segunda-feira, 16 de outubro de 2017

LEI MARIA DA PENHA : Disposições preliminares – artigos 1º, 2º, 3º e 4º Comentários: Carmen Hein de Campos

Art.1º. Esta Lei cria mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8o do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a Mulher, da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher e de outros tratados internacionais ratificados pela República Federativa do Brasil; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; e estabelece medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de violência doméstica e familiar.
Art. 2o Toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião, goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhe asseguradas as oportunidades e facilidades para viver sem violência, preservar sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social. 
Art. 3o Serão asseguradas às mulheres as condições para o exercício efetivo dos direitos à vida, à segurança, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, à moradia, ao acesso à justiça, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária.
§1º O poder público desenvolverá políticas que visem garantir os direitos humanos das mulheres no âmbito das relações domésticas e familiares no sentido de resguardá-las de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. 
§ 2o Cabe à família, à sociedade e ao poder público criar as condições necessárias para o efetivo exercício dos direitos enunciados no caput. 
Art. 4o Na interpretação desta Lei, serão considerados os fins sociais a que ela se destina e, especialmente, as condições peculiares das mulheres em situação de violência doméstica e familiar. Proteger as mulheres da violência no âmbito doméstico e familiar diz respeito à capacidade do estado de garantir nossa segurança e nossa cidadania. 

COMENTÁRIOS
Nesse sentido, afirma Lúcia Avelar (2004) que o debate entre cidadania e segurança humana é essencial à democracia. A Lei Maria da Penha faz surgir o mecanismo jurídico mais importante para a garantia da segurança das mulheres Carmen Hein de Campos 174 e a promoção da cidadania feminina . Os altos índices de violência doméstica praticados contra mulheres no Brasil informam um padrão sistemático dessa violência e a impossibilidade do exercício da cidadania feminina sob essa inaceitável condição. Recente pesquisa da Fundação Perseu Abramo (2010) revelou que a violência doméstica contra mulheres não se alterou nos últimos dez anos. Na pesquisa realizada, 13% das mulheres relataram ter sofrido ameaça de surra (em 2001 o índice foi de 12%) e uma em cada dez mulheres (10%) relatou ter sido espancada ao menos uma vez na vida (11% na pesquisa anterior). Observa-se, portanto, que a violência nas relações conjugais de conjugalidade e domésticas é uma realidade ainda persistente. Essa tolerância tem uma longa trajetória jurídica muito bem documentada por autoras feministas em mais de trinta anos de estudos e pesquisas, conforme demonstram Grossi, Minella e Losso (2006)
Os primeiros estudos desvelaram a lógica sexista dos julgamentos em torno da tese da ‘legítima defesa da honra’ ou ‘crimes da paixão’ (CORREA, 1981; 1983); o espancamento tratado como incidente doméstico (ARDAILLON e DEBERT, 1987) e mais recentemente a violência doméstica considerada delito de menor potencial ofensivo pela Lei 9.099/95 (Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais) com a aplicação da denominada ‘pena de cesta básica’ (CAMPOS, 2001)
Por fim, o caso Maria da Penha Maia Fernandes expôs dramaticamente essa tolerância levada quase ao seu limite (PANDJIARJIAN, 2007). A luta feminista contra esse (des)tratamento legal às mulheres culmina com a edição da Lei 11.340/2006.
O artigo 1º do Título das Disposições Preliminares informa o objetivo da lei de “criar mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher’, e seu fundamento legal, o § 8º do art. 226 da Constituição Federal, a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a Mulher (Conven- ção CEDAW) e a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (Convenção de Belém do Pará), e outros tratados internacionais. Além disso, dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher
O art. 226 da Constituição Federal estabelece o dever do estado de proteger a família e seu §8º dispõe que “o Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações”. (grifo nosso)
A obrigatoriedade de proteção, pelo Estado, de cada integrante da família é decorrência expressa do estabelecido constitucionalmente. Nesse sentido, a Lei Maria da Penha ao criar mecanismos para coibir a violência contra mulheres no âmbito doméstico e familiar projeta a aplicabilidade da norma constitucional aos direitos fundamentais à vida, à liberdade, à igualdade e à segurança, irradiados a partir do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. A dignidade da pessoa humana implica o respeito e proteção da integridade física, autonomia corporal e psíquica, individualidade, intimidade, privacidade (SARLET, 2003) e garantia do desenvolvimento autônomo da personalidade no âmbito familiar. É evidente que se não houver respeito à vida e integridade física e psíquica das mulheres, se não lhes for assegurada condições mínimas para uma existência respeitada e se sua intimidade for violada, a dignidade estará seriamente comprometida. É por isso que o exercício da violência no espaço doméstico e familiar representa uso arbitrário do poder, violação expressa dos direitos fundamentais e negação da dignidade humana
Nesse sentido, a exposição de motivos da Lei reforça a proteção dos direitos fundamentais, a incorporação dos tratados internacionais de direitos humanos e o propósito de a legislação contribuir para a igualdade nas relações de gênero no âmbito familiar: “14. As disposições preliminares da proposta apresentada reproduzem as regras oriundas das convenções internacionais e visa proporcionar às mulheres de todas as regiões do País a cientificação categórica e plena de seus direitos fundamentais previstos na Constituição Federal, a fim de dotá-la de maior cidadania e conscientização dos reconhecidos recursos para se agir e se posicionar, no âmbito familiar, e na sociedade, o que de certo, irá repercutir, positivamente, no campo social e político, ante o factível equilíbrio das relações pai, mãe e filhos”. 
A Lei 11.340/06 encontra ainda fundamento jurídico na Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (Convenção CEDAW) ratificada pelo Estado brasileiro4
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O conceito de discriminação adotado pela Convenção é abrangente e vem expresso em seu artigo 1º como ‘toda a distinção, exclusão ou restrição baseada no sexo e que tenha por objeto ou resultado prejudicar ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício pela mulher, independentemente do seu estado civil, com base na igualdade do homem e da mulher, dos direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural e civil ou em qualquer outro campo’. 
A conceituação da discriminação prevista no art. 1º da Convenção é ampla no sentido dos resultados que impliquem prejuízo ou anulação do gozo ou exercício de direitos em base de igualdade com os homens, e embora refira expressamente à categoria sexo, deve ser lida em conjunto com a recomendação especí- fica do Comitê CEDAW5 sobre violência. Na sua Recomendação Geral 19 sobre violência6 , o Comitê explicita que a violência baseada no gênero é uma forma de discriminação dirigida às mulheres pelo fato de serem mulheres ou que as afeta desproporcionalmente, impedindo-as de gozar dos direitos em igualdade com os homens. Inclui atos que causam sofrimento ou dano físico, mental e sexual, as ameaças de tais atos, coerção ou outras privações de liberdade. A relação entre discriminação e violência que a Recomendação estabelece confirma o entendimento da violência doméstica como discriminatória nas relações de conjugalidade porque é dirigida às mulheres, pelo simples fato de serem mulheres, isto é, a violência como um ato discriminatório de gênero. Ao fazer essa importante vinculação, a Lei reforça o princípio constitucional da igualdade entre homens e mulheres e da violência específica contra mulheres como uma forma de discriminação, debilitando as críticas sobre sua inconstitucionalidade pela proteção exclusiva às mulheres . 
Por sua vez, o artigo 2º da Convenção dispõe sobre a obrigatoriedade dos Estados-partes de adotarem todas as medidas para eliminar a discriminação contra a mulher, inclusive medidas de caráter legislativo para modificar ou derrogar leis, usos e práticas que constituam discriminação . Além dessa disposição, o artigo 3º da Convenção estabelece o dever dos Estados-partes de tomar medidas, inclusive legislativas, com o objetivo de garantir o exercício e o gozo dos direitos humanos e liberdades fundamentais em igualdade de condições com o homem. 
