sábado, 18 de agosto de 2018

A interpretação das lacunas no direito penal e processual penal


Matheus Barbosa Melo

Advogado criminal. Mestrando em direito penal pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Pós-graduado em direito empresarial pela Fundação Getúlio Vargas de São Paulo. Pós-graduado em direito penal e processo penal pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Pós-graduado em direito penal econômico pela faculdade de Coimbra em parceria com o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais
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INTRODUÇÃO

Embora o direito não seja um sistema jurídico, mas sim uma realidade, é importante compreender a realidade do direito de modo sistemático, já que a apresentação de modo sistema facilita o conhecimento e manejo pela criação do métodos que se aplicam. [1]
Assim sendo, convém ao jurista enxergar o direito sob uma perspectiva dinâmica. Isto porque, sendo a realidade social e o direito duas faces de uma mesma moeda, este último deve sempre acompanhar as relações humanas, “modificando-se e adaptando-se às novas exigências e necessidades da vida”[2].
Hodiernamente, o direito – visto como objeto científico de análise – é mutável de acordo com as transformações sociais correntes, por corolário, não é, necessariamente, o mesmo de ontem, nem tampouco será o direito de amanhã. Desta forma, o direito se “modifica e se adapta às novas exigências e necessidades da vida”[3], mesmo porque a realidade traz consigo novos fatos e novos conflitos, que provocam, nos legisladores, o ímpeto da criação legislativa, e, nos juízes, o surgimento de novos precedentes, com base nas alterações de pensamento sobre o ordenamento jurídico, sendo aproveitadas as margens interpretativas da lei.
Não obstante Hans Kelsen tenha proposto que o direito fosse estudado pela ciência do direito apenas sob o aspecto normativo, é indubitável que este famoso jurista não negava que nele coexistem os aspectos valorativos e fáticos, tal como propõe Miguel Reale em sua teoria tridimensional (fato, valor e norma)[4].
Estando o direito sujeito a constantes mudanças, sejam legislativas ou sociais, é imperioso admitir que os elementos do sistema jurídico devem ser coerentes entre si e, portanto, interdependentes, podendo sofrer com alguma incongruência ou dificuldade na medida em que, poder-se-á revelar a presença de antinomias ou lacunas jurídicas, sendo estas representadas por um estado de incompletude do sistema, enquanto àquela um conflito entre normas do próprio sistema.
Dentro desse panorama, o presente trabalho busca analisar o comportamento da lei penal em face aos métodos integrativos dispostos na lei de introdução às normas do Direito Brasileiro, em face às lacunas e seus métodos integrativos.

