segunda-feira, 18 de setembro de 2017

Redes elétricas: recuperação do investimento. Novo enfoque nessa discussão

A obrigação da construção das redes de distribuição de energia é das concessionárias e quando, realizada por terceiros devem as mesmas, prontamente, ressarcir os terceiros.
O sistema de distribuição de energia elétrica no Brasil é de responsabilidade da União e realizado através de concessões públicas nos termos do artigo 21, inciso XII, letra “b” da Constituição Federal, ou seja, migrou da atividade de prestação de serviço estatal pura para concessão de serviço público e, regulamentada por lei, hoje está vinculado a agencia de energia - ANEEL.
A companhia distribuidora é uma empresa particular ou de economia mista e é concessionária de serviço público e, o contrato da mesma com a ANEEL, decorrente de licitação pública regrada pelo Decreto Federal n° 98.335/1989.
Como todo serviço essencial, existe uma política de expansão da rede de distribuição tanto para alcançar a toda população, como também todas atividades econômicas e, essa expansão é financiada por uma parcela do preço da energia consumida, conforme consta do sítio da ANEEL (http://www.aneel.gov.br/area.cfm?idArea=94), onde consta a informação de como o preço da tarifa é processado: “A ANEEL utiliza este mesmo programa e informações para estabelecer a tarifa de transmissão a ser usada para o cálculo dos encargos de cada usuário. Como o sistema está em permanente expansão, com o acréscimo de novas usinas e linhas de transmissão, este valor é recalculado todos os anos.”
O contrato firmado pelas concessionárias de serviço com a ANEEL, importa em que, ao se definir o preço do serviço a ser cobrado no período anula, ou seja, o preço da tarifa de energia elétrica, inclui-se no "mix" de referido preço, uma parcela destinada à expansão da rede, ou seja, o preço para a expansão da rede elétrica já se encontra previamente pago na “conta de luz”, posto que, ao ser estabelecido o reajuste anual, a concessionária informa o quanto de rede prevê expandir.
Recentemente a ELETROPAULO, conforme noticia veiculada no jornal “O Estado de São Paulo” de 02/07/2014, Caderno e fls. B12, foi autuada por não ter cumprido a meta de expansão da rede de distribuição de energia, sendo-lhe imposta a obrigação de devolver aos consumidores os valores cobrados para tanto.
Aqui estamos lançando mão de um novo enfoque para afastar essa equivocada linha de defesa, ratificando a necessidade das concessionárias de indenizar os loteadores, já que, a disposição legal em comento, ou seja, a remessa ao artigo 2º, §5º da Lei nº 6.766/79, não autoriza essa interpretação. Essa disposição legal refere-se, unicamente, a “iluminação pública” e não a rede elétrica, conforme se depreende do seu parágrafo quinto: “§ 5º A infraestrutura básica dos parcelamentos é constituída pelos equipamentos urbanos de escoamento das águas pluviais, iluminação pública, esgotamento sanitário, abastecimento de água potável, energia elétrica pública e domiciliar e vias de circulação.”
Não é por menos que o artigo 136 do Decreto Federal n° 98.335/1989 determina que concessionária deve oferecer o serviço público de eletricidade no ponto de entrega, ou seja, no ponto de consumo, na forma regulada pelo DNAEE (que foi substituído pela agencia reguladora ANEEL). Essa disposição, somada as normas legais, resoluções, portarias autoriza concluir no sentido de que a rede de distribuição de energia elétrica deve ser edificada pela concessionária pública, sem ônus para o consumidor, além do financiamento já incluso na conta de energia.
Tais condições decorrem de normatização legal. Neste sentido, tanto as necessidades dos particulares (loteadores ou pessoa física), bem como da administração pública, devem ser atendidas pela concessionárias sem ônus, ou, se o valor da expansão for antecipado pelo particular ou pela administração pública, ante a construção da rede, o mesmo deve ser ressarcido.
O Parecer 007/1999-PGE/ANEEL, realizado no Processo n.°48500.004479/98-07, impunha esse ressarcimento e vigorou até a Resolução ANEEL nº 082/2004, que, afrontando a legislação e os contratos, isentou as concessionárias de ressarcirem as extensões de redes elétricas realizadas por particulares e pela administração pública.
