos desse vírus.
Uma vantagem enorme que levam os políticos radicais (nas eras dos descontentamentos) reside no patrimônio eleitoral ideológico. Seja quem for o candidato (mesmo quando desonesto, corrupto, beberrão, fanfarrão, incompetente na vida privada etc.), só por força da ideologia ele já recebe o apoio de uma grande massa de eleitores. É um dos ópios campeões – como foi dito -, que é facilmente disseminado em virtude de dois vieses (estudados e comprovados pela neuropolítica): o da desconformidade e o da confirmação (ver. P. Bermejo, Quiero tu voto, p. 126 e ss.).
Viés da desconformidade: os seres humanos tendemos a criticar tudo que contraria nossas ideias (nossas ideologias). O cérebro de direita critica o da esquerda e vice-versa. Veja o exemplo de uma lei que facilita o empregador despedir trabalhadores. Uns dizem: isso melhora a economia e vai dar mais empregos. Outros contestam: isso só ajuda o empregador a ficar mais rico. Uma mesma medida é vista de duas formas diferentes (veja a questão do aumento do salário mínimo).
Viés da confirmação: o cérebro humano tende a buscar e aceitar unicamente a informação que confirme suas crenças ou hipóteses. Recordamos mais das informações confirmatórias das nossas convicções ideológicas. Um mesmo fato é interpretado de duas maneiras. Cada um faz a sua interpretação e a mantém em sua memória (há experiência nesse sentido da Universidade de Stanford).
As provas em sentido contrário são colocadas em dúvida sempre. Aliás, são desacreditadas (há experiência com ressonância magnética sobre esse ponto). Pode-se apresentar um caminhão de provas contra o seu partido político. Nada sensibiliza o humano picado pelo viés da confirmação. Como último argumento se diz: o político adversário é mais corrupto!
O viés da confirmação é complementado pelo viés da memória confirmatória (ou seletiva): recordamos muito mais a informação que está de acordo com nossas crenças e ideologias.
George Bush não acreditou em nada que contrariava suas convicções sobre a necessidade da guerra contra o Iraque em 2003. Hoje se sabe que ele estava completamente errado (ver Relatório Chilcot – documento oficial britânico). É do viés de confirmação que nasce a radicalização (assim como a desconformidade com tudo que contraria nossa crença).
Em suma: nossas decisões (também no campo político) são regidas mais pela emoção que pela razão. A premissa ideológica (leia-se: o ópio da ideologia), muitas vezes, fecha nossos olhos, tapa nossos ouvidos e cala a nossa boca. Buscamos as informações que possam confirmar nossas ideias, interpretamos as informações contrárias da nossa maneira e memorizamos melhor o que nos interessa. O ópio da ideologia é muito potente.
Trump, só por ser republicano, já conta com milhões de votos. Se a esse ópio outros são agregados, o resultado final pode ser positivo. Mas claro, vamos ver os ópios do adversário.
Se o humano entendesse bem como funciona o cérebro, seguramente não perderia amizade (por causa da política, da religião, das distintas visões de mundo etc.). Mas não interessa para as elites dominantes (sobretudo quando delinquentes) que o cérebro humano saiba das coisas. Para as kleptocracias é melhor a ignorância que o conhecimento.

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