BARROSO, Luís Roberto; Fundamentos Teóricos e Filosóficos do Novo Direito Constitucional Brasileiro( Pós-modernidade, teoria crítica e pós-positivismo); Rio de janeiro, Outubro de 2005.
1 Pré-compreensão do tema
1.1 A Pós Modernidade e o Direito
Para proceder o estudo do constitucionalismo brasileiro, faz-se necessária uma breve análise das transformações sociais, políticas e econômicas vividas pelo mundo, para então entender o direito, e suas implicações na sociedade pós-moderna.
No plano internacional, vive-se uma crise de soberania. O atual modelo econômico já não mais suporta barreiras, entraves ao desenvolvimento e ao lucro. O que predomina no século XXI é uma interação econômica de dimensão expressiva entre os países, altamente seletiva, e responsável por intensa discrepância social. As qualificações são fundamentais para a garantia de espaço na sociedade. Sociedade esta, que, mergulhada na tecnologia, torna-se cada vez mais complexa e exigente.
1.2 A busca da razão possível
Discute-se neste tópico o conceito de razão, primeiramente estabelecido pelos gregos. “Idealmente, a razão é o caminho da justiça, o domínio da inteligência sobre os instintos, interesses, e paixões.”( BARROSO; 2005, p. 6).
A razão, tida como dogma pelos iluministas, teve em Marx e Freud, alguns questionamentos.
Karl Marx, no início do século XIX, desconstróe a dogmática racional, abraçada pela maioria, afirmando que a mesma reflete valores determinados pela sociedade. “A razão não é fruto de um exercício da liberdade de ser, pensar e criar, mas prisioneira da ideologia, um conjunto de valores introjetados e imperceptíveis que condicionam o pensamento, independentemente da vontade.”(BARROSO; 2005, p. 6-7)
Freud, no século XX, desenvolve sua crítica ao racionalismo, sendo que a base desta diz respeito à impossibilidade do homem de controlar suas vontades, seus desejos, seus instintos. Tudo aquilo que realmente é encontra-se em seu inconsciente.
Embora receba críticas, como exposto acima, a razão é a energia da sociedade, responsável pela sua movimentação e compreensão.
Estuda-se também conceitos de neutralidade e objetividade. O primeiro torna-se ficção, já que não se concebe o fato de uma pessoa isentar-se da história, de suas apetites, paixões e subjetividades, ao lhe dar com a análise de qualquer caso. A objetividade remete-se às possibilidades que o Direito confere a seus operadores, para que por meio da interpretação, possam obter respostas.
“Daí a constatação inafastável de que a aplicação do direito não é apenas um ato de conhecimento – revelação do sentido de uma norma pré-existente -, mas também um ato de vontade – escolha de uma possibilidade dentre as diversas que se apresentam. O direito constitucional define a moludra dentro da qual o intérprete exercerá sua criatividade e seu senso de justiça, sem conceder-lhe, contudo, um mandato para voluntarismos de matizes variados.”( BARROSO; 2005, p. 9).
2 Algumas bases teóricas
2.1 A dogmática jurídica tradicional e a sua superação
O Direito, na sociedade romano-germânica, estabeleceu-se com foco nas relações privadas, assumindo o Direito Civil relevância no sistema. Com o surgimento dos Estados absolutistas, feita a transição do feudalismo à modernidade, o direito divino dos reis é o que prevalece. Posteriormente, o jusnaturalismo vem a tona, sendo um dos fundamentos das Revoluções Francesa e americana. O século XIX revela uma nova tendência jurídica, envolta pela neutralidade positivista.
2.2 A teoria crítica do direito
A teoria crítica do Direito busca questionar aspectos do sistema jurídico tradicional como a cientificidade, a objetividade, a neutralidade, a estatalidade, e a completude. Seu fundamento principal não se limita na simples compreensão do mundo, mas principalmente na sua transformação. “O estudo do sistema normativo (dogmática jurídica) não pode insular-se da realidade (sociologia do direito) e das bases de legitimidade que devem inspirá-lo e possibilitar a sua própria crítica” (BARROSO; 2005, p. 6). O alvo principal da teoria crítica do direito é a concepção do Direito como instrumento de dominação de classe.
Embora suas manifestações não revelassem suficiente sucesso, é inegável influências que tal corrente inseriu na sociedade, principalmente no sentido de torná-la menos dogmática, mais aberta a novos conhecimentos.
3 Algumas bases filosóficas
3.1 A ascensão e decadência do jusnaturalismo
O jusnaturalismo é uma corrente jurídico-filosófica que tem como base questionar a limitação das normas, e a defesa de um direito não positivado, que se legitima por uma ética superior, e encontra validade em si mesmo; trata-se do direito natural. Este assume relevância na transição da Idade Média para a modernidade, no sentido de desconstruir o sistema teocêntrico dogmático predominante até então.
A proteção da liberdade, tema de destaque pelos iluministas, também tocava no jusnaturalismo, sendo que os anseios por limitações no poder dos reis (constitucionalismo) advieram também de tal ideologia.
