Considerações iniciais
A importância da proteção da mulher, titular de direitos humanos, por si só justifica o estudo do tema. Ademais, merece nota a Lei que protege as mulheres, maior parcela da população brasileira, as quais, potenciais agentes multiplicadores da cidadania, ainda sofrem com a opressão histórica exercida pelo homem e que, somente agora, no último século, estão conseguindo se libertar.
A evolução da sociedade fez surgir a mulher chefe de família, empreendedora, trabalhadora, batalhadora. No entanto, ainda existem homens e mulheres que não exergaram a luz dessa nova
Diante disso, a Lei Maria da Penha vem em socorro dessas mulheres para resgatar-lhes o direito à vida digna e, com isso, possibilitar o seu desenvolvimento na socidade.
Para isso criou variadas medidas de proteção, ampliou conceitos e deu nova leitura a institutos já ultrapassados.
Neste trabalho será abordado o tema dos direitos das mulheres, sua relação com os direitos humanos e fundamentais e a sua evolução ao longo da história no Brasil e no mundo, até a criação da Lei n.º 11.340/2006.
Objetiva-se demonstrar a discriminação e o papel secundário na sociedade a que a mulher estava relegada, bem como a mudança e evolução dos seus direitos ao longo da história. Por primeiro, será realizada uma abordagem e correlação entre os direitos humanos e a mulher, passando pela origem de sua discriminação e a luta pela conquista de seus direitos.
1 Os direitos humanos e fundamentais e a mulher
Tema que preocupa filósofos, juristas, historiadores, sociólogos, os Direitos Humanos não evoluíram de forma harmoniosa.
Seu conteúdo é fruto de uma evolução histórica que, diuturnamente, em diversas partes do planeta se consolida.
Por direitos humanos ou direito do homem são modernamente entendidos aqueles direitos fundamentais que o homem possui pelo fato de ser homem, pela sua própria natureza humana, pela dignidade que a ela é inerente. São direitos que não resultam de uma concessão da sociedade política. Pelo contrário, são direitos que a sociedade política tem o dever de consagrar e garantir.
Nos últimos duzentos anos da história testemunhou-se a luta de muitas pessoas pela definição desses direitos considerados fundamentais.
Indubitavelmente a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão da Assembleia Nacional Francesa de 1789 teve grande repercussão e ainda hoje serve de inspiração para a elaboração de vários diplomas legais.
A Revolução Francesa marcou sobremaneira as transformações culturais e sociais da época as quais ressoam vigorosamente na atualidade.
O limite à autoridade do Estado determinou os principais direitos individuais, civis e políticos. Com a limitação do poder do Estado, ficam fora de seu alcance um núcleo irredutível de liberdades, conhecidos como direitos fundamentais de primeira geração.
Alexandre de Moraes conceitua “[...] os direitos fundamentais de primeira geração são os direitos e garantias individuais e políticos clássicos (liberdades públicas), surgidos institucionalmente a partir da Magna Charta.” (2008, p.31).
As liberdades são os primeiros direitos do homem. O poder de agir ou não agir independentemente do Estado. Surgiram da ideia de Estado de direito, submisso a uma Constituição.
O contexto histórico na qual foram concebidos a ideia de um Estado em que as funções do poder fossem atribuídas a órgãos distintos impedindo a concentração de poderes e o arbítrio de uma ou de um grupo de pessoas, explicam seu surgimento.
Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior (2005, p.115) comentam:
São os direitos de defesa do indivíduo perante o Estado. Sua preocupação é a de definir uma área de domínio do Poder Público, simultaneamente a outra de domínio individual, na qual estaria forjado um território absolutamente inóspito a qualquer inserção estatal. Em regra, são integrados pelos direitos civis e políticos, dos quais são exemplo o direito à vida, à intimidade, à inviolabilidade de domicílio etc. Trata-se de direitos que representavam uma ideologia de afastamento do Estado das relações individuais e sociais.
Ainda, como salientado por Elida Séguin (1999, p.6), a história ensina que:
(...) as primeiras declarações dos Direitos do Homem, surgidas no século XVIII, expressam a ascensão da burguesia e a decadência do regime feudal, em que diversas lutas marcaram época – além de serem importantes conquistas do Homem como ser livre e pensante – a saber, a Revolução Industrial e a Revolução Francesa, além da Declaração de Virgínia.
Já os direitos sociais, econômicos e culturais, conhecidos como direitos humanos de segunda geração, exigiam a ação do Estado para promover e garantir a cidadania básica. Surgiram no século XIX e início do século XX após a conquista dos direitos individuais, de primeira geração como um processo evolutivo.
A esse respeito Zimmermann (2006, p. 263) diz:
Assim, eles correspondem à uma próxima etapa progressiva dos direitos fundamentais, quando surgiram certos direitos sociais que reivindicaram o redirecionamento do poder do Estado, no sentido do atendimento às necessidades mínimas da pessoa humana. Em outras palavras, se com os direitos de primeira geração foi restringido o potencial opressor do Estado, com os direitos de segunda geração o Estado haveria de satisfazer certas necessidades que pudessem tolher a plena possibilidade de libertação humana. Buscar-se-ia, portanto, a subsidiariedade do Estado para o aumento do rol dos chamados direitos fundamentais.
Com o novo enfoque dado ao Estado, anteriormente policial, das liberdades negativas, o Estado passa a ter uma posição oposta àquela em que se encontrava diante dos direitos fundamentais de primeira geração.
Exigiu-se do Estado uma postura ativa, na busca pelo suprimento das carências individuais e sociais. Os direitos fundamentais de segunda geração são também denominados como direitos positivos em contraposição aos direitos de primeira geração, conhecidos como direitos negativos.
Finalmente, os direitos de terceira geração surgiram, complementando o lema da Revolução Francesa: liberdade, igualdade, fraternidade. Como bem asseverado por Zimmermann (2006, p. 263):
Por fim, após a luta pela liberdade e o anseio de satisfação das necessidades básicas, surgiria uma nova geração de direitos fundamentais, desta feita preocupados como destino da humanidade e a essência do ser humano. Eles foram reconhecidos como direitos de terceira geração, que são direitos transindividuais, mas também observados como coletivos ou difusos, basicamente relacionados com os direitos ao meio ambiente, ao desenvolvimento econômico e à defesa do Consumidor.
Ainda, como salientado por Luiz Alberto David de Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior (2005, p. 116):
A essência a esses direitos se encontra em sentimentos como a solidariedade e a fraternidade, constituindo mais uma conquista da humanidade no sentido de ampliar os horizontes de proteção e emancipação dos cidadãos.
Inquestionável a evolução dos Direitos Humanos devido aos acontecimentos e a época.
Após o período da II Guerra Mundial, criou-se a Organização das Nações Unidas com o fim de estabelecer e manter a paz mundial, numa reação às atrocidades cometidas durante a guerra, surgindo a ideia de humanidade.
Naquele período, foi escrita a Carta das Nações Unidas, que exprimiu o desejo dos povos em preservar as futuras gerações dos horrores da guerra e proclamar a crença nos direitos fundamentais do homem.
Destarte, falar que os direitos das mulheres se situam, sem reservas, dentro dos Direitos Humanos, os quais têm caráter universal seria redundante e desnecessário.
Todavia, a maioria das declarações, convenções e textos de direitos humanos, ao se referirem ao ser humano, tinham como modelo o homem, principalmente o ocidental, rico, branco e sadio.
Estas declarações não refletiam as experiências e dificuldades das mulheres nas suas vidas, ignorando a promoção e a defesa de seus direitos.
Ocorre que há bem pouco tempo, a mulher ainda não estava plenamente inserida no grupo dos que podiam desfrutar de todos os direitos mundialmente conhecidos como Direitos Humanos.
A mulher, entendida por nós como cidadã e importante agente transformador da sociedade, a qual representa, sabidamente, a grande maioria da população do nosso país e do mundo era simplesmente ignorada na seara dos Direitos Humanos.
Destarte, por entender as muitas peculiaridades que caracterizam a mulher, passa-se ao estudo da origem da discriminação e submissão da mulher.
2 Origem da discriminação contra a mulher
Submetidas ao poder masculino desde tempos remotos, as mulheres sofreram demasiadamente a influência negativa da dominação masculina.
A submissão a que estavam (e ainda estão) relegadas as mulheres, não diferencia classe social, cultura, religião e ocorre nos mais variados segmentos da sociedade em diferentes estágios de desenvolvimento econômico e social.
Conforme salienta Maria Berenice Dias (2008, p.15):
Ninguém duvida que a violência sofrida pela mulher não é exclusivamente de responsabilidade do agressor. A sociedade ainda cultiva valores que incentivam a violência, o que impõe a necessidade de se tomar consciência de que a culpa é de todos. O fundamento é cultural e decorre da desigualdade no exercício de poder e que leva a uma relação de dominante e dominado. Essas posturas acabam sendo referendadas pelo Estado. Daí o absoluto descaso de que sempre foi alvo a violência domestica.
Não seria forçoso afirmar que a violência sofrida pelas mulheres e submissão a que estão sujeitas é fruto de uma cultura machista discriminatória em que toda a sociedade tem sua parcela de culpa.