Ademais, o Comitê CEDAW nas Observações Finais ao Relatório apresentado pelo Estado brasileiro parágrafo 113, recomendou que o Brasil adotasse  todas as medidas para combater a violência contra as mulheres em conformidade com a Recomendação Geral No. 19 do Comitê para prevenir a violência, punir os agressores e fornecer serviços para as vítimas. Além disso, recomendou que o país adotasse, sem demora, uma legislação sobre violência doméstica, monitorasse o seu cumprimento e apresentasse informações e dados gerais sobre a violência contra mulheres em seu próximo relatório11. Depreende-se dos dispositivos em comento que criar uma legislação especificamente destinada a eliminar a violência contra mulheres tornou-se uma obrigação para o Estado brasileiro. 
A Lei 11.340/06 veio para realizar essa obrigatoriedade e suprir a lacuna infraconstitucional. Nesse sentido, a edição da Lei Maria da Penha sintetizou, no campo legislativo e normativo, o cumprimento pelo Estado brasileiro de suas obrigações internacionais decorrentes da Convenção CEDAW. Mas a Lei Maria da Penha também encontra fundamento na Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (Convenção de Belém do Pará). 
Essa Convenção especificamente destinada ao enfrentamento da violência é o mais importante instrumento normativo do sistema interamericano para o enfrentamento das violências contra mulheres. Sua relevância é tal, que a Lei incorporou vários de seus dispositivos em seu texto. Por fim, o artigo 1º da Lei também dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher a cargo dos Tribunais Estaduais de Justiça e sobre o estabelecimento das medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de violência doméstica e familiar. 
A criação de Juizados destinados ao julgamento dos crimes cometidos com violência doméstica é uma importante inovação da Lei, e os Tribunais de Justiça têm o dever de criá-los. As medidas de assistência e prevenção e as medidas protetivas que estão previstas nos artigos 8º, 9º e 18 a 24, respectivamente, são outra novidade da Lei e objeto de comentários específicos neste livro. 
As disposições preliminares, de fato, informam que a Lei cria um estatuto jurídico autônomo, com fundamento legal nos direitos humanos, com mecanismos específicos e apropriados de proteção e assistência, e com uma jurisdição especial para o tratamento dos delitos. Este estatuto jurídico autônomo estabelece regras próprias de interpretação, aplicação e de execução. 
 Por fim, merece ser comentada a utilização da expressão ‘mulheres em situação de violência’, que exprime uma mudança conceitual e não apenas semântica. O direito penal e processual penal nomina como ‘vítimas’ aquelas pessoas que sofrem uma ação delituosa ou se encontram no polo passivo da relação processual. Durante muito tempo, o termo também foi utilizado pelas feministas para se referir às mulheres que sofriam violência doméstica. No entanto, o termo ‘vítima’ foi bastante criticado pelas próprias feministas, uma vez que colocava as mulheres em uma situação de passividade frente ao outro. 
A mudança operada pela Lei, ao substituir a expressão ‘vítima’ por ‘mulheres em situação de violência’, revela o abandono do lugar vitimizante e o caráter transitório dessa condição. Esse novo lugar indica que a mulher está passando ou vivenciando uma situação de violência que não é permanente, embora em muitos casos possa ser bastante longa. Esse novo significado permite o deslocamento para um lugar de sujeito, assim que cessada a violência ou encontrados os meios para esse movimento. Essa mudança expressa o rompimento com termos estigmatizantes atribuídos às mulheres que sofrem violência14 e a transformação do significado. 
A crítica a essa alteração linguística parece não compreender o significado e o alcance dessa mudança. Nessa nova conceituação não há possibilidade de alguma referência à expressão ‘menor em situação irregular’, previsto no regime anterior ao Estatuto da Criança e Adolescente15. A utilização ‘mulheres em situação de violência’ provoca o sentido inverso a uma suposta solidariedade universal entre as mulheres que o termo vítima evocaria. Em resumo, expressa uma mudança teórica importante, de inconformidade com o lugar de ‘vítimas passivas’ da violência ou de um ‘sujeito deficitário em sua capacidade jurídica’. 
O artigo 2º da Lei estabelece o princípio da não discriminação para o gozo dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana. Assim, a garantia do exercício dos direitos fundamentais independe de classe, raça ou etnia, orientação sexual, renda, nível cultural, idade ou religião. Nenhum desses marcadores pode impedir ou dificultar o exercício ou o gozo dos direitos fundamentais, assegurando-se particularmente a integridade física e mental, o aperfeiçoamento intelectual e social e o acesso às oportunidades e facilidades para uma vida sem violência. A exposição de motivos da Lei é mais uma vez reveladora: 
 É contra as relações desiguais que se impõem os direitos humanos das mulheres. O respeito à igualdade está a exigir, portanto, uma lei específica que dê proteção e dignidade às mulheres vítimas de violência doméstica. Não haverá democracia efetiva e igualdade real enquanto o problema da violência doméstica não for devidamente considerado. Os direitos à vida, à saúde e à integridade física das mulheres são violados quando um membro da família tira vantagem de sua força física ou posição de autoridade para infligir maus tratos físicos, sexuais, morais e psicológicos. 
No entanto, sabe-se que preconceitos como o de classe, cor, orientação sexual ou idade aumentam a vulnerabilidade das mulheres. Por exemplo, a dependência econômica muitas vezes impede o rompimento da relação violenta ou a relação violenta aumenta o grau de vulnerabilidade e dependência das mulheres. Segundo o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), a violência doméstica constitui um grande obstáculo para o desenvolvimento econômico. As mulheres que são vítimas de violência doméstica são menos produtivas no trabalho. A sua menor produtividade representa uma perda direta para a produção nacional e tem importantes efeitos multiplicadores: as mulheres menos produtivas geralmente ganham menos e essa diminuição de renda, por sua vez, implica uma diminuição do consumo e, por conseguinte, da demanda global (BUVNIC, 1999). 
Para o BID, os custos econômicos da violência se desagregam em quatro categorias: os efeitos na saúde (gastos com atenção médica como conseqência da violência), perdas materiais (gastos privados e públicos em polícia, sistemas de segurança e serviços judiciais), custos intangíveis (o que as pessoas estariam dispostas a pagar para viver sem violência) e transferências (valor dos bens perdidos em roubos, destruição etc.). No Brasil, esses custos representaram sobre o Produto Interno Bruto (PIB) 1,9% gastos em saúde, 3,6% em perdas materiais, 3,4% em custos intangíveis e 1,6% em transferências. Da mesma forma, Relatório da Organização Mundial de Saúde (2002)16 informa que o chamado ‘espancamento’ (battering) ocorre quando o abuso é repetidamente no mesmo relacionamento e que a maioria das mulheres que são alvo de agressão física geralmente passa por múltiplos atos de agressão no decorrer do tempo, e diferentes tipos de abuso coexistem no mesmo relacionamento. 
Nesse sentido, o art. 2º reforça o objetivo maior pretendido pela Lei, que é a preservação dos direitos fundamentais das mulheres e uma vida livre de violências. Ademais, ao incorporar o conceito de gênero, a Lei não restringiu a prote- ção à mulher enquanto ser biológico. Sexo e gênero são construções sociais e não necessariamente correspondentes. Dessa forma, as “mulheres trans17” são protegidas pela Lei. Essa proteção não se limita à identidade sexual, mas engloba a identidade de gênero, isto é, aquela cujo sexo biológico (masculino) não corresponde à identidade de gênero (feminino). Alguns autores defendem ser necessário prova da mudança de nome e alteração de registro18, o que parece demasiado. Essa exigência limita o acesso à justiça e o exercício do direito de proteção, criando um ‘vazio’ jurídico ao deixar fora do alcance da Lei aquelas que não tenham feito a alteração formal da identidade. 
Não parece razoável haver cidadãs que não possam recorrer à proteção judicial porque o seu registro nominal não confere com sua identidade de gênero. Essa obrigatoriedade criaria uma imposição para alteração de identidade civil, o que não é uma exigência da Lei. Esse aparente conflito parece que se resolve em favor dos direitos das mulheres “trans”, que por sua condição de vulnerabilidade social merecem também a proteção jurídica. Assim, independentemente da troca de sexo ou de nome, há um direito subjetivo à segurança e acesso à justiça. 
Do ponto de vista prático, para o registro da ocorrência policial, deve-se registrar o nome social (como a trans se identifica) e os demais dados constantes na identificação civil. O pleno exercício dos direitos fundamentais não se dá em abstrato e exige condições concretas para sua realização. Daí a obrigatoriedade do poder público de garantir esse exercício, em conformidade com o disposto no art.3º da Lei. 
A primeira condição para o exercício pleno dos direitos fundamentais é uma vida sem violência, objetivo máximo da legislação. Essa condição deve ser assegurada pelo poder público através de políticas públicas. O entendimento da complexidade do fenômeno da violência norteou a proposta de tratamento integral que a Lei estabelece. 
A vulnerabilidade social vivenciada por grande parte das mulheres em situação de violência demanda do poder público medidas concretas para a diminuição do risco de novas violências. Muitas mulheres temem deixar a relação porque não têm para aonde ir, ou porque não existem programas de atendimento psicológico, ou porque não têm renda, e assim por diante. Torna-se imperioso pensar como os diversos programas governamentais podem ser mecanismos de apoio e auxílio às mulheres. Por isso, a integração das esferas governamentais e das políticas públicas é tão necessária para, de fato, beneficiar as mulheres. 
Os diversos programas devem ser entrecruzados, de modo a formar-se uma rede de serviços postos à disposição das mulheres. Os programas devem prever meios de inclusão facilitada ou prioritária em casos de violência grave, risco de morte ou outra situação emergencial. Nesse sentido, programas de renda, de proteção a testemunhas, abrigamento, dentre outros, devem proporcionar às mulheres acesso prioritário. Além disso, seu modo de acesso deve ser do conhecimento dos juizados da violência doméstica e familiar, do Ministério Público, da Defensoria Pública, dos organismos de segurança e de organizações não governamentais que atendem mulheres. Assim, a rede deve estar intra e interconectada, de modo a garantir o fluxo das informações. Programas de natureza educativa também devem ser ofertados às mulheres, não apenas para a educação formal, mas aqueles que possam desenvolver suas capacidades laborais ou fontes de renda autônoma. 
Desenvolver a autonomia econômica das mulheres é condição necessária para o início de uma vida nova. Propiciar as condições materiais para atingir esse fim é tão importante quanto a existência de disponibilidade subjetiva das mulheres. O acesso à justiça oportunizado pelos diversos mecanismos previstos na Lei não pode ser obstaculizado pela omissão dos poderes públicos. Por isso, não só a existência de políticas públicas e de rede de atenção, mas a criação dos juizados de violência doméstica e familiar é condição necessária para o exercício desse direito fundamental. Esses juizados devem ser providos com magistrados/ as capacitados/as e que compreendam a complexidade do fenômeno desse tipo de violência. Em virtude dessa complexidade, a Lei prevê que os Juizados tenham uma equipe multidisciplinar para auxiliar o juízo.  Por fim, o § 2º reforça o comando constitucional da responsabilidade da família, da sociedade e do poder público de efetivar as condições para o exercício desses direitos. Vale dizer, ainda, que a família deve banir a violência e criar formas de socialização que primem pelo respeito aos direitos das mulheres; a sociedade não deve tolerar a violência doméstica e familiar; e os poderes públicos necessitam cumprir, fazer cumprir e efetivar esses direitos através de políticas públicas que articulem a prevenção, a assistência e a contenção dessas violências. 
O art. 4º reforça o caráter integrativo e sistemático que deve permear a interpretação desse novo estatuto legal que estabelece um sistema jurídico autônomo regido por regras próprias de interpretação, de aplicação e de execução. Esse novo estatuto jurídico, cujo objetivo é proteger, dar assistência e punir a violência, deve ser interpretado à luz dos preceitos constitucionais e dos intrumentos internacionais de direitos humanos que promovem a dignidade e os direitos.
  As dúvidas de interpretação que porventura surjam quando de aplicação da Lei devem guiar-se pela orientação ampla desse dispositivo. É de se ressaltar que essa disposição reforça o afastamento do entendimento de alguns magistrados de que a Lei se aplica também aos homens. O objetivo da Lei é cristalino – proteção às mulheres em situação de violência –, sem possibilidade de aplicação aos homens.
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Referências bibliográficas 
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