AS LACUNAS

De início, é importante saber o que é e se, de fato, existem lacunas no Direito. A essa questão, relaciona-se a própria noção concepção de direito, vez que a questão fundamental está em aferir se o ordenamento é uma ordem ilimitada ou não[5]. Assim, a divisão da ciência do direito acerca da existência ou não de lacunas está diretamente relacionada ao “problema lógico da completude ou da incompletude do sistema”[6]. Daí, então, podemos ver o referido problema através de dois lados diversos. Se, de um lado, considerarmos que o sistema jurídico é aberto e dinâmico, surgem necessariamente lacunas intrínsecas a qualquer ordenamento, ou, se, do outro, considerando um sistema jurídico fechado e estático, não seria admitido a existência de lacunas no direito, mas somente lacunas na aplicação do direito pelo juiz. Noutros termos, nas palavras de Maria Helena Diniz:
 “se se admitir a existência de lacunas, surgem os problemas de sua constatação e deu seu preenchimento, bem como o da legitimidade de seu uso, pois não se pode olvidar que os diferentes ordenamentos jurídicos os apresentam com facetas mais ou menos complexas, já que há os que, expressamente, determinam quais os instrumentos de constatação e de preenchimento das lacunas, como é o caso do brasileiro, e também os que são omissos a respeito, gerando uma lacuna de segundo grau pela falta de norma sobre essas questões, como, p. ex., ocorre com o direito alemão” [7].
Continua, ainda, a predita jurista, trazendo uma importante definição sobre as duas principais correntes doutrinárias:
“a que afirma, pura e simplesmente, a inexistência de lacunas, sustentando que o sistema jurídico forma um todo orgânico sempre bastante para disciplina todos os comportamentos humanos; e a que sustenta a existência de lacunas no sistema, que, por mais perfeito que seja, não pode prever todas as situações de fato que, constantemente, se transformam, acompanhando o ritmo instável da vida” [8].
A real verdade desse tema, no Brasil, é que, ao se analisar o próprio ordenamento jurídico brasileiro, já se admite a existência de lacunas, por meio do Decreto Lei no 4.657/42, com redação dada pela Lei no 12.376/10, que instituiu a Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro (“LINDB”), estabelecendo expressamente em seu artigo 4o, que “quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”.
Diante dessa constatação, é importante notar os principais aspectos de cada um dos meios colocados à disposição do aplicador do direito para efetuar o preenchimento de lacunas.
Primeiramente, a analogia, é a primeira opção dada ao aplicador que se encontra diante de uma lacuna. De acordo com a Maria Helena Diniz, a analogia “consiste em aplicar, a um caso não contemplado de modo direto ou especifico por uma norma jurídica, uma norma prevista para uma hipótese distinta, mas semelhante ao caso não contemplado”[9]. Assim sendo, a analogia é um procedimento lógico que abrange “a constatação (empírica), por comparação, de que há uma semelhança entre fatos-tipos diferentes e um juízo de valor que mostra a relevância das semelhanças sobre as diferenças”[10]. Para fins da analogia, o que é importante verificar, portanto, é se a coincidência entre o fato-tipo e o fato não previsto é suficiente, em termos valorativos, para justificar um tratamento jurídico idêntico.
Quanto aos costumes, nos termos do artigo 4o da LINDB, trata-se de uma opção secundária ao aplicador do direito, o qual somente poderá deles se socorrer quando se esgotarem todas as potencialidades legais para o preenchimento da lacuna. Em linhas gerais, costume é a prática reiterada e constante de um determinado ato com a convicção de sua necessidade jurídica. Vale dizer, como nos ensina Maria Helena Diniz, o costume decorre “da prática dos interessados, dos tribunais e dos jurisconsultos, seja secundum legem, praeter legem ou contra legem”[11].
A seu turno, os princípios gerais de direito são uma terceira fonte de socorro ao aplicador do direito, isto é, como assevera Diniz:
“quando a analogia e o costume falham no preenchimento da lacuna, o magistrado supre a deficiência da ordem jurídica, adotando princípios gerais de direito, que, às vezes, são cânones que não foram ditados, explicitamente, pelo elaborador da norma, mas que estão contidos de forma imanente no ordenamento jurídico”[12].
Por fim, a equidade, que só pode ser utilizada quando todos os outros meios integrativos mencionarem não forem suficientes para resolver o problema de aplicação proposto, daí, então, ao aplicador do direito, “é-lhe permitido, ainda, socorrer-se da equidade”[13]. Vale dizer, esgotados os recursos previstos no artigo 4o da LINDB, a equidade é o último apelo ao sentimento de justiça na concepção do aplicador, em face da regra do non liquet. Assim, quando a equidade é utilizada para resolver o conflito entre normas, ou mesmo para se suprir lacuna no caso concreto, ela serve como norte à descoberta do sentido da norma que, em última análise, será destinada a garantir liberdade humana, na busca pela justiça. Desse modo, cumpre esclarecer que Maria Helena Diniz encontra na legislação nacional, um vetor que conduz a uma interpretação para a resolução de conflitos de normas, que ela denomina “a lógica do razoável” e que está no artigo 5º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro:
 A lógica do razoável ajusta-se a solução das antinomias, ante o disposto no art. 5 da nossa Lei de Introdução as Normas do Direito Brasileiro, que prescreve que, na aplicação da lei, deverá atender-se ao fins sociais a que se dirige e às exigências do bem comum. O órgão judicante deverá verificar os resultados práticos que a aplicação da norma produziria em determinado caso concreto, pois, somente se esses resultados concordarem com os fins e valores que inspiram a norma, em que se funda, é que ela deverá ser aplicada. Assim, se produzir efeitos contraditórios às valorações e fins conforme os quais se modela a ordem jurídica, a norma, então, não deverá ser aplicada àquele caso. De modo que entre duas normas plenamente justificáveis deve-se opinar pela que permitir a aplicação do direito com sabedoria, justiça, prudência, eficiência e coerência com seus princípios. Na aplicação do direito deve haver flexibilidade do entendimento razoável do preceito e não a uniformidade lógica doo raciocínio matemático. O artigo 5 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, por fornecer critérios hermenêuticos assinalando o modo de aplicação e entendimento das normas, estendendo-se a toda ordenação jurídica, permite corrigir o conflito que se apresenta nas normas, adaptando a que for mais razoável à solução do caso concreto, constituindo uma válvula de segurança que possibilita avaliar a antinomia e a revolta dos fatos contra as normas”[14]
 Ou seja, segundo Maria Helena Diniz, deve-se verificar qual a consequência caso haja a aplicação de uma das normas, preferindo sempre, conforme acima mencionado, a aplicação do direito com “a coerência com seus princípios”.