Outros fatores também são determinantes para violência de gênero como: as diferenças sociais, econômicas e políticas entre homens e mulheres, além da diferenciação de papéis e as noções de virilidade ligadas ao domínio e a honra masculina.
Para Teles e Melo (2003, p. 16):
A sociologia, a antropologia e outras ciências humanas lançaram mão da categoria de gênero para demonstrar e sistematizar as desigualdades socioculturais existentes entre mulheres e homens, que repercutem na esfera da vida pública e privada de ambos os sexos, impondo a eles papéis sociais diferenciados que foram construídos historicamente, e criaram pólos de dominação e submissão.
Inicialmente, pode-se dizer que o controle masculino se deu por força bruta e, concomitantemente, foram introduzidos métodos mais sofisticados de dominação como: as leis, os costumes, a religião, a filosofia, a ciência e a política.
Ainda hoje é comum encontrar exemplos de mulheres subordinadas aos seus pais ou maridos, sendo impedidas de tomarem suas próprias decisões, tal como determinava o ordenamento jurídico brasileiro vigente até 1977.
As mulheres perderam muito em autonomia, liberdade e até o direito de controle sobre o próprio corpo.
Nesse viés, Leda Maria Hermann diz:
Historicamente, o controle jurídico-penal da moral sexual feminina deu-se através de (suposta) proteção legal à virgindade e à fidelidade no casamento – esta última ativamente focada na conduta da mulher casada, já que infidelidade é culturalmente execrada, enquanto o homem goza de relativa licença social para dar suas escapadas. A criminalização de condutas ofensivas à virgindade – o crime de defloramento constou da legislação penal até o advento do Código Penal de 1941, ainda vigente – e à fidelidade (notadamente feminina) nunca foi, na realidade, voltada à garantia dos direitos da mulher, mas à defesa dos direitos do homem provedor, senhor e proprietário (o cara) da mulher-esposa ou da mulher-filha (a coisa) (HERMANN, 2007, p. 32/33).
Salienta ainda Hermann (2007, p.26):
De todos os preconceitos despertados pela figura feminina, os mais universais e intensos estão ligados à sua sexualidade.[...] A Ciência também discriminou a mulher, pelo menos até bem pouco tempo. No século XIX Gustave Le Bon, um dos fundadores da psicologia social, afirmou que uma mulher inteligente é algo tão raro quanto um gorila de duas cabeças. Charles Darwin, embora reconhecendo algumas qualidades femininas, como a intuição, as definia como virtudes características das raças inferiores. Todavia, é na moral sexual da mulher que a cultura machista concentra mais intensamente a carga de discriminação, gerando desigualdade.
Naquela época, a “virtude” da mulher encontrava-se tão-somente em sua virgindade, a qual compreendia também a honra da família desta. Por isso, o patriarca a guardava como um bem valioso, tornando a mulher uma subserviente, que lhes prestava apenas para dirigir o lar, onde não corria o risco de perder sua “virtude”.
Mediante a instituição de diversas medidas como as ações discriminatórias e controladoras, a população feminina foi submetida à cultura machista.
A discriminação não deixa de ser uma forma e um dos aspectos fundamentais da violência. Ela muitas vezes sustenta e justifica os atos violentos.
O instinto ou o exercício do poder masculino não pode mais ser utilizado para justificar atos violentos, já que a socialização trouxe a ideia de igualdade e respeito ao próximo. A esse respeito Giordani escreve (2006, p. 105):
De acordo com essa perspectiva, a maioria dos autores contemporâneos que abordam a violência contra a mulher defende que as relações entre os sexos são constituídas socialmente, afastando o caráter naturalizado e biológico que há poucas décadas caracterizava as diferenças sexuais e justificava o exercício da dominação masculina sobre as mulheres. É a partir dessa nova óptica da categoria de gênero que Izumino (1998) propõe uma releitura das relações estabelecidas entre as vitima e seu ofensor.
Outra questão a ser ressaltada é que os espaços de convívio social são demasiadamente influenciados em razão da discriminação e do desequilíbrio das relações pautadas no gênero.
Não só as mulheres são afetadas, mas também a sociedade de um modo geral, pois a mulher, como agente transformador da sociedade, tem limitada a sua capacidade de exercer um papel ativo na comunidade em que está inserida.
Somadas as relações de gênero e as relações de poder, tem-se o retrato das relações interpessoais e seus efeitos, principalmente no que tange à violência domestica contra a mulher.
Voltando ao aspecto histórico da discriminação das mulheres, com a Revolução Francesa, foi promulgada a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão sob a égide dos princípios da liberdade, da igualdade e da fraternidade, inaugurando assim um novo ideal para a convivência humana.
Ocorre que referido documento não garantia a igualdade de direito para as mulheres. Por isso, as francesas reagiram e passaram a exigir direitos.
Olympe de Gouges, feminista, revolucionária, jornalista e escritora, se manifestou em defesa do direito da cidadã e escreveu a Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã. Por defender tais ideias, foi exilada e condenada a morte, sendo guilhotinada em 03 de novembro de 1793 (WIKIPEDEIA, online, 2010).
Os direitos das mulheres só foram reconhecidos como direitos humanos em 1993, passados mais de 200 anos da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão em 1789.
Comenta Cintia Robert:
Informações da ONU noticiam que a Declaração dos Direitos de Virgínia (1776) e a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789) não contemplaram a questão de gênero. Em 10 de dezembro de 1998 foi o 50º aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos e foi também em 1998 comemorado o 5º aniversário da II Conferência Mundial de Direitos Humanos, realizada pela ONU em 1993, em Viena, em que formalmente se reconheceram os direitos das mulheres como direitos humanos. (SÉGUIN, 1999, p. 6)
Oportuno delinear o contexto histórico no qual ocorreram as transformações sociais para as mulheres até o presente momento.
3 Contexto histórico da evolução dos direitos da mulher
A idade moderna foi marcada por um grande desenvolvimento nas ciências e consequentemente, na tecnologia, a qual passou a ser necessária para o sustento de um novo sistema econômico que surgira, frutificando em novas relações comerciais.
A evolução da tecnologia industrial impulsionou a necessidade de mão de obra operária, exigindo que as mulheres saíssem de suas casas para o mercado de trabalho. Entretanto, seu valor salarial era inferior, devido ao baixo nível de escolaridade e pouca qualificação para trabalhos específicos.
Ainda, como menciona Hermann (2008, p. 68):
A efervescência dos ideais democráticos no século XIX fez da batalha pelo direito ao voto o impulso fundamentais dos movimentos das mulheres. Equiparadas aos doentes e deficientes mentais e às crianças, as mulheres eram consideradas intelectualmente incapazes de exercer direitos políticos.
No século XIX, estruturam-se as bases da teoria socialista que eram bem diferentes do capitalismo. Os autores que mais se destacaram foram Karl Marx e Friederich Engels, filósofos alemães. Os valores da sociedade serviram de foco para questionar a condição da exploração das mulheres na sociedade.
Priorizavam as lutas de classes, considerando-as caminho direto para a democracia racial e sexual, na proporção em que se reduzem as diferenças socioeconômicas entre os membros da sociedade. Reduzem o racismo e a inferioridade social da mulher.
Conforme relata Carlos Roberto de Siqueira Castro (1983, p. 181):
Cumpre notar, neste passo, que o grande teórico da critica socialista à condição inferior da mulher foi Engels, que atribuiu essa inferioridade ao surgimento da propriedade privada e da família monogâmica, ambas a serviço da ideologia capitalista.
Da necessidade do desenvolvimento industrial do século XIX, que produziu significativo aumento no setor terciário, surgiu a inserção das mulheres no mercado de trabalho (HERMANN, 2008, p.69-70):
Tal discriminação despertou a indignação feminina por vários motivos. Um deles foi o ingresso restrito, mas progressivo das mulheres no mercado de trabalho, a partir de fins do século XIX. Nessa época o trabalho feminino em escritórios, lojas, centrais telefônicas e profissões assistenciais começou a crescer, emergindo também em indústrias manufatureiras, principalmente no Terceiro Mundo, onde a mão de obra feminina era procurada por ser mais barata e menos rebelde.
A mulher se deu conta do conflito existente entre a ideologia dominante “o mundo dos homens”: eterno, do trabalho, da chefia; e “o mundo das mulheres”: interno, doméstico, da submissão.
Outro fator importante para a tomada de consciência da submissão feminina foi o fato de elas adentrarem nos cursos de educação superior. Hobsbawm ressalta que (2003, p. 305):
As mulheres também entraram, e em numero impressionantemente crescente, na educação superior, que era agora a mais óbvia porta de acesso às profissões liberais. [...] A entrada em massa de mulheres casadas – ou seja, em grande parte mães – no mercado de trabalho e a sensacional expansão da educação superior formaram o pano de fundo, pelo menos nos países ocidentais típicos, para o impressionante reflorescimento dos movimentos feministas a partir da década de 1960. Na verdade, os movimentos de mulheres são inexplicáveis sem esses acontecimentos.
A reação feminina despontou de forma organizada e com caráter coletivo no século XIX, em torno do ideal pela conquista da cidadania, o que se convencionou denominar sufragismo.