Após as Revoluções Francesa e Americana, surge um novo paradigma jurídico, no qual as codificações, responsáveis pelas tendências de subsumir fatos a normas postas, iniciam um processo de camuflagem do direito natural, incorrendo em sua gradativa perca de espaço. O século XIX marca a onipotência do positivismo.
3.2 A ascensão e decadência do positivismo jurídico
Para se compreender o positivismo jurídico, deve ser feita uma precisa análise do positivismo filosófico, visto que se trata de uma derivação teórica.
Destacam-se como teses do positivismo filosófico: o culto à ciência como única fonte de verdade; a objetividade do conhecimento científico; a extensão do método científico empregado nas ciências naturais a todos os ramos do conhecimento.
O positivismo jurídico, cujo representante principal é Hans Kelsen, é a vinculação do positivismo filosófico no Direito, ou seja, busca-se objetividade científica, observação da realidade social, a não preocupação com a moral e com valores transcendentes.
Em tal corrente destaca-se: a aproximação do Direito com a norma; a primazia do Estado; a completude do ordenamento jurídico; e o formalismo.
O autor defende que a crise do positivismo se deu principalmente após a II Guerra Mundial, diante dos terríveis sistemas políticos que se fixaram, “legitimados por tal corrente teórica”.
3.3 Pós-positivismo e a normatividade dos princípios
O âmbito jurídico sofreu, portanto, profundas transformações no decorrer da história. Do direito restrito à esfera privada, passou pelo jusnaturalismo, pelo positivismo, encerrando o período da modernidade. Nota-se, no entanto, que o século das luzes acabou por ofuscar o direito, isolando-o de vínculos essenciais ao seu desenvolvimento. Trata-se da ética, da moral, enfim, aspectos que devem ser levados em conta pelos ordenamentos jurídicos.
O pós-positivismo consiste, pois, na união do direito com tais valores, constituindo os princípios.
“Os princípios, vindos dos textos religiosos, filosóficos ou jusnaturalistas, de longa data permeiam a realidade e o imaginário do Direito, de forma direta ou indireta. Na tradição judaico-cristã, colhe-se o mandamento de respeito ao próximo, princípio magno que atravessa os séculos e inspira um conjunto amplo de normas. Da filosofia grega origina-se o princípio da não contradição, formulado por Aristóteles, que se tornou uma das leis fundamentais do pensamento: ‘Nada pode ser e não ser simultaneamente’, preceito subjacente à idéia de que o Direito não tolera antinomias. No direito romano pretendeu-se enunciar a síntese dos princípios básicos do Direito: ‘Viver honestamente, não lesar a outrem e dar a cada um o que é seu.” (BARROSO; 2005, p. 29).
A dogmática atual contempla as regras e os princípios.
As primeiras revelam conteúdo mais objetivo, restrito. As regras incidem sobre os fatos de modo direto e automático, ex: cláusula constitucional que determina a aposentadoria compulsória por idade; norma constitucional que prevê a criação de uma autarquia dependente de lei específica. A aplicação das regras se dá mediante subsunção.
Os princípios revelam maior carga valorativa. Embasados por fundamentos éticos, representam caminhos a serem seguidos pelos juristas. Em caso de colisão de princípios, a ponderação é o método utilizado para saná-lo. Esta não consiste na eliminação de princípios diante de um fato, mas sim na análise de ambos frente ao caso em destaque, para que, por meio de uma interpretação rigorosa do mesmo, se estabeleça qual deles deve prevalecer.
Destaca-se o princípio da razoabilidade e o da dignidade da pessoa humana como princípios que despontaram no Brasil nos últimos anos.
O princípio da razoabilidade envolve a limitação da discricionaridade legislativa e administrativa, permitindo ao Judiciário invalidar atos legislativos ou administrativos.
O princípio da dignidade da pessoa humana envolve a segurança à integridade humana, o que envolve a liberdade e as condições materiais de subsistência.
4 Conclusão
4.1 A ascensão científica e política do direito constitucional no Brasil
A constituição passou a ser tida cada vez mais como centro dos estudos jurídicos no Brasil. Seu caráter vinculativo e obrigatório assume relevância, diante de um até então modelo jurídico embasado em aspirações políticas.
A posição que a Constituição assume na ordem jurídica brasileira encontra-se diferenciada. Nota-se uma perca de preeminência do Código Civil, e o direcionamento cada vez maior da nossa Carta Magna para o centro do sistema. “A Constituição passa a ser, assim, não apenas um sistema em si – com sua ordem, unidade e harmonia – mas também um modo de olhar e interpretar todos os demais ramos do Direito.”. ( BARROSO; 2005, p. 44).
O princípio da ascensão científica e política do direito constitucional brasileiro se da paralelamente a reconstitucionalizaçao do país, em 1988. Embora não tenha ocorrido nos moldes desejados, não se pode desprezar o papel fundamental que a Carta assumiu.
Destaca-se no presente estudo: o constitucionalismo como projeto político vitorioso ao final do milênio; a desconstrução pela teoria crítica da dogmática jurídica neutra e objetiva; o pós-positivismo como unificador de valores, materializados em princípios; o novo direito constitucional brasileiro, e a nova dimensão pelo mesmo assumida.
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