No caso das prefeituras, quando as mesmas precisam implementar um serviço público em local onde não existe rede elétrica, ou ainda, quando realizam a rede para a iluminação pontos escuros, a mesma é obrigada a fazer um projeto de expansão e, a aprova-lo junto a concessionária. A partir daí, a própria concessionária executa o projeto (cobrando da prefeitura) ou, a prefeitura contrata os serviços de terceiros.
A partir dessa execução de expansão, suportada pelo município, por imposição da concessionária, o poder público doa essa rede para a concessionária, ou seja, doa bem público para particular sem nenhuma normatização que autorize (trata-se de um ato ilícito, ou seja, trata-se improbidade).
Assim, ocorre a doação de um bem novo, recém construído, e que, para sua utilização, a prefeitura terá que pagar pela energia elétrica (Não há nenhuma contrapartida que justifique a doação).
Mais, se o município precisar instalar algum serviço nos postes dessa rede, por exemplo, uma câmera de segurança, terá que pagar pelo uso.
Não bastasse tal situação, a concessionária utilizará dessa rede para ligar outros consumidores à rede, obtendo lucros com o que fora um bem público.
Na hipótese de encerramento do contrato da concessionária com a ANEEL, com a reversão do patrimônio (rede de distribuição de energia) para a União, essa ainda terá que indenizar a concessionária pelo patrimônio revertido e que não alcançou a depreciação total em sua contabilidade, ou seja, a rede é paga antecipadamente (pela conta de energia) para expansão dos serviços; a concessionária recebe a rede de graça do município ou do particular e, ainda, pode ao final ser ressarcida pelos valores dessa rede.
Essa situação começou com a Resolução ANEEL 82/2004 (revogada), e ainda assim, mesmo sendo o ressarcimento decorrente de lei e disciplinado pela Resolução ANEEL Nº 414/2010, na prática isso não ocorre. Inclusive essa resolução impõe multa e juros enquanto o ressarcimento não ocorrer.
Em face dessas incertezas instaladas pelas constantes mudanças nas resoluções da ANEEL, e a recusa das concessionárias públicas em ressarcir tais investimentos, notadamente dos loteadores, tais questões foram levadas às barras dos tribunais e, até momento recente os resultados, que antes favoreciam às concessionárias, passaram a beneficiar os loteadores, já havendo um equilíbrio. Assim, no estado de São Paulo, de dez câmaras cíveis de direito privado, ao menos 05 já decidem a favor dos empreendedores.
Dessas decisões favoráveis aos empreendedores pode-se destacar: Apelação 0037236-23.2009.8.26.0114 – 3ª Câmara de Direito Privado TJSP; Apelação 0025172-15.2008.8.26.0114 – 07ª Câmara de Direito Privado – TJSP; Ação Rescisória 0020718-38.2011.8.26.0000 – 10º Grupo de Direito Privado TJSP; Apelação 7.205.901-3 – 14ª Câmara de Direito Privado – TJSP; Apelações 7.087.905-9 e 0009614-11.2010.8.26.0024 – 19ª Câmara de Direito Privado TJSP; Apelação 0067615-95.2009.8.26.0000 – 25ª Câmara de Direito Privado – TJSP; entre outros e que, basicamente são fundamentadas na impossibilidade das concessionárias se enriquecerem ilicitamente.
Em sentido contrário, os fundamentos que vinham sendo aplicados era a vedação de ressarcimento dos valores disposta na Resolução nº 082/2004 e mais, que a rede elétrica, enquanto obra de infraestrutura, segundo a Lei nº 6.766/79 é de responsabilidade do loteador.
A Resolução nº 082/2004 já foi revogada e, a disposição realizada que impunha a incorporação graciosa da rede construída por terceiro ao patrimônio das concessionárias já está superada e, pela Resolução ANEEL Nº 414/2010 as concessionárias estão obrigadas a realizarem o ressarcimento dessas redes para poderem incorporá-las ao seus patrimônios, o que afasta a possibilidade de oposição dessa resolução em defesas processuais.
Não obstante o afastamento daquela suposta excludente de responsabilidade das concessionárias, as mesmas negam-se a agir na forma da lei e ainda se respaldam no artigo 2º, §5º da Lei nº 6.766/79 para se oporem judicialmente à pretensão de ressarcimento.
Aqui estamos lançando mão de um novo enfoque para afastar essa equivocada linha de defesa, ratificando a necessidade das concessionárias de indenizar os loteadores, já que, a disposição legal em comento, ou seja, a remessa ao artigo 2º, §5º da Lei nº 6.766/79, não autoriza essa interpretação. Essa disposição legal refere-se, unicamente, a “iluminação pública” e não a rede elétrica, conforme se depreende do seu parágrafo quinto: “§ 5º A infraestrutura básica dos parcelamentos é constituída pelos equipamentos urbanos de escoamento das águas pluviais, iluminação pública, esgotamento sanitário, abastecimento de água potável, energia elétrica pública e domiciliar e vias de circulação.”
Como se verifica ao tratar das infraestrutura básica, lei dos loteamentos não faz constar a rede de distribuição elétrica como obra de base e que responsabiliza o loteador. A infraestrutura que elege deve estar presente, porém, não importa dizer que seja do mesmo a obrigação de custeá-la. Por exemplo, a iluminação pública é de responsabilidade do município por disposição constitucional e, nos municípios onde a TIP é cobrada, sua destinação inclui a instalação da rede de iluminação, “sic ut legibus”:
“Art. 149-A Os Municípios e o Distrito Federal poderão instituir contribuição, na forma das respectivas leis, para o custeio do serviço de iluminação pública, observado o disposto no art. 150, I e III.
Parágrafo único. É facultada a cobrança da contribuição a que se refere o caput, na fatura de consumo de energia elétrica.”
Ora, como demonstrado, a norma legal de loteamentos não se refere a rede de distribuição elétrica e, não o fez porque a obrigação é da União, via concessionárias e, sua edificação deve preceder a instalação da rede de iluminação, nos termos do artigo 21, inciso XII, letra b, da Constituição Federal que responsabiliza e monopoliza a atividade como da União, sendo que, pode explorar esse serviço diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, “ b - os serviços e instalações de energia elétrica e o aproveitamento energético dos cursos de água, em articulação com os Estados onde se situam os potenciais hidroenergéticos;”.
A recente transferência da manutenção das “redes de iluminação” para os municípios teve o condão de demonstrar que “rede de iluminação” é situação diversa de “rede de distribuição de energia” e como visto, tais serviços são de competências e responsabilidades diversas. A primeira responsabiliza os municípios que pode exigir determinado tipo de braços, de lâmpadas, etc. A segunda é de responsabilidade da União que, pode padronizar a rede para todo o país, estabelecendo a política afim.
Desta forma não podem, os Tribunais de Justiças determinarem que os loteadores são obrigados a instalarem e suportarem os custos da rede de distribuição de energia com base no artigo 2º, §5º da Lei nº 6.766/79, posto que a referida norma não contem essa disposição.
É certo ainda que, ao assim ditar estão contrariando as disposições constitucionais, o Decreto Federal n° 98.335/1989, os contratos entre a ANEEL e concessionária pública, e o fazem sem competência para tanto, pois disciplinam, de forma transversa, sobre contratos e interesses da União e promovem a desobediência por parte das concessionárias, proporcionando-lhes enriquecimento sem causa.
Em conclusão, a obrigação da construção das redes de distribuição de energia é das concessionárias e quando, realizada por terceiros devem as mesmas, prontamente, ressarcir os terceiros sob pena de, nos termos dos artigos 36 e 37 da REN ANEEL 414/2010, além do ressarcimento dos valores investidos compostos com atualização monetária, incidir multa de 5% e juros de mora de 1% ao mês calculados “pro rata die”.
S.M.J., essa é a única interpretação possível sobre a matéria.


Autor

  • Marco Antonio Pizzolato

    Marco Antonio Pizzolato

    advogado em Santa Bárbara d’Oeste (SP), sócio titular da M. A. Pizzolato S/C Advogados Associados, especialista em Direito Processual Civil

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