Siqueira Castro comenta (1983, p. 174):
É certo, ainda, que nos Estados Unidos da América o primeiro grupo feminista organizado visava à causa abolicionista, reunindo mulheres como Susan B. Anthony, Lucretia Mott, Elisabeth Cady Stanton, Lucy Stone e Frances Wright, que resultou na fundação da “Sociedade Antiescravagista Norte-America. Contudo, esse mesmo grupo, reunido na Convenção de Sêneca Falls sobre o direito da mulher no ano de 1848, muito embora reivindicando, alem de outras postulações, igualdade de propriedade, de salário, a custodia dos filhos, a autonomia para efetuar contratos e a capacidade para propor ações judiciais, adota como bandeira do movimento a luto sufrágio feminino, isto na presunção de que tal conquista se faria fundamental para a obtenção de outros direitos da mulher americana.
No ano seguinte, as americanas criaram a “Associação Nacional dos Direitos da Mulher” e conquistaram o direito à cidadania somente em 1920, com a Emenda Constitucional n.º 19. Novamente, buscando o auxilio das palavras de Siqueira Castro (1983, pp. 174-175).
Com esse objetivo, organizava-se no ano seguinte a “Associação Nacional dos Direitos da mulher”, cuja atuação foi responsável pela conquista de várias das aspirações inicia, sem obstância de o almejado direito de voto somente ter sido obtido com a ratificação da Emenda Constitucional n.º 19, no ano de 1920, portanto 50 anos apos a concessão de idêntico direitos aos negros estadunidenses mediante a Emenda de n.º 15.
Após a conquista do direito ao voto e direitos civis iguais, grande objetivo das mulheres da época, os movimentos feministas se recolheram. Eric Hobsbawm (2003, p. 306):
Continuaram nas sombras, apesar da vitória do antifascismo e (na Europa Oriental e partes do Leste Asiático) da revolução, que estenderam os direitos conquistados após 1917 à maioria dos países que ainda não os tinha, mais nitidamente dando direito de voto às mulheres da França e Itália na Europa Ocidental, e na verdade às mulheres em todos os países recém-comunistas, em quase todas as ex-colônias e (nos primeiros dez anos do pós-guerra) na América Latina. Na verdade, onde realizavam eleições, as mulheres em toda parte do mundo haviam adquirido direito de voto na década de 1960, com exceção de alguns Estados islâmicos e, um tanto curiosamente, da Suíça.
Na década de 60, os movimentos feministas sofreram uma guinada significativa, identificando-se com o movimento de massa. Analisa Hobsbawm (2003, p. 306):
No entanto, a partir da década de 1960, começando nos EUA, mas espalhando-se rapidamente pelos países rico do Ocidente e alem, nas elites de mulheres educadas do mundo dependente – mas não, inicialmente, nos recessos do mundo socialista -, encontramos um impressionante reflorescimento do feminismo. Embora esses movimentos pertencessem, essencialmente, ao ambiente de classe media educada, é provável que na década de 1970, e sobretudo na de 1980, uma forma política e ideologicamente menos específica de consciência feminina se espalhasse entre as massas do sexo (que as ideólogas agora insistiam que devia chamar-se “gênero”), muito além de qualquer coisa alcançada na primeira onda de feminismo.
O movimento feminista vai além de uma luta pela igualdade dos direitos, passando a questionar origens e as raízes culturais dessas diferenças.
Uma das grandes contribuições alcançadas pelos movimentos feministas foi a categorização de gênero, surgida na década de 70, pois essa categorização desmistificou a ideia de que as mulheres estariam se intrometendo nos espaços dos homens.
Contudo, mesmo tendo os movimentos feministas conquistado vários direitos e seu espaço na sociedade, as mulheres continuam sendo submetidas aos homens e sofrem agressões dentro dos lares.
4 Evolução dos direitos das mulheres no Brasil
Assim como nos demais países do mundo, os sinais de transformação começaram a ser evidenciados no Brasil com os movimentos abolicionistas e republicanos, porém de forma isolada.
A evolução dos direitos das mulheres no Brasil seguiu de forma lenta e muitas vezes atrasada com relação aos países europeus, em razão da grande diferença do estágio cultural existente.
Importante relembrar alguns aspectos históricos do Brasil.
À época em que o Brasil era colônia de Portugal, estava sujeito aos regulamentos provenientes da metrópole. Essa relação de colônia e metrópole afetou significativamente o desenvolvimento de todo o Direito brasileiro, e consequentemente, os direitos relativos à mulher. Sobre esse assunto Silvia Pimentel analisa (1978, p.14):
O Brasil-colônia regulava-se pelas leis portuguesas. Quando se tornou independente politicamente, não possuindo capacidade de organização necessária para se auto-regular, continuou valendo-se de leis alienígenas. Isso passou a ser tradição. [...] Grande número de leis brasileiras são transplantes das legislações européia e americana. Historicamente, o fato se liga ä condição colonial do Brasil. Faltando no país escolas especializadas, grande parte dos filhos de brasileiros importantes e ilustres estudava fora do Brasil, e, ao voltar, trazia uma bagagem cultural que nada tinha a ver com a grande maioria dos problemas da realidade sub-desenvolvida brasileira.
Com a proclamação da independência, Dom Pedro I tornou-se imperador do Brasil e deixou de ser colônia portuguesa.
Registra Irede Cardoso (1986, p.77):
Dom Pedro I, em 1823, estabeleceu os critérios para a convocação da primeira Assembléia Nacional Constituinte do País. E tais critérios revelam as origens de nossa cultura elitista, que exclui a imensa maioria, até os dias de hoje, da possibilidade de decidir sobre o planejamento de nossa sociedade. Na época, quem tivesse rendimentos anuais superiores a 100 mil réis poderia ser eleitor. No entanto, para ser votado, o cidadão teria que demonstrar renda superior a 200 mil réis anuais. Mulheres, negros, todos os despossuídos ficaram, então, à margem do processo.
Outro grande problema foi a discussão que se seguiu à convocação da Constituinte. Dom Pedro I, ao perceber que seu próprio poder estava sendo questionado e tentavam impor limites à sua atuação, fechou a Assembleia e criou o Conselho de Estado para que elaborassem o texto da nova Constituição. Desta forma, foi criado o “Poder Moderador”, figura criada para assegurar os poderes especiais de D. Pedro I.
Em 1891, Marechal Deodoro da Fonseca proclamou a República e o Império dos descendentes portugueses chegou ao seu fim.
Convocou-se Nova Assembleia Nacional Constituinte. Todavia, a época era diferente: os escravos haviam conseguido sua liberdade, as cidades eram mais populosas e começava a imigração de estrangeiros e a industrialização.
Muito embora o contexto histórico fosse diferente (CARDOSO, 1986, p.78):
A nova Assembléia Nacional Constituinte continuava discriminando as mulheres, os analfabetos, os negros, praças e religiosos. Da mesma forma, o poder econômico continuou sendo abusivo, e os deputados eleitos representavam os interesses dos fazendeiros, da nascente burguesia industrial e financeira, e dos oficiais militares.
Em 24 de fevereiro de 1932 a mulher conquistava o direito ao voto, ou seja, o exercício da cidadania foi permitido às mulheres casadas, viúvas e solteiras desde que tivessem renda própria. Essas restrições foram eliminadas em 1934.
Como bem mencionado por Silvia Pimentel, “pela primeira vez, 1934, o constituinte brasileiro demonstra sua preocupação pela situação jurídica da mulher proibindo expressamente privilégios ou distinções por motivo de sexo” (1978, p. 17).
Mas o voto feminino não era obrigatório. Somente 14 anos após a conquista, em 1946 a obrigatoriedade em votar foi estendida às mulheres. Conforme ressalta Irede Cardoso (1986, p. 80):
A conquista do direito ao voto pelas mulheres e maiores de 18 anos, festejada até hoje, foi, em seguida, com a ditadura, retirada por longos 15 anos. 1934 já deixava antever o fortalecimento evidente do poder federal, que passou a ter possibilidades maiores de intervenção nos Estados da Federação.
Isso porque a Constituição de 1937 deixou de contemplar os direitos da mulheres e a constituição de 1946 copiou o texto da Constituição anterior. Transcreve-se as palavras de Silvia Pimentel (1978, p.17):
A Constituição de 1937, de reconhecida tendência autoritária e outorgada ao País no momento da instalação do Estado Novo, suprimiu a referência expressa à igualdade jurídica de ambos os sexos, retornando à fórmula genérica das constituições brasileiras promulgadas no século anterior. A Constituição de 1946 limitou-se a reproduzir o mesmo texto.
Somente com a Constituição de 1967 é fixado o preceito de igualdade para todos perante a lei sem distinção de sexo, isso porque elaborada após a Declaração Universal dos Direitos do Homem.
Com isso, a isonomia jurídica entre homem e mulher é afirmada como norma constitucional.
Outra grande conquista das mulheres ocorrida na década de 60 foi a publicação do Estatuto da Mulher Casada que modificou sensivelmente os direitos das mulheres na esfera civil.
O Código Civil de 1916 manteve os princípios conservadores da época da proclamação da república e do império e manteve o homem como chefe da sociedade conjugal, igualando as mulheres aos silvícolas, aos pródigos e aos menores de idade..