AS LACUNAS NOS SISTEMAS PENAIS

Na concepção do ordenamento como um sistema dinâmico e aberto, surge a questão sobre saber se tal ordenamento está apto a prever todo comportamento possível e solucioná-lo.
Em matéria penal, Tércio Ferraz Sampaio Júnior, traz um clássico exemplo acerca dessa dinâmica no ordenamento, quando aborda a questão do furto de energia, nos seguintes termos:
O furto de energia elétrica que, quando passou a representar um problema para a ordem jurídica, não era configurado por nenhum tipo penal (que falava em furtar coisa móvel, não se enquadrando energia elétrica como tal, devendo, então, por força do princípio nullun crimin nulla poena sine lege, ser admitido como comportamento penalmente admissível).[15]
Nesse ponto, constatou-se a problemática como uma completude/incompletude do sistema jurídico normativo, o qual pôde ser, também, conhecido como um problema de lacunas no ordenamento, necessitando, pois, de uma análise resolutiva ao caso concreto.[16]
Como visto anteriormente, para analisar os casos de lacunas, o aplicador do direito deve estar atento ao artigo 4º. Assim, de maneira geral, pode acontecer que o magistrado, ao analisar determinado caso concreto, não encontre nenhuma norma jurídica apta a solucionar o problema suscitado e, mesmo assim, não poderá deixar de se pronunciar ante ao brocardo latino positivado do non liquet[17] (art. 140, CPC), como também não poderá utilizar de julgamento apenas com base na equidade, já que se trata de uma medida de exceção (art. 139, §Único, CPC). Ou seja, “se o juiz não pode invocar o a fórmula do non liquet, pode, entretanto, socorrer-se de processos de integração da norma jurídica, suprindo, então, as lacunas da lei[18].
Para o Direito Penal o problema se torna muito mais simples do que em face ao direito privado, pois, em homenagem ao princípio da legalidade[19] e seus derivados, ninguém pode ser acusado – e muito menos condenado – se não houver nenhum tipo penal taxativo que abarque a conduta reprovada, isto é, se não houver uma solução estritamente legal.
Não obstante as orientações traçadas pelo sistema penal, deve-se, sobretudo, diferenciar a análise com base no classificação jurídica da norma, isto é, se seria de direito material ou processual, já que o direito processual permite a possibilidade da utilização de instrumentos de integração, flexibilizando a legalidade, conforme previsto no art. 3º, do Código de Processo Penal, que assim assevera: “A lei processual penal admitirá interpretação extensiva e aplicação analógica, bem como suplemento dos princípios gerais do direito”. Noutros termos, segundo José Frederico Marques, se houverem lacunas processuais, deve-se recorrer a analogia e aos princípios gerais do direito, nos termos do artigo 3º do Código de Processo Penal.[20]
Especificamente, vamos analisar o efeito daqueles meios integrativos vistos no tópico anterior em âmbito penal.
No que tange a analogia, enquanto o direito processual penal a permite de forma desmedida, a situação do direito penal material, embora contenha uma vedação em face do princípio da legalidade, possui a exceção quanto à analogia in bonam partem[21], de modo que a analogia pode ser utilizada no direito penal, desde que beneficie o réu. Exemplo: Primeiro, considere, de um lado, o art. 128, II, CP,[22] hipótese de aborto humanitário ou sentimental (hipótese em que a gravidez é resultante de estupro), entende-se que fica permitido por lei que a gestante faça o aborto, desde que esteja presente seu consentimento, com a devida comunicação às autoridades policiais e a realização do procedimento seja feita por médico. Segundo, de outro, imagine-se que, numa cidade distante, onde não tem médico, uma parteira faça um aborto resultante de estupro. Nesta hipótese, poder-se-ia fazer uma analogia para beneficiar a ré que, ou seja, o magistrado pode isentar a parteira de responsabilidade, assim como ocorreria no caso do médico. Por outro lado, a analogia in malam partem – analogia que amplia o poder punitivo – antes mesmo do atual Código Penal[23], já era vedada, mesmo porque só o legislador (não o juiz), pode ampliar o catálogo de crimes inseridos nas leis penais. Afinal, a essência do direito penal é baseada na segurança dos tipos, da legalidade. Quando qualquer conduta, embora semelhante às já positivadas, não se enquadra aos tipos penais existentes, ela escapa ao alcance da justiça repressiva. Nessa linha, calha ressaltar que:
Escritores de prestígio excluem a exegese extensiva das leis penais, por serem estas excepcionais, isto é, derrogatórias do Direito comum; a outros se não afigura logicamente possível enquadrar em tal categoria um ramo inteiro da ciência jurídica. Para estes a razão da originalidade é outra; as disposições repressivas interpretam-se estritamente porque, além de serem preceitos de ordem pública, mandam fazer ou proíbem que se faça. Em geral as normas concernentes a determinadas função do interesse público ordenam ou vedam, a estas injunções ou proibições, destinadas a assegurar o equilíbrio social, aplicam-se no sentido exato; não se dilatam, nem restringem os seus termos. Permitttitur quod non prohibetur: “O que não está proibido, é permitido.” Admite-se a extensão quando as leis não são imperativas, nem proibitivas, mas indicativas, reguladoras, organizadoras; porque, nesse caso, não se interessam os fundamentos da ordem de coisas estabelecidas.[24] 
Sobre os costumes, podemos apenas abordar que ele funciona como influencia ao legislativo, isto é, tem pouca relevância na integração de normais penais, trata-se somente de uma força que motiva a criação de novas regras positivas, ou aperfeiçoamento da obra legislativa vigente, ou mesmo, de uma forma de se julgar conceitos mutáveis como honra, medicina religião entre outros.
Em relação aos princípios, podemos citar que o Direito Penal possui como máxima decaída o princípio geral de garantia da persecução penal que é o do in dubio pro reo, o qual pugna que, na dúvida, é salutar beneficiar o réu, trazendo a ilação mais simbólica deste ramo do direito que é, na dúvida, proteja-se o indivíduo do grande “Leviatã” Estatal.
Como um dos princípios tido como gerais do direito é o in dubio pro reo, jamais será necessário se recorrer à equidade em matéria penal, ou seja, não pode auxiliar na exegese de textos que cominam penas de qualquer natureza[25]

CONCLUSÃO

As leis de introdução às normas brasileiras flexibilizam ao aplicador do direito a utilização de meios integrativos, de modo que, com ela, se instituiu um sistema jurídico aberto no Brasil, cuja integração das normas pode ser feita por meio da analogia, dos costumes, dos princípios gerais do direito e da equidade.
Não obstante essa série de ferramentas fornecidas ao aplicador do direito, em matéria de direito criminal, existe um óbice muito grande à utilização desmedida desses meio de integração. Isso porque, como se viu, o direito penal se fundamenta, por excelência, no princípio da legalidade para reger a incriminação de alguém, de modo que, qualquer interpretação diversa que sirva para prejudicar a legalidade estrita deve ser extirpada do ordenamento.
Portanto, para o direito penal – o direito material propriamente dito – entendemos a importância dos casos de analogia in bonam partem, que devem ser preservados, dado a interpretação que favorece ao investigado ou acusado, isto é, apenas se admite analogia in bonam partem; jamais utilizar a analogia in malam partem, nem mesmo os costumes ou princípios gerais do direito. Quanto ao direito processual, na linha do que foi traçado por Frederico Marques, entendemos que apenas são admitidas analogias e princípios gerais do direito, sobretudo o princípio do in dubio pro reo, que é uma das principais garantias processuais penais no ordenamento.