A esse respeito, Karina Melissa Cabral escreveu (2008, p. 40):
O Código Civil de 1916 foi muito aguardado, porém para as mulheres em quase nada revolucionou, pois acabou confirmando a tendência conservadora do Estado e da Igreja, e consagrou a superioridade do homem, dando o comando unido da família ao marido, e delegando a mulher casada a incapacidade jurídica relativa, equiparada aos índios, aos pródigos e aos menores de idade. [...] Devido ao Código Civil o marido se constituiu o chefe da sociedade conjugal e o administrador exclusivo dos bens do casal, tendo somente ele o direito de fixar o domicílio da família, do qual se a mulher dele se afastasse por qualquer motivo poderia ser acusada de abandono de lar, com perda do direito à alimentos e à guarda dos filhos.
O Código Civil de 1916 supera-se em sua discriminação contra as mulheres ao prever no artigo 186, que em havendo discordância entre os cônjuges prevalecerá a vontade paterna .
O seu artigo 380, ainda, dava ao homem o exercício do pátrio poder permitindo tal exercício a mulher apenas na falta ou impedimento do marido .
As discriminações do referido diploma legal seguem no seu artigo 385 conferindo ao pai a administração dos bens do filho e à mãe, somente na falta do cônjuge varão .
O artigo 240 define a situação hierárquica inferior da mulher ao estabelecer que a mulher assumiria, pelo casamento, com os apelidos do marido, a condição de sua companheira, consorte e auxiliar nos encargos da família .
Por fim, cita-se o artigo 242 que restringia a pratica de determinados atos da mulher sem a autorização do marido .
Referidos artigos não deixam dúvidas acerca da inferioridade a que eram relegadas as mulheres no plano do Direito Civil.
Com o advento da Lei nº 4.121/62 (Estatuto da Mulher Casada) nosso Código Civil sofreu significativas mudanças.
O artigo 393 que retirava da mulher o pátrio poder, em relação aos filhos do leito anterior, quando contraísse novas núpcias, teve sua redação alterada proclamando que a mulher não mais perderia os direitos do pátrio poder quando contraísse novas núpcias .
Já o artigo 380 que dava o exercício do pátrio poder ao marido e somente na falta deste à mulher, concedeu o exercício do pátrio poder a ambos os pais, prevalecendo a vontade do homem no caso de discordância do casal, ressalvado à mãe o direito de recorrer ao juiz para solução da divergência. A ressalva foi inserida em seu parágrafo único .
Embora a mulher tenha conseguido seu direito à cidadania em 1932, sua capacidade civil só foi implementada em 1962, com o chamado Estatuto da Mulher Casada.
Mesmo com a implementação do Estatuto da Mulher Casada, restaram desigualdades absurdas, como elenca Karina Melissa Cabral (2008, p.44-45):
O Estatuto, que foi incorporado ao Código Civil revogou a incapacidade relativa da mulher e corrigiu algumas aberrações, porém, deixou de corrigir outras igualmente intoleráveis. Apresentamos, assim, algumas dessas aberrações:
- A consideração de erro essencial a pessoa, por defloramento da mulher ignorado pelo marido, motivo de anulação de casamento.;
- A manutenção do artigo que permite ao pai deserdar a filha considerada “desonesta”, se esta viver sob o teto paterno;
O assassinato de mulheres, à época da criação da República, era legitimado quando se dava sob o pretexto de adultério, que era a relação da mulher fora do casamento. Hoje o crime de adultério está revogado pelo Lei n.º 11.106/05 publicada no Diário Oficial da União de 29 de março de 2005, que inseriu importantes modificações no Código Penal Brasileiro.
Naquela época, a infidelidade, o abandono e a brutalidade praticada contra as mulheres era justificada pelos homens como “crise na família”, devido a saída da mulher do seio familiar para desenvolver atividade remunerada, sendo também, a paixão outra justificativa.
A violência era tida como elemento estrutural, necessária à organização social de gênero e fazia com que o homem garantisse sua posição privilegiada na sociedade. O extremo da violência marcada pelo assassinato era justificado pela “paixão” que cegava o homem de bem e fazendo crer “que a honra era uma paixão social e que mantinha a coesão da vida em sociedade” (BORELLI, 2005, p.34).
“Em 18 de dezembro de 1979 foi realizada a Convenção sobre Eliminação de todas as formas de Discriminação contra a Mulher. Adotada pela Resolução 341/80 da Assembleia Geral das Nações Unidas” (MAZZUOLI, 2006, p. 646).
Referida Convenção foi um marco na luta contra a discriminação de gênero. Como delineado por Glaurice Carvalho (1999, p. 25-26):
As determinações dessa convenção se concentram, de forma clara e objetiva, na busca da plena igualdade entre o homem e a mulher:
- perante a lei em geral;
- nos campos da educação da mulher;
- nas leis trabalhistas;
- na liberdade e direitos individuais;
- e até mesmo além das fronteiras urbanas. [...]
Essa grande convenção que tratou, especificamente, da eliminação de TODAS AS FORMAS de discriminação contra a mulher, foi aprovada pela organização das Nações Unidas e recebeu, através do Decreto Legislativo, datada de 2606.94, o “aceite” do Congresso Nacional, sem nenhuma alteração.
Foi reconhecido que a discriminação contra a mulher viola os princípios da igualdade e da dignidade humana, dificultando sua participação na vida política, social, econômica e cultural do país, se comparada a participação masculina, prejudicando não só o bem-estar da família e da sociedade, como também freando as possíveis transformações que as ações femininas podem imputar ao seu país e à humanidade.
A Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 05 de outubro de 1988, dispôs dentre seus princípios norteadores o da dignidade da pessoa humana seja ela homem, mulher, criança ou idoso. (artigo 1º, inciso III).
Medida importante tomada pelo governo brasileiro foi a ratificação da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher.
A chamada “Convenção de Belém do Pará”, adotada pela Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos (OEA) em julho de 1994 e ratificada pelo Brasil em novembro de 1995 complementou a Convenção Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher.
Obtempera Karina Melissa Cabral (2008, p. 134):
A Convenção de Belém do Pará traz a definição de violência domestica contra a mulher em seu artigo 1º como sendo “toda aquela que tenha ocorrido dentro da família ou unidade domestica ou em qualquer outra relação interpessoal, em que o agressor conviva ou haja convivido no mesmo domicílio, na comunidade e perpetrada por qualquer pessoa, na comunidade, local de trabalho, estabelecimentos educacionais de saúde ou qualquer outro lugar, e mesmo aquela perpetrada ou tolerada pelo Estado ou seus agentes onde quer que ocorra”.
Um fato interessante é que até o ano de 1995 o delito de lesão corporal estava sob a égide do Código Penal, Decreto-Lei 2.848 de 1940 que, pelo preceito secundário, era punido com uma pena ínfima, a qual estava sujeita a prescrição.
Posteriormente, com a edição da lei 9.099/95, os delitos de lesão corporal leve se tornaram sinônimo de cesta básica, o que deixou de intimidar o homem a não mais reincidir neste tipo penal.
Em 1996 as Delegacias de Defesa da Mulher passaram a atender também crianças e adolescentes vítimas de violência.
No ano de 2001 foi promulgada a lei 10.259 que instituiu os Juizados Especiais Federais que, em seu artigo 2º tratou da matéria sobre infrações penais de menor potencial ofensivo, elevando de um ano para dois o limite da pena para que assim fosse considerado, derrogando o artigo 61 da Lei 9.099/95 que previa pena máxima não superior a um ano.
Para Maria Berenice Dias (2008, p. 21):
A criação de medidas despenalizadoras, a adoção de um rito sumaríssimo, a possibilidade de aplicação da pena mesmo antes do oferecimento da acusação e sem discussão da culpabilidade, agilizaram o julgamento dos crimes considerados de pequeno potencial ofensivo. Com isso a Justiça desafogou-se, ganhou celeridade e diminuiu a ocorrência de prescrição, emprestando maior credibilidade ao Poder Judiciário.
Saída eficaz para destrancar o judiciário, mas ineficaz ao tratar da violência sofrida por mulheres no seio de seus lares.
Pressionados pela Sociedade Internacional, nossos legisladores editaram a lei 10.886 de 2004, que criou novos tipos penais, inserindo ao artigo 129 os parágrafos nono e décimo que trataram da violência Doméstica, política criminal que muitas pessoas consideraram muito aquém do esperado e do necessário.
No dia 07 de agosto de 2006 foi publicada a Lei n.º 11.340, considerada por muitos um marco na luta pelos direitos das mulheres.
Entrou em vigor em 22 de setembro de 2006, a Lei n.º 11.340, de 07 de agosto de 2006, conhecida como Lei Maria da Penha, embora tal denominação não tenha sido feita em seu texto.
Considerações finais
Verificou-se que a mulher, desde tempos remotos, foi condicionada e submetida a ocupar posição secundária na sociedade. Primeiramente pela força, e depois, por meios mais sutis como a criação de leis, e toda uma cultura machista e patriarcalista.
Todavia, com a evolução da sociedade, a saída da mulher da casa para trabalho, iniciou-se um processo de libertação das mulheres, que, de maneira gradativa, e após muita luta, culminou em diversas leis visando igualar homens e mulheres em direitos.
Mas esse processo não ocorreu de maneira pacífica, uma vez que mulheres do mundo todo, ainda são agredidas pelos seus companheiros que resistem em aceitar essa nova realidade. Assim, praticam a violência doméstica e familiar, que é uma forma de violência invisível e covarde, mas que gera consequências nefastas para toda a sociedade.
Diante desse quadro, atendendo aos compromissos assumidos pelo Brasil perante a comunidade internacional, bem como para dar efetividade à garantias e direitos constitucionais, a Lei Maria da Penha foi criada e, em seu bojo, trouxe inovações.
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Para isso criou variadas medidas de proteção, ampliou conceitos e deu nova leitura a institutos já ultrapassados.
Neste trabalho será abordado o tema dos direitos das mulheres, sua relação com os direitos humanos e fundamentais e a sua evolução ao longo da história no Brasil e no mundo, até a criação da Lei n.º 11.340/2006.
Objetiva-se demonstrar a discriminação e o papel secundário na sociedade a que a mulher estava relegada, bem como a mudança e evolução dos seus direitos ao longo da história. Por primeiro, será realizada uma abordagem e correlação entre os direitos humanos e a mulher, passando pela origem de sua discriminação e a luta pela conquista de seus direitos.
1 Os direitos humanos e fundamentais e a mulher
Tema que preocupa filósofos, juristas, historiadores, sociólogos, os Direitos Humanos não evoluíram de forma harmoniosa.
Seu conteúdo é fruto de uma evolução histórica que, diuturnamente, em diversas partes do planeta se consolida.
Por direitos humanos ou direito do homem são modernamente entendidos aqueles direitos fundamentais que o homem possui pelo fato de ser homem, pela sua própria natureza humana, pela dignidade que a ela é inerente. São direitos que não resultam de uma concessão da sociedade política. Pelo contrário, são direitos que a sociedade política tem o dever de consagrar e garantir.
Nos últimos duzentos anos da história testemunhou-se a luta de muitas pessoas pela definição desses direitos considerados fundamentais.
Indubitavelmente a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão da Assembleia Nacional Francesa de 1789 teve grande repercussão e ainda hoje serve de inspiração para a elaboração de vários diplomas legais.
A Revolução Francesa marcou sobremaneira as transformações culturais e sociais da época as quais ressoam vigorosamente na atualidade.
O limite à autoridade do Estado determinou os principais direitos individuais, civis e políticos. Com a limitação do poder do Estado, ficam fora de seu alcance um núcleo irredutível de liberdades, conhecidos como direitos fundamentais de primeira geração.
Alexandre de Moraes conceitua “[...] os direitos fundamentais de primeira geração são os direitos e garantias individuais e políticos clássicos (liberdades públicas), surgidos institucionalmente a partir da Magna Charta.” (2008, p.31).
As liberdades são os primeiros direitos do homem. O poder de agir ou não agir independentemente do Estado. Surgiram da ideia de Estado de direito, submisso a uma Constituição.
O contexto histórico na qual foram concebidos a ideia de um Estado em que as funções do poder fossem atribuídas a órgãos distintos impedindo a concentração de poderes e o arbítrio de uma ou de um grupo de pessoas, explicam seu surgimento.
Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior (2005, p.115) comentam:
São os direitos de defesa do indivíduo perante o Estado. Sua preocupação é a de definir uma área de domínio do Poder Público, simultaneamente a outra de domínio individual, na qual estaria forjado um território absolutamente inóspito a qualquer inserção estatal. Em regra, são integrados pelos direitos civis e políticos, dos quais são exemplo o direito à vida, à intimidade, à inviolabilidade de domicílio etc. Trata-se de direitos que representavam uma ideologia de afastamento do Estado das relações individuais e sociais.
Ainda, como salientado por Elida Séguin (1999, p.6), a história ensina que:
(...) as primeiras declarações dos Direitos do Homem, surgidas no século XVIII, expressam a ascensão da burguesia e a decadência do regime feudal, em que diversas lutas marcaram época – além de serem importantes conquistas do Homem como ser livre e pensante – a saber, a Revolução Industrial e a Revolução Francesa, além da Declaração de Virgínia.
Já os direitos sociais, econômicos e culturais, conhecidos como direitos humanos de segunda geração, exigiam a ação do Estado para promover e garantir a cidadania básica. Surgiram no século XIX e início do século XX após a conquista dos direitos individuais, de primeira geração como um processo evolutivo.
A esse respeito Zimmermann (2006, p. 263) diz:
Assim, eles correspondem à uma próxima etapa progressiva dos direitos fundamentais, quando surgiram certos direitos sociais que reivindicaram o redirecionamento do poder do Estado, no sentido do atendimento às necessidades mínimas da pessoa humana. Em outras palavras, se com os direitos de primeira geração foi restringido o potencial opressor do Estado, com os direitos de segunda geração o Estado haveria de satisfazer certas necessidades que pudessem tolher a plena possibilidade de libertação humana. Buscar-se-ia, portanto, a subsidiariedade do Estado para o aumento do rol dos chamados direitos fundamentais.
Com o novo enfoque dado ao Estado, anteriormente policial, das liberdades negativas, o Estado passa a ter uma posição oposta àquela em que se encontrava diante dos direitos fundamentais de primeira geração.
Exigiu-se do Estado uma postura ativa, na busca pelo suprimento das carências individuais e sociais. Os direitos fundamentais de segunda geração são também denominados como direitos positivos em contraposição aos direitos de primeira geração, conhecidos como direitos negativos.
Finalmente, os direitos de terceira geração surgiram, complementando o lema da Revolução Francesa: liberdade, igualdade, fraternidade. Como bem asseverado por Zimmermann (2006, p. 263):
Por fim, após a luta pela liberdade e o anseio de satisfação das necessidades básicas, surgiria uma nova geração de direitos fundamentais, desta feita preocupados como destino da humanidade e a essência do ser humano. Eles foram reconhecidos como direitos de terceira geração, que são direitos transindividuais, mas também observados como coletivos ou difusos, basicamente relacionados com os direitos ao meio ambiente, ao desenvolvimento econômico e à defesa do Consumidor.
Ainda, como salientado por Luiz Alberto David de Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior (2005, p. 116):
A essência a esses direitos se encontra em sentimentos como a solidariedade e a fraternidade, constituindo mais uma conquista da humanidade no sentido de ampliar os horizontes de proteção e emancipação dos cidadãos.
Inquestionável a evolução dos Direitos Humanos devido aos acontecimentos e a época.
Após o período da II Guerra Mundial, criou-se a Organização das Nações Unidas com o fim de estabelecer e manter a paz mundial, numa reação às atrocidades cometidas durante a guerra, surgindo a ideia de humanidade.
Naquele período, foi escrita a Carta das Nações Unidas, que exprimiu o desejo dos povos em preservar as futuras gerações dos horrores da guerra e proclamar a crença nos direitos fundamentais do homem.
Destarte, falar que os direitos das mulheres se situam, sem reservas, dentro dos Direitos Humanos, os quais têm caráter universal seria redundante e desnecessário.
Todavia, a maioria das declarações, convenções e textos de direitos humanos, ao se referirem ao ser humano, tinham como modelo o homem, principalmente o ocidental, rico, branco e sadio.
Estas declarações não refletiam as experiências e dificuldades das mulheres nas suas vidas, ignorando a promoção e a defesa de seus direitos.
Ocorre que há bem pouco tempo, a mulher ainda não estava plenamente inserida no grupo dos que podiam desfrutar de todos os direitos mundialmente conhecidos como Direitos Humanos.
A mulher, entendida por nós como cidadã e importante agente transformador da sociedade, a qual representa, sabidamente, a grande maioria da população do nosso país e do mundo era simplesmente ignorada na seara dos Direitos Humanos.
Destarte, por entender as muitas peculiaridades que caracterizam a mulher, passa-se ao estudo da origem da discriminação e submissão da mulher.
2 Origem da discriminação contra a mulher
Submetidas ao poder masculino desde tempos remotos, as mulheres sofreram demasiadamente a influência negativa da dominação masculina.
A submissão a que estavam (e ainda estão) relegadas as mulheres, não diferencia classe social, cultura, religião e ocorre nos mais variados segmentos da sociedade em diferentes estágios de desenvolvimento econômico e social.
Conforme salienta Maria Berenice Dias (2008, p.15):
Ninguém duvida que a violência sofrida pela mulher não é exclusivamente de responsabilidade do agressor. A sociedade ainda cultiva valores que incentivam a violência, o que impõe a necessidade de se tomar consciência de que a culpa é de todos. O fundamento é cultural e decorre da desigualdade no exercício de poder e que leva a uma relação de dominante e dominado. Essas posturas acabam sendo referendadas pelo Estado. Daí o absoluto descaso de que sempre foi alvo a violência domestica.
Não seria forçoso afirmar que a violência sofrida pelas mulheres e submissão a que estão sujeitas é fruto de uma cultura machista discriminatória em que toda a sociedade tem sua parcela de culpa.
Outros fatores também são determinantes para violência de gênero como: as diferenças sociais, econômicas e políticas entre homens e mulheres, além da diferenciação de papéis e as noções de virilidade ligadas ao domínio e a honra masculina.
Para Teles e Melo (2003, p. 16):
A sociologia, a antropologia e outras ciências humanas lançaram mão da categoria de gênero para demonstrar e sistematizar as desigualdades socioculturais existentes entre mulheres e homens, que repercutem na esfera da vida pública e privada de ambos os sexos, impondo a eles papéis sociais diferenciados que foram construídos historicamente, e criaram pólos de dominação e submissão.
Inicialmente, pode-se dizer que o controle masculino se deu por força bruta e, concomitantemente, foram introduzidos métodos mais sofisticados de dominação como: as leis, os costumes, a religião, a filosofia, a ciência e a política.
Ainda hoje é comum encontrar exemplos de mulheres subordinadas aos seus pais ou maridos, sendo impedidas de tomarem suas próprias decisões, tal como determinava o ordenamento jurídico brasileiro vigente até 1977.
As mulheres perderam muito em autonomia, liberdade e até o direito de controle sobre o próprio corpo.
Nesse viés, Leda Maria Hermann diz:
Historicamente, o controle jurídico-penal da moral sexual feminina deu-se através de (suposta) proteção legal à virgindade e à fidelidade no casamento – esta última ativamente focada na conduta da mulher casada, já que infidelidade é culturalmente execrada, enquanto o homem goza de relativa licença social para dar suas escapadas. A criminalização de condutas ofensivas à virgindade – o crime de defloramento constou da legislação penal até o advento do Código Penal de 1941, ainda vigente – e à fidelidade (notadamente feminina) nunca foi, na realidade, voltada à garantia dos direitos da mulher, mas à defesa dos direitos do homem provedor, senhor e proprietário (o cara) da mulher-esposa ou da mulher-filha (a coisa) (HERMANN, 2007, p. 32/33).
Salienta ainda Hermann (2007, p.26):
De todos os preconceitos despertados pela figura feminina, os mais universais e intensos estão ligados à sua sexualidade.[...] A Ciência também discriminou a mulher, pelo menos até bem pouco tempo. No século XIX Gustave Le Bon, um dos fundadores da psicologia social, afirmou que uma mulher inteligente é algo tão raro quanto um gorila de duas cabeças. Charles Darwin, embora reconhecendo algumas qualidades femininas, como a intuição, as definia como virtudes características das raças inferiores. Todavia, é na moral sexual da mulher que a cultura machista concentra mais intensamente a carga de discriminação, gerando desigualdade.
Naquela época, a “virtude” da mulher encontrava-se tão-somente em sua virgindade, a qual compreendia também a honra da família desta. Por isso, o patriarca a guardava como um bem valioso, tornando a mulher uma subserviente, que lhes prestava apenas para dirigir o lar, onde não corria o risco de perder sua “virtude”.
Mediante a instituição de diversas medidas como as ações discriminatórias e controladoras, a população feminina foi submetida à cultura machista.
A discriminação não deixa de ser uma forma e um dos aspectos fundamentais da violência. Ela muitas vezes sustenta e justifica os atos violentos.
O instinto ou o exercício do poder masculino não pode mais ser utilizado para justificar atos violentos, já que a socialização trouxe a ideia de igualdade e respeito ao próximo. A esse respeito Giordani escreve (2006, p. 105):
De acordo com essa perspectiva, a maioria dos autores contemporâneos que abordam a violência contra a mulher defende que as relações entre os sexos são constituídas socialmente, afastando o caráter naturalizado e biológico que há poucas décadas caracterizava as diferenças sexuais e justificava o exercício da dominação masculina sobre as mulheres. É a partir dessa nova óptica da categoria de gênero que Izumino (1998) propõe uma releitura das relações estabelecidas entre as vitima e seu ofensor.
Outra questão a ser ressaltada é que os espaços de convívio social são demasiadamente influenciados em razão da discriminação e do desequilíbrio das relações pautadas no gênero.
Não só as mulheres são afetadas, mas também a sociedade de um modo geral, pois a mulher, como agente transformador da sociedade, tem limitada a sua capacidade de exercer um papel ativo na comunidade em que está inserida.
Somadas as relações de gênero e as relações de poder, tem-se o retrato das relações interpessoais e seus efeitos, principalmente no que tange à violência domestica contra a mulher.
Voltando ao aspecto histórico da discriminação das mulheres, com a Revolução Francesa, foi promulgada a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão sob a égide dos princípios da liberdade, da igualdade e da fraternidade, inaugurando assim um novo ideal para a convivência humana.
Ocorre que referido documento não garantia a igualdade de direito para as mulheres. Por isso, as francesas reagiram e passaram a exigir direitos.
Olympe de Gouges, feminista, revolucionária, jornalista e escritora, se manifestou em defesa do direito da cidadã e escreveu a Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã. Por defender tais ideias, foi exilada e condenada a morte, sendo guilhotinada em 03 de novembro de 1793 (WIKIPEDEIA, online, 2010).
Os direitos das mulheres só foram reconhecidos como direitos humanos em 1993, passados mais de 200 anos da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão em 1789.
Comenta Cintia Robert:
Informações da ONU noticiam que a Declaração dos Direitos de Virgínia (1776) e a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789) não contemplaram a questão de gênero. Em 10 de dezembro de 1998 foi o 50º aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos e foi também em 1998 comemorado o 5º aniversário da II Conferência Mundial de Direitos Humanos, realizada pela ONU em 1993, em Viena, em que formalmente se reconheceram os direitos das mulheres como direitos humanos. (SÉGUIN, 1999, p. 6)
Oportuno delinear o contexto histórico no qual ocorreram as transformações sociais para as mulheres até o presente momento.
3 Contexto histórico da evolução dos direitos da mulher
A idade moderna foi marcada por um grande desenvolvimento nas ciências e consequentemente, na tecnologia, a qual passou a ser necessária para o sustento de um novo sistema econômico que surgira, frutificando em novas relações comerciais.
A evolução da tecnologia industrial impulsionou a necessidade de mão de obra operária, exigindo que as mulheres saíssem de suas casas para o mercado de trabalho. Entretanto, seu valor salarial era inferior, devido ao baixo nível de escolaridade e pouca qualificação para trabalhos específicos.
Ainda, como menciona Hermann (2008, p. 68):
A efervescência dos ideais democráticos no século XIX fez da batalha pelo direito ao voto o impulso fundamentais dos movimentos das mulheres. Equiparadas aos doentes e deficientes mentais e às crianças, as mulheres eram consideradas intelectualmente incapazes de exercer direitos políticos.
No século XIX, estruturam-se as bases da teoria socialista que eram bem diferentes do capitalismo. Os autores que mais se destacaram foram Karl Marx e Friederich Engels, filósofos alemães. Os valores da sociedade serviram de foco para questionar a condição da exploração das mulheres na sociedade.
Priorizavam as lutas de classes, considerando-as caminho direto para a democracia racial e sexual, na proporção em que se reduzem as diferenças socioeconômicas entre os membros da sociedade. Reduzem o racismo e a inferioridade social da mulher.
Conforme relata Carlos Roberto de Siqueira Castro (1983, p. 181):
Cumpre notar, neste passo, que o grande teórico da critica socialista à condição inferior da mulher foi Engels, que atribuiu essa inferioridade ao surgimento da propriedade privada e da família monogâmica, ambas a serviço da ideologia capitalista.
Da necessidade do desenvolvimento industrial do século XIX, que produziu significativo aumento no setor terciário, surgiu a inserção das mulheres no mercado de trabalho (HERMANN, 2008, p.69-70):
Tal discriminação despertou a indignação feminina por vários motivos. Um deles foi o ingresso restrito, mas progressivo das mulheres no mercado de trabalho, a partir de fins do século XIX. Nessa época o trabalho feminino em escritórios, lojas, centrais telefônicas e profissões assistenciais começou a crescer, emergindo também em indústrias manufatureiras, principalmente no Terceiro Mundo, onde a mão de obra feminina era procurada por ser mais barata e menos rebelde.
A mulher se deu conta do conflito existente entre a ideologia dominante “o mundo dos homens”: eterno, do trabalho, da chefia; e “o mundo das mulheres”: interno, doméstico, da submissão.
Outro fator importante para a tomada de consciência da submissão feminina foi o fato de elas adentrarem nos cursos de educação superior. Hobsbawm ressalta que (2003, p. 305):
As mulheres também entraram, e em numero impressionantemente crescente, na educação superior, que era agora a mais óbvia porta de acesso às profissões liberais. [...] A entrada em massa de mulheres casadas – ou seja, em grande parte mães – no mercado de trabalho e a sensacional expansão da educação superior formaram o pano de fundo, pelo menos nos países ocidentais típicos, para o impressionante reflorescimento dos movimentos feministas a partir da década de 1960. Na verdade, os movimentos de mulheres são inexplicáveis sem esses acontecimentos.
A reação feminina despontou de forma organizada e com caráter coletivo no século XIX, em torno do ideal pela conquista da cidadania, o que se convencionou denominar sufragismo.
Siqueira Castro comenta (1983, p. 174):
É certo, ainda, que nos Estados Unidos da América o primeiro grupo feminista organizado visava à causa abolicionista, reunindo mulheres como Susan B. Anthony, Lucretia Mott, Elisabeth Cady Stanton, Lucy Stone e Frances Wright, que resultou na fundação da “Sociedade Antiescravagista Norte-America. Contudo, esse mesmo grupo, reunido na Convenção de Sêneca Falls sobre o direito da mulher no ano de 1848, muito embora reivindicando, alem de outras postulações, igualdade de propriedade, de salário, a custodia dos filhos, a autonomia para efetuar contratos e a capacidade para propor ações judiciais, adota como bandeira do movimento a luto sufrágio feminino, isto na presunção de que tal conquista se faria fundamental para a obtenção de outros direitos da mulher americana.
No ano seguinte, as americanas criaram a “Associação Nacional dos Direitos da Mulher” e conquistaram o direito à cidadania somente em 1920, com a Emenda Constitucional n.º 19. Novamente, buscando o auxilio das palavras de Siqueira Castro (1983, pp. 174-175).
Com esse objetivo, organizava-se no ano seguinte a “Associação Nacional dos Direitos da mulher”, cuja atuação foi responsável pela conquista de várias das aspirações inicia, sem obstância de o almejado direito de voto somente ter sido obtido com a ratificação da Emenda Constitucional n.º 19, no ano de 1920, portanto 50 anos apos a concessão de idêntico direitos aos negros estadunidenses mediante a Emenda de n.º 15.
Após a conquista do direito ao voto e direitos civis iguais, grande objetivo das mulheres da época, os movimentos feministas se recolheram. Eric Hobsbawm (2003, p. 306):
Continuaram nas sombras, apesar da vitória do antifascismo e (na Europa Oriental e partes do Leste Asiático) da revolução, que estenderam os direitos conquistados após 1917 à maioria dos países que ainda não os tinha, mais nitidamente dando direito de voto às mulheres da França e Itália na Europa Ocidental, e na verdade às mulheres em todos os países recém-comunistas, em quase todas as ex-colônias e (nos primeiros dez anos do pós-guerra) na América Latina. Na verdade, onde realizavam eleições, as mulheres em toda parte do mundo haviam adquirido direito de voto na década de 1960, com exceção de alguns Estados islâmicos e, um tanto curiosamente, da Suíça.
Na década de 60, os movimentos feministas sofreram uma guinada significativa, identificando-se com o movimento de massa. Analisa Hobsbawm (2003, p. 306):
No entanto, a partir da década de 1960, começando nos EUA, mas espalhando-se rapidamente pelos países rico do Ocidente e alem, nas elites de mulheres educadas do mundo dependente – mas não, inicialmente, nos recessos do mundo socialista -, encontramos um impressionante reflorescimento do feminismo. Embora esses movimentos pertencessem, essencialmente, ao ambiente de classe media educada, é provável que na década de 1970, e sobretudo na de 1980, uma forma política e ideologicamente menos específica de consciência feminina se espalhasse entre as massas do sexo (que as ideólogas agora insistiam que devia chamar-se “gênero”), muito além de qualquer coisa alcançada na primeira onda de feminismo.
O movimento feminista vai além de uma luta pela igualdade dos direitos, passando a questionar origens e as raízes culturais dessas diferenças.
Uma das grandes contribuições alcançadas pelos movimentos feministas foi a categorização de gênero, surgida na década de 70, pois essa categorização desmistificou a ideia de que as mulheres estariam se intrometendo nos espaços dos homens.
Contudo, mesmo tendo os movimentos feministas conquistado vários direitos e seu espaço na sociedade, as mulheres continuam sendo submetidas aos homens e sofrem agressões dentro dos lares.
4 Evolução dos direitos das mulheres no Brasil
Assim como nos demais países do mundo, os sinais de transformação começaram a ser evidenciados no Brasil com os movimentos abolicionistas e republicanos, porém de forma isolada.
A evolução dos direitos das mulheres no Brasil seguiu de forma lenta e muitas vezes atrasada com relação aos países europeus, em razão da grande diferença do estágio cultural existente.
Importante relembrar alguns aspectos históricos do Brasil.
À época em que o Brasil era colônia de Portugal, estava sujeito aos regulamentos provenientes da metrópole. Essa relação de colônia e metrópole afetou significativamente o desenvolvimento de todo o Direito brasileiro, e consequentemente, os direitos relativos à mulher. Sobre esse assunto Silvia Pimentel analisa (1978, p.14):
O Brasil-colônia regulava-se pelas leis portuguesas. Quando se tornou independente politicamente, não possuindo capacidade de organização necessária para se auto-regular, continuou valendo-se de leis alienígenas. Isso passou a ser tradição. [...] Grande número de leis brasileiras são transplantes das legislações européia e americana. Historicamente, o fato se liga ä condição colonial do Brasil. Faltando no país escolas especializadas, grande parte dos filhos de brasileiros importantes e ilustres estudava fora do Brasil, e, ao voltar, trazia uma bagagem cultural que nada tinha a ver com a grande maioria dos problemas da realidade sub-desenvolvida brasileira.
Com a proclamação da independência, Dom Pedro I tornou-se imperador do Brasil e deixou de ser colônia portuguesa.
Registra Irede Cardoso (1986, p.77):
Dom Pedro I, em 1823, estabeleceu os critérios para a convocação da primeira Assembléia Nacional Constituinte do País. E tais critérios revelam as origens de nossa cultura elitista, que exclui a imensa maioria, até os dias de hoje, da possibilidade de decidir sobre o planejamento de nossa sociedade. Na época, quem tivesse rendimentos anuais superiores a 100 mil réis poderia ser eleitor. No entanto, para ser votado, o cidadão teria que demonstrar renda superior a 200 mil réis anuais. Mulheres, negros, todos os despossuídos ficaram, então, à margem do processo.
Outro grande problema foi a discussão que se seguiu à convocação da Constituinte. Dom Pedro I, ao perceber que seu próprio poder estava sendo questionado e tentavam impor limites à sua atuação, fechou a Assembleia e criou o Conselho de Estado para que elaborassem o texto da nova Constituição. Desta forma, foi criado o “Poder Moderador”, figura criada para assegurar os poderes especiais de D. Pedro I.
Em 1891, Marechal Deodoro da Fonseca proclamou a República e o Império dos descendentes portugueses chegou ao seu fim.
Convocou-se Nova Assembleia Nacional Constituinte. Todavia, a época era diferente: os escravos haviam conseguido sua liberdade, as cidades eram mais populosas e começava a imigração de estrangeiros e a industrialização.
Muito embora o contexto histórico fosse diferente (CARDOSO, 1986, p.78):
A nova Assembléia Nacional Constituinte continuava discriminando as mulheres, os analfabetos, os negros, praças e religiosos. Da mesma forma, o poder econômico continuou sendo abusivo, e os deputados eleitos representavam os interesses dos fazendeiros, da nascente burguesia industrial e financeira, e dos oficiais militares.
Em 24 de fevereiro de 1932 a mulher conquistava o direito ao voto, ou seja, o exercício da cidadania foi permitido às mulheres casadas, viúvas e solteiras desde que tivessem renda própria. Essas restrições foram eliminadas em 1934.
Como bem mencionado por Silvia Pimentel, “pela primeira vez, 1934, o constituinte brasileiro demonstra sua preocupação pela situação jurídica da mulher proibindo expressamente privilégios ou distinções por motivo de sexo” (1978, p. 17).
Mas o voto feminino não era obrigatório. Somente 14 anos após a conquista, em 1946 a obrigatoriedade em votar foi estendida às mulheres. Conforme ressalta Irede Cardoso (1986, p. 80):
A conquista do direito ao voto pelas mulheres e maiores de 18 anos, festejada até hoje, foi, em seguida, com a ditadura, retirada por longos 15 anos. 1934 já deixava antever o fortalecimento evidente do poder federal, que passou a ter possibilidades maiores de intervenção nos Estados da Federação.
Isso porque a Constituição de 1937 deixou de contemplar os direitos da mulheres e a constituição de 1946 copiou o texto da Constituição anterior. Transcreve-se as palavras de Silvia Pimentel (1978, p.17):
A Constituição de 1937, de reconhecida tendência autoritária e outorgada ao País no momento da instalação do Estado Novo, suprimiu a referência expressa à igualdade jurídica de ambos os sexos, retornando à fórmula genérica das constituições brasileiras promulgadas no século anterior. A Constituição de 1946 limitou-se a reproduzir o mesmo texto.
Somente com a Constituição de 1967 é fixado o preceito de igualdade para todos perante a lei sem distinção de sexo, isso porque elaborada após a Declaração Universal dos Direitos do Homem.
Com isso, a isonomia jurídica entre homem e mulher é afirmada como norma constitucional.
Outra grande conquista das mulheres ocorrida na década de 60 foi a publicação do Estatuto da Mulher Casada que modificou sensivelmente os direitos das mulheres na esfera civil.
O Código Civil de 1916 manteve os princípios conservadores da época da proclamação da república e do império e manteve o homem como chefe da sociedade conjugal, igualando as mulheres aos silvícolas, aos pródigos e aos menores de idade..
A esse respeito, Karina Melissa Cabral escreveu (2008, p. 40):
O Código Civil de 1916 foi muito aguardado, porém para as mulheres em quase nada revolucionou, pois acabou confirmando a tendência conservadora do Estado e da Igreja, e consagrou a superioridade do homem, dando o comando unido da família ao marido, e delegando a mulher casada a incapacidade jurídica relativa, equiparada aos índios, aos pródigos e aos menores de idade. [...] Devido ao Código Civil o marido se constituiu o chefe da sociedade conjugal e o administrador exclusivo dos bens do casal, tendo somente ele o direito de fixar o domicílio da família, do qual se a mulher dele se afastasse por qualquer motivo poderia ser acusada de abandono de lar, com perda do direito à alimentos e à guarda dos filhos.
O Código Civil de 1916 supera-se em sua discriminação contra as mulheres ao prever no artigo 186, que em havendo discordância entre os cônjuges prevalecerá a vontade paterna .
O seu artigo 380, ainda, dava ao homem o exercício do pátrio poder permitindo tal exercício a mulher apenas na falta ou impedimento do marido .
As discriminações do referido diploma legal seguem no seu artigo 385 conferindo ao pai a administração dos bens do filho e à mãe, somente na falta do cônjuge varão .
O artigo 240 define a situação hierárquica inferior da mulher ao estabelecer que a mulher assumiria, pelo casamento, com os apelidos do marido, a condição de sua companheira, consorte e auxiliar nos encargos da família .
Por fim, cita-se o artigo 242 que restringia a pratica de determinados atos da mulher sem a autorização do marido .
Referidos artigos não deixam dúvidas acerca da inferioridade a que eram relegadas as mulheres no plano do Direito Civil.
Com o advento da Lei nº 4.121/62 (Estatuto da Mulher Casada) nosso Código Civil sofreu significativas mudanças.
O artigo 393 que retirava da mulher o pátrio poder, em relação aos filhos do leito anterior, quando contraísse novas núpcias, teve sua redação alterada proclamando que a mulher não mais perderia os direitos do pátrio poder quando contraísse novas núpcias .
Já o artigo 380 que dava o exercício do pátrio poder ao marido e somente na falta deste à mulher, concedeu o exercício do pátrio poder a ambos os pais, prevalecendo a vontade do homem no caso de discordância do casal, ressalvado à mãe o direito de recorrer ao juiz para solução da divergência. A ressalva foi inserida em seu parágrafo único .
Embora a mulher tenha conseguido seu direito à cidadania em 1932, sua capacidade civil só foi implementada em 1962, com o chamado Estatuto da Mulher Casada.
Mesmo com a implementação do Estatuto da Mulher Casada, restaram desigualdades absurdas, como elenca Karina Melissa Cabral (2008, p.44-45):
O Estatuto, que foi incorporado ao Código Civil revogou a incapacidade relativa da mulher e corrigiu algumas aberrações, porém, deixou de corrigir outras igualmente intoleráveis. Apresentamos, assim, algumas dessas aberrações:
- A consideração de erro essencial a pessoa, por defloramento da mulher ignorado pelo marido, motivo de anulação de casamento.;
- A manutenção do artigo que permite ao pai deserdar a filha considerada “desonesta”, se esta viver sob o teto paterno;
O assassinato de mulheres, à época da criação da República, era legitimado quando se dava sob o pretexto de adultério, que era a relação da mulher fora do casamento. Hoje o crime de adultério está revogado pelo Lei n.º 11.106/05 publicada no Diário Oficial da União de 29 de março de 2005, que inseriu importantes modificações no Código Penal Brasileiro.
Naquela época, a infidelidade, o abandono e a brutalidade praticada contra as mulheres era justificada pelos homens como “crise na família”, devido a saída da mulher do seio familiar para desenvolver atividade remunerada, sendo também, a paixão outra justificativa.
A violência era tida como elemento estrutural, necessária à organização social de gênero e fazia com que o homem garantisse sua posição privilegiada na sociedade. O extremo da violência marcada pelo assassinato era justificado pela “paixão” que cegava o homem de bem e fazendo crer “que a honra era uma paixão social e que mantinha a coesão da vida em sociedade” (BORELLI, 2005, p.34).
“Em 18 de dezembro de 1979 foi realizada a Convenção sobre Eliminação de todas as formas de Discriminação contra a Mulher. Adotada pela Resolução 341/80 da Assembleia Geral das Nações Unidas” (MAZZUOLI, 2006, p. 646).
Referida Convenção foi um marco na luta contra a discriminação de gênero. Como delineado por Glaurice Carvalho (1999, p. 25-26):
As determinações dessa convenção se concentram, de forma clara e objetiva, na busca da plena igualdade entre o homem e a mulher:
- perante a lei em geral;
- nos campos da educação da mulher;
- nas leis trabalhistas;
- na liberdade e direitos individuais;
- e até mesmo além das fronteiras urbanas. [...]
Essa grande convenção que tratou, especificamente, da eliminação de TODAS AS FORMAS de discriminação contra a mulher, foi aprovada pela organização das Nações Unidas e recebeu, através do Decreto Legislativo, datada de 2606.94, o “aceite” do Congresso Nacional, sem nenhuma alteração.
Foi reconhecido que a discriminação contra a mulher viola os princípios da igualdade e da dignidade humana, dificultando sua participação na vida política, social, econômica e cultural do país, se comparada a participação masculina, prejudicando não só o bem-estar da família e da sociedade, como também freando as possíveis transformações que as ações femininas podem imputar ao seu país e à humanidade.
A Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 05 de outubro de 1988, dispôs dentre seus princípios norteadores o da dignidade da pessoa humana seja ela homem, mulher, criança ou idoso. (artigo 1º, inciso III).
Medida importante tomada pelo governo brasileiro foi a ratificação da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher.
A chamada “Convenção de Belém do Pará”, adotada pela Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos (OEA) em julho de 1994 e ratificada pelo Brasil em novembro de 1995 complementou a Convenção Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher.
Obtempera Karina Melissa Cabral (2008, p. 134):
A Convenção de Belém do Pará traz a definição de violência domestica contra a mulher em seu artigo 1º como sendo “toda aquela que tenha ocorrido dentro da família ou unidade domestica ou em qualquer outra relação interpessoal, em que o agressor conviva ou haja convivido no mesmo domicílio, na comunidade e perpetrada por qualquer pessoa, na comunidade, local de trabalho, estabelecimentos educacionais de saúde ou qualquer outro lugar, e mesmo aquela perpetrada ou tolerada pelo Estado ou seus agentes onde quer que ocorra”.
Um fato interessante é que até o ano de 1995 o delito de lesão corporal estava sob a égide do Código Penal, Decreto-Lei 2.848 de 1940 que, pelo preceito secundário, era punido com uma pena ínfima, a qual estava sujeita a prescrição.
Posteriormente, com a edição da lei 9.099/95, os delitos de lesão corporal leve se tornaram sinônimo de cesta básica, o que deixou de intimidar o homem a não mais reincidir neste tipo penal.
Em 1996 as Delegacias de Defesa da Mulher passaram a atender também crianças e adolescentes vítimas de violência.
No ano de 2001 foi promulgada a lei 10.259 que instituiu os Juizados Especiais Federais que, em seu artigo 2º tratou da matéria sobre infrações penais de menor potencial ofensivo, elevando de um ano para dois o limite da pena para que assim fosse considerado, derrogando o artigo 61 da Lei 9.099/95 que previa pena máxima não superior a um ano.
Para Maria Berenice Dias (2008, p. 21):
A criação de medidas despenalizadoras, a adoção de um rito sumaríssimo, a possibilidade de aplicação da pena mesmo antes do oferecimento da acusação e sem discussão da culpabilidade, agilizaram o julgamento dos crimes considerados de pequeno potencial ofensivo. Com isso a Justiça desafogou-se, ganhou celeridade e diminuiu a ocorrência de prescrição, emprestando maior credibilidade ao Poder Judiciário.
Saída eficaz para destrancar o judiciário, mas ineficaz ao tratar da violência sofrida por mulheres no seio de seus lares.
Pressionados pela Sociedade Internacional, nossos legisladores editaram a lei 10.886 de 2004, que criou novos tipos penais, inserindo ao artigo 129 os parágrafos nono e décimo que trataram da violência Doméstica, política criminal que muitas pessoas consideraram muito aquém do esperado e do necessário.
No dia 07 de agosto de 2006 foi publicada a Lei n.º 11.340, considerada por muitos um marco na luta pelos direitos das mulheres.
Entrou em vigor em 22 de setembro de 2006, a Lei n.º 11.340, de 07 de agosto de 2006, conhecida como Lei Maria da Penha, embora tal denominação não tenha sido feita em seu texto.
Considerações finais
Verificou-se que a mulher, desde tempos remotos, foi condicionada e submetida a ocupar posição secundária na sociedade. Primeiramente pela força, e depois, por meios mais sutis como a criação de leis, e toda uma cultura machista e patriarcalista.
Todavia, com a evolução da sociedade, a saída da mulher da casa para trabalho, iniciou-se um processo de libertação das mulheres, que, de maneira gradativa, e após muita luta, culminou em diversas leis visando igualar homens e mulheres em direitos.
Mas esse processo não ocorreu de maneira pacífica, uma vez que mulheres do mundo todo, ainda são agredidas pelos seus companheiros que resistem em aceitar essa nova realidade. Assim, praticam a violência doméstica e familiar, que é uma forma de violência invisível e covarde, mas que gera consequências nefastas para toda a sociedade.
Diante desse quadro, atendendo aos compromissos assumidos pelo Brasil perante a comunidade internacional, bem como para dar efetividade à garantias e direitos constitucionais, a Lei Maria da Penha foi criada e, em seu bojo, trouxe inovações.
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