REFERÊNCIAS

ACQUAVIVA. Marcus Cláudio. Dicionário Jurídico Brasileiro Acquaviva. São Paulo: Editora Jurídico Brasileira. 2000.
DINIZ, Maria Helena. As lacunas no Direito, São Paulo: Saraiva, 1997.
DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito. São Paulo: Saraiva, 2014.
DINIZ, Maria Helena. Conflito de Normas. São Paulo: Saraiva, 2014.
FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. São Paulo: Atlas. 2008.
Marques. José Frederico. Elementos de Direito Processual Penal. Revista e atualizada por Eduardo Reale Ferrari. Millennium. Volume I, 2003.
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. Rio de Janeiro: Forense. 2011,
REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. Ajustada ao novo código civil. São Paulo: Saraiva, 2002.
REALE JÚNIOR. Miguel. Instituições de direito penal. Rio de Janeiro: Forense. 2012.

[1] DINIZ, Maria Helena. Conflito de Normas. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 20-21.
[2] DINIZ, Maria Helena. Conflito de Normas. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 21.
[3] DINIZ, Maria Helena. Conflito de Normas. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 21.
[4] REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. Ajustada ao novo código civil. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 64 e seguintes.
[5] DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito. São Paulo: Saraiva. 2014, p. 464-465.
[6] DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito. São Paulo: Saraiva. 2014, p. 465.
[7] DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito. São Paulo: Saraiva. 2014, p. 465.
[8] DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito. São Paulo: Saraiva. 2014,p. 467.
[9] DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito. São Paulo: Saraiva. 2014, p. 480.
[10] DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito. São Paulo: Saraiva. 2014, p. 481.
[11] DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito. São Paulo: Saraiva. 2014, p. 489.
[12] DINIZ, Compêndio de introdução à ciência do direito, cit. p. 490.
[13] DINIZ, Compêndio de introdução à ciência do direito, cit. p. 497.
[14] DINIZ, Maria Helena. Conflito de Normas. São Paulo: Saraiva, 2014, p.71.
[15] FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direitotécnicadecisãodominação. São Paulo: Atlas. 2008, p. 185.
[16] FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direitotécnicadecisãodominação. São Paulo: Atlas. 2008, p. 185.
[17] Segundo o qual, quando o magistrado não encontra uma solução para o caso e se exime de solucioná-lo.
[18] ACQUAVIVA. Marcus Cláudio. Dicionário Jurídico Brasileiro Acquaviva. 11. ed. amp., rev., e atual. São Paulo: Editora Jurídico Brasileira. 2000, p. 811.
[19] Vide. Cf e art. 1º, do Código Penal.
[20] Marques. José Frederico. Elementos de Direito Processual Penal. Revista e atualizada por Eduardo Reale Ferrari. Millennium. Volume I, 2003. p. 40
[21] REALE JÚNIOR. Miguel. Instituições de direito penal. Rio de Janeiro: Forense. 2012, p. 94.
[22]  Art. 128 - Não se pune o aborto praticado por médico:
[...]
 II - se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.
[23] Vide alínea do artigo 1º do Código Penal de 1890.
[24] MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 20. ed. Rio de Janeiro: Forense. 2011, p. 265.
[25] MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 20. ed. Rio de Janeiro: Forense. 2011, p. 265.

sexta-feira, 20 de abril de 2018

A inclusão do nome do executado em cadastros de proteção ao crédito como meio de efetivação do direito fundamental à tutela executiva

Demonstra-se a possibilidade de inclusão do nome do executado em cadastros de inadimplentes, trazida pelo CPC/2015, como meio coercitivo tendente a compelir o devedor a cumprir a obrigação, assegurando-se o direito fundamental do credor à tutela executiva.

1. INTRODUÇÃO

O presente artigo tem por objetivo trazer à lume discussão a respeito de importante ferramenta inserida no ordenamento jurídico pelo Código de Processo Civil 2015, qual seja, a possibilidade de inclusão do nome do executado em cadastros de inadimplentes, meio coercitivo tendente a compelir o devedor a cumprir a obrigação.
Busca-se analisar a figura a partir de uma idéia insofismável - a necessidade de adoção de meios que confiram efetividade à tutela executiva – com abordagem quanto à (im)possibilidade de aplicação às execuções de títulos extrajudicial e  judicial, provisórias ou definitivas, o momento em que a inscrição é possível, e o caminho a ser tomado quando o julgador, a quem caberá autorizar a medida, se deparar com direitos fundamentais em colidência, com incursão e especial abordagem a respeito do direito fundamental do credor à tutela executiva.
O presente texto é apresentado como despretenciosa forma de contribuir para o debate a respeito da matéria, e os termos “execução” e “cumprimento de sentença” são utilizados como sinônimo.

2. A FIGURA DA INCLUSÃO DO NOME DO EXECUTADO EM CADASTROS DE INADIMPLENTES E O MOMENTO ADEQUADO PARA TANTO

Diversamente do que ocorria na vigência do Código de Processo Civil de 1973, que nada dispunha a respeito, o novo Código de Processo Civil (NCPC), em vigor desde 18 de março de 2016, prevê expressamente a possibilidade de o magistrado determinar, a requerimento da parte, a inclusão do executado em cadastros de inadimplentes. É o que dispõe o art. 782, § 3°, inserido no Livro II (“do processo de execução”), título I (“da execução em geral”):
Art. 782. Não dispondo a lei de modo diverso, o juiz determinará os atos executivos, e o oficial de justiça os cumprirá.
(...)
§ 3º A requerimento da parte, o juiz pode determinar a inclusão do nome do executado em cadastros de inadimplentes.
E o § 5° do mesmo dispositivo legal dispõe acerca da aplicação à execução definitiva de título judicial: “o disposto nos §§ 3° e 4° aplica-se à execução definitiva de título judicial.”
Ou seja, a inclusão do nome do devedor do nome da parte é possível tanto na execução de título extrajudicial como no cumprimento de sentença, mas não cabe nos casos de execução provisória, embora, infelizmente, tenha o legislador olvidado que a execução provisória, via de regra, processa-se como definitiva, o que já tem levado a doutrina a reconhecer a possibilidade de análise extensiva quanto ao cabimento[1].
O Código não é preciso quanto ao momento para a efetivação da inscrição - se cabível ao ser deferida a citação (execução) ou intimação (cumprimento de sentença), ou após o decurso do prazo de cumprimento voluntário, 03 ou 15 dias, conforme o caso – o que exige interpretação harmônica com outros dispositivos do Código.
Nas disposições gerais do cumprimento de sentença está prevista a possibilidade de protesto da sentença:
Art. 517.  A decisão judicial transitada em julgado poderá ser levada a protesto, nos termos da lei, depois de transcorrido o prazo para pagamento voluntário previsto no art.523.
Na execução de sentença de prestação alimentar de rito da coerção pessoal é previsto o protesto do pronunciamento judicial:
Art. 528.  No cumprimento de sentença que condene ao pagamento de prestação alimentícia ou de decisão interlocutória que fixe alimentos, o juiz, a requerimento do exequente, mandará intimar o executado pessoalmente para, em 3 (três) dias, pagar o débito, provar que o fez ou justificar a impossibilidade de efetuá-lo.
§ 1° Caso o executado, no prazo referido no caput, não efetue o pagamento, não prove que o efetuou ou não apresente justificativa da impossibilidade de efetuá-lo, o juiz mandará protestar o pronunciamento judicial, aplicando-se, no que couber, o disposto no art. 517.
Na execução de alimentos pelo rito comum de cumprimento é previsto protesto com base na regra do cumprimento de sentença:
Art. 528 No cumprimento de sentença que condene ao pagamento de prestação alimentícia ou de decisão interlocutória que fixe alimentos, o juiz, a requerimento do exequente, mandará intimar o executado pessoalmente para, em 3 (três) dias, pagar o débito, provar que o fez ou justificar a impossibilidade de efetuá-lo.
(...)
§ 8° O exequente pode optar por promover o cumprimento da sentença ou decisão desde logo, nos termos do disposto neste Livro, Título II, Capítulo III, caso em que não será admissível a prisão do executado, e, recaindo a penhora em dinheiro, a concessão de efeito suspensivo à impugnação não obsta a que o exequente levante mensalmente a importância da prestação.
Tem-se, assim, que se no cumprimento de sentença, inclusive de alimentos, o protesto não pode ser feito antes de decorrido o prazo de cumprimento voluntário, só tem sentido admitir-se que a inscrição negativa de que trata o art. 782 do NCPC somente seja possível realizar-se após tal oportunidade.
A medida, conforme lecionam os doutrinadores Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, “é salutar, posto que tende a inibir a inadimplência venal que usa do trâmite judicial para procrastinar a satisfação da obrigação. Mas é relevante destacar que a inclusão é faculdade do juiz (em vista do uso da forma verbal pode) e não pode ser determinada de ofício.”[2]
Para Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero,
como meio coercitivo para o cumprimento da obrigação, em relação a títulos judiciais ou extrajudiciais, o juiz pode determinar a inscrição do nome do executado em cadastro de inadimplentes. Em caso de pagamento, garantia da dívida ou extinção da execução, a inscrição deve ser cancelada. A técnica pode ser cumulada com outras medidas de cunho coercitivo, a exemplo do registro da execução (art. 828).[3]
André de Luizi Correia, Rodrigo Ribeiro Fleury e Luis Antonio da Gama e Silva Neto acrescentam que “a medida prevista no novo Código é um meio coercitivo a mais a constranger o devedor ao cumprimento da obrigação, visando dar maior efetividade ao processo de execução.”[4]
Na visão de Marcelo Abelha Rodrigues,
a medida de incluir o nome do executado no cadastro de inadimplentes é excelente e faz parte de um arsenal de medidas que visam imprimir efetividade à execução, evitando ser ela um ótimo esconderijo para o executado.” Ressalva o autor, contudo, que “a previsão da inscrição do devedor em cadastro de inadimplentes além de estar inserida em local inapropriado, deveria estar em sintonia com a previsão do protesto da decisão judicial com força executiva transitada em julgado (art. 517 do CPC/2015), pois se em relação aos títulos judiciais o protesto (e em decorrência dele a inscrição do devedor em cadastros de inadimplentes) só acontece após expirado o prazo do art. 523 do CPC/2015 sem o adimplemento do executado, então, pensamos, a possibilidade de inscrever o devedor em cadastro de inadimplentes deveria também só ser possível após decorrido o prazo fixado pelo juiz para o adimplemento da obrigação contida no título extrajudicial (art. 827, § 1.º, do CPC/2015).[5]
Sobre o tema, Guilherme Rizzo Amaral traz o seguinte comentário em sua obra:
O art. 782 traz, em seus §§ 3.º a 5.º, a possibilidade de o juiz determinar, a requerimento da parte, a inscrição desta em cadastros de inadimplentes. Tal pode se dar em duas hipóteses: na execução de título extrajudicial ou na execução definitiva de título judicial, sendo descabida a inscrição em execução provisória. A inscrição não será deferida ou deverá ser imediatamente cancelada caso o pagamento seja efetuado ou seja prestada garantia suficiente. A extinção da execução, por qualquer motivo, também deve ensejar o imediato cancelamento da inscrição.
Duas considerações são fundamentais quanto ao tema.
Primeiramente, para que haja a inscrição, o STJ vinha entendendo ser dever do órgão mantenedor do cadastro de proteção ao crédito notificar o devedor antes de proceder à inscrição. Nesse sentido é o enunciado da Súmula 359 daquele tribunal: “Cabe ao órgão mantenedor do Cadastro de Proteção ao Crédito a notificação do devedor antes de proceder à inscrição” (Súmula 359, 2.ª Seção, j. 13.08.2008, DJe 08.09.2008). Contudo, caso tenha havido a intimação do devedor no próprio processo judicial, previamente à inscrição no cadastro, deve ser reconhecida a desnecessidade da comunicação prévia pelo órgão mantenedor do cadastro, dada sua redundância.
Em segundo lugar, efetuado o pagamento, a garantia do juízo ou se verificando a extinção da execução, muito embora exequente ou executado possam postular ao juízo a determinação de cancelamento da inscrição do executado no cadastro, é dever do primeiro assim proceder, também na linha do que vinha entendendo o STJ (AgRg no Ag 1373920/SP, rel. Min. Luis Felipe Salomão, 4.ª T., j. 22.05.2012, DJe 28.05.2012). Requerida a determinação de exclusão ao juiz, este deverá de imediato comunicar ao órgão respectivo para que assim proceda. A indenização por comprovados danos sofridos pelo executado inscrito em cadastro de devedores por período superior ao devido poderá ser buscada pelo executado junto ao exequente.[6]
Pode-se citar, ainda, outros doutrinadores que abraçam a tese de possibilidade de inscrição do nome do executado em cadastros de inadimplentes como meio coercitivo, tendente a compelir o devedor a cumprir a obrigação e dar efetividade à execução: Humberto Theodoro Júnior[7], Cristiano Imhof e Bertha Steckert Rezende[8], André de Luizi Correia[9] e Daniel Amorim Assumpção Neves[10].
A inclusão do nome da parte executada nos cadastros de inadimplentes encontra sustentáculo, ainda, no art. 139, IV, do NCPC, que dispõe que “o juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe (...) determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária”, dispositivo que demonstra a preocupação do NCPC com a efetividade da decisão judicial. Ele chega a ser expresso neste sentido, o que se extrai da própria Constituição, ou seja, de que as partes têm direito à resolução integral do mérito em prazo razoável, incluindo, por óbvio, a atividade ou tutela satisfativa (art. 4.º).
Acerca da possibilidade de inclusão do nome da parte devedora em cadastro de proteção ao crédito como meio coercitivo para o cumprimento da obrigação, o Tribunal de Justiça gaúcho, desde a entrada em vigor do novo CPC, assim tem decidido:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. FAMÍLIA. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. LEGITIMIDADE CONCORRENTE. INCLUSÃO DO NOME DO EXECUTADO NOS CADASTROS DE INADIMPLENTES. ART. 782, § 3º, DO NCPC. FACULDADE DO JUIZ DA EXECUÇÃO. CABIMENTO DEPOIS DE EFETIVADA A CITAÇÃO E DECORRIDO O PRAZO PARA PAGAMENTO VOLUNTÁRIO. CASO CONCRETO. 1. A parte possui legitimidade concorrente para recorrer da decisão que fixa os honorários sucumbenciais, a despeito de referida verba constituir direito autônomo do advogado. 2. O executado deixou transcorrer o prazo para pagamento, mostrando-se viável o deferimento da pretensão de inclusão do nome do devedor nos cadastros de inadimplentes. RECURSO PROVIDO. (Agravo de Instrumento Nº 70072210693, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Liselena Schifino Robles Ribeiro, Julgado em 12/12/2016)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. INCLUSÃO DO NOME DO EXECUTADO NOS CADASTROS DE INADIMPLENTES. ART. 782, § 3º, DO NCPC. FACULDADE DO JUIZ DA EXECUÇÃO. CABIMENTO DEPOIS DE EFETIVADA A CITAÇÃO E DECORRIDO O PRAZO PARA PAGAMENTO VOLUNTÁRIO. CASO CONCRETO. Citado, o executado deixou transcorrer o prazo para pagamento, mostrando-se viável o deferimento da pretensão de inclusão do nome do devedor nos cadastros de inadimplentes. AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO. (Agravo de Instrumento Nº 70071746341, Décima Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ana Beatriz Iser, Julgado em 23/11/2016)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. AÇÃO DE EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. PRELIMINAR CONTRA-RECURSAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CABIMENTO. O agravo de instrumento é admissível quando se ajusta às hipóteses previstas no art. 1.015 do CPC/15. - Circunstância dos autos em que a decisão é passível de agravo de instrumento, pois proferida em processo de execução nos termos do parágrafo único do art. 1015 do CPC/15 e se impõe rejeitar a preliminar contra-recursal. PRELIMINAR RECURSAL. DECISÃO. FUNDAMENTAÇÃO. NULIDADE. INOCORRÊNCIA. Não é nula por ausência de fundamentação, julgamento em tese ou negativa da prestação jurisdicional a decisão que atendendo ao princípio da persuasão racional enfrenta e decide com razões lógico-jurídicas a questão posta em juízo. A necessidade de fundamentação é prevista no inc. IX do art. 93 da CF e no art. 489 do CPC/15; e o princípio que orienta a formação do convencimento se deduz do art. 371 do CPC/15. - Circunstância dos autos em que a decisão não incorre em nulidade. ATO EXECUTIVO. INCLUSÃO EM CADASTROS DE INADIMPLENTES. ART. 782 DO CPC/15. A inclusão do nome do executado em cadastros de inadimplentes a requerimento do exeqüente é medida coercitiva aplicável à execução de títulos extrajudiciais e à execução definitiva de títulos judiciais, nos termos do art. 782 do CPC/15. A medida ajusta-se ao Convênio SERASA-JUD e pode ser efetivada pela internet ou por via impressa. - Circunstância dos autos em que o pleito foi indeferido por falta de previsão legal; e se impunha deferir com base no art. §3º e §5º do art. 782 do CPC/15, mas para efetivar-se após o decurso do prazo de pagamento voluntário. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (Agravo de Instrumento Nº 70070025986, Décima Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: João Moreno Pomar, Julgado em 25/08/2016)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. MÉTODO COERCITIVO. INCLUSÃO DO NOME DO EXECUTADO JUNTO AOS CADASTROS DE INADIMPLENTES. ART. 782, § 3º, DO CPC/15. CABIMENTO. MATÉRIA DE FATO. CASO CONCRETO. Viável a inclusão do executado junto aos cadastros de inadimplentes, quando outras tentativas resultam frustradas, porquanto se trata de mecanismo de coerção apto à obtenção do pagamento. Inteligência do art. 782, § 3º, do CPC/15. AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO. (Agravo de Instrumento Nº 70069404192, Décima Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Adriana da Silva Ribeiro, Julgado em 13/07/2016)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO DE ALIMENTOS. PEDIDO DE INCLUSÃO DO NOME DO ALIMENTANTE/EXECUTADO NOS CADASTROS DE INADIMPLENTES. Com a vigência do novo Código de Processo Civil (art. 782) viável a inclusão do devedor de alimentos no cadastro de inadimplentes. Mecanismo que visa agilizar o pagamento, quando outras tentativas resultam frustradas. AGRAVO PROVIDO. UNÂNIME. (Agravo de Instrumento Nº 70067917815, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ivan Leomar Bruxel, Julgado em 02/06/2016)

3. O DIREITO FUNDAMENTAL À TUTELA EXECUTIVA

O processo constitui “ferramenta jurídica indispensável para realização da justiça”[11] e, portanto, essencial para concretização dos direitos fundamentais proclamados na Constituição. Assim, o processo deve ser dotado de técnicas capazes de atender estas garantias.
O processo do Estado Democrático de Direito contemporâneo “não se resume a regular o acesso à justiça, em sentido formal. Sua missão, na ordem dos direitos fundamentais, é propiciar a todos uma tutela procedimental e substancial justa, adequada e efetiva. Daí falar-se, modernamente, em garantia de um processo justo de preferência à garantia de um devido processo legal”.[12]
Em outros dizeres, as técnicas processuais devem estar ajustadas às necessidades de tutelar os direitos, especialmente os direitos fundamentais, que traduzem as concepções filosóficas-jurídicas aceitas por uma determinada sociedade em certo momento histórico, sendo, ao mesmo tempo, valores fins da sociedade e direitos de seus indivíduos.[13]
A perspectiva objetiva dos direitos fundamentais se manifesta em planos diferentes, inclusive orientando a concretização dos direitos fundamentais aos órgãos jurisdicionais. Em que pese a importância da dimensão objetiva, a perspectiva subjetiva também é relevante, pois é nesta função que os direitos fundamentais garantem posições jurídicas individuais a seus titulares.[14]
O princípio da acessibilidade à Justiça, insculpido no artigo 5º, XXXV, da Constituição Federal de 1988 (CF/88), comporta significado amplo, de forma a abranger não só o direito à jurisdição, mas sim que esta tenha instrumentos para efetivar os direitos declarados pelo juiz ou já reconhecidos no título extrajudicial.
O direito fundamental à tutela executiva consiste na existência de meios executivos adequados e capazes de satisfazer o direito previsto no título executivo (judicial ou extrajudicial). Assim, com o objetivo  de realizar os preceitos fundamentais do credor na execução, o intérprete deve buscar no ordenamento jurídico vigente normas que tutelam a garantia desse direito consagrado no título executivo.[15]
Concretamente, segundo Marcelo Lima Guerra[16], o direito fundamental à tutela executiva atribui ao juiz as seguintes funções:
a) O juiz tem o poder-dever de interpretar as normas relativas aos meios executivos de forma a extrair delas um significado que assegure a maior proteção e efetividade ao direito fundamental à tutela executiva;
b) o juiz tem o poder-dever de deixar de aplicar normas que imponham uma restrição a um meio executivo, sempre que tal restrição – a qual melhor caracteriza-se, insista-se, uma restrição ao direito fundamental à tutela executiva – não for justificável pela proteção devida a outro direito fundamental, que venha a prevalecer, no caso concreto, sobre o direito fundamental à tutela executiva;
c) o juiz tem o poder-dever de adotar os meios executivos que se revelem necessários à prestação integral de tutela executiva, mesmo que não previstos em lei, e ainda que expressamente vedados em lei, desde que observados os limites impostos por eventuais direitos fundamentais colidentes àquele relativo aos meios executivos.
Uma vez compreendido o direito fundamental à tutela executiva, tem-se que o mesmo será transgredido, violado, quando não houver técnicas processuais capazes de alcançar ao credor a satisfação integral do direito reconhecido no título.
Importante destacar que a falta de efetividade da execução, não afeta exclusivamente o exequente, pois o problema decorrente do inadimplemento tem desdobramentos econômicos[17], vez que, também, poderá engessar a atividade produtiva, comprometer o comércio, encarecer financiamentos e atingir a sociedade civil.
A garantia de acesso a uma prestação jurisdicional efetiva está diretamente vinculada ao exercício da cidadania e foi alçada a direito fundamental, por força dos comandos do art. 5º, XXXV, LIV e LXXVIII, da CF/88. Contudo, não basta garantir acesso aos tribunais para obtenção da declaração do direito material, pois de nada adianta uma decisão inoperante, sem efetividade que, via de regra, é alcançada apenas no processo de execução.
A ideia de justiça está indelevelmente ligada à busca de equilíbrio. Tornou-se frequente na jurisdição a necessidade de se ter de escolher entre normas conflitantes, sendo necessário ponderá-las, “a fim de saber qual delas, abstratamente da mesma categorias, possui maior peso no caso concreto”[18]. O resultado dessa operação conduz ao acolhimento de um dos enunciados e afastamento dos demais.[19]
Nesse contexto, o princípio da proporcionalidade tem fundamental importância, pois funciona como parâmetro técnico à conduta do legislador ou à interpretação do juiz quando estiverem em causa limitações aos direitos fundamentais, já que é através dele que se verifica se os fatores de restrição levados em consideração são adequados à realização dos direitos em colisão.[20]
Logo, a medida ora tratada – possibilidade de inclusão do nome da parte devedora em cadastro de proteção ao crédito – vem ao encontro da tão almejada efetividade processual e do princípio da satisfação do credor, de modo que, verificado pelo magistrado que as demais medidas não alcançaram o êxito almejado, não coagindo o devedor ao cumprimento da obrigação, a inscrição não apenas pode (conforme previsão do art. 782, § 3° do NCPC) como deve deferir a medida. Afinal, sopesando os direito fundamentais postos em jogo – de um lado o direito fundamental do credor à tutela executiva e de outro os direitos de personalidade do devedor (porque é evidente que tal medida não recai sobre o seu patrimônio, mas sim, ainda que de modo reflexo, em sua própria pessoa, e ao ter o nome “sujo” afeta-se a integridade moral que é, indubitavelmente, um direito de personalidade, associado à pessoa e não ao patrimônio, conforme doutrina[21] e jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça[22]) – aquele deve prevalecer.
Afinal, como bem lembra Clemerson Merlin Cleve
a função do judiciário, em princípio, é a de dirimir conflitos de interesse. Mas a função do Judiciário também é a de distribuir justiça (...). O Estado Democrático de Direito é mais do que um Estado de Direito. É um Estado de Justiça (...) hoje já está demonstrado que o Juiz não constituiu mero aplicador da lei despido de vontade; um órgão neutro, surdo e mudo, que nada mais faz do que solucionar o caso concreto, aplicando não a sua vontade (decisão), mas sim aquela antes pronunciada pelo legislador. Muito mais do que isso o Juiz participa, ainda que procure negá-lo, ativamente do processo de formação e eterna reconstrução da ordem jurídica. [23]
Com propriedade, ensina Marcelo Lima Guerra que o credor deve ser visto como um titular à tutela jurisdicional justa e efetiva e o prejuízo causado pelo devedor poderá ter-lhe atingido a dignidade e, por isso é incompatível com a supremacia da Constituição qualquer solução abstrata. [24]
Assenta-se, por oportuno, que os ônus/custos da inscrição, exclusão e suspensão devam recair diretamente na parte autora desse pedido, e que uma vez paga a dívida ou extinta a execução por qualquer outro fundamento, caberá à parte exeqüente requerer o cancelamento da inscrição.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em apertada síntese, pode-se dizer que a medida abordada - inclusão do nome da parte devedora em cadastros de proteção ao crédito – vem ao encontro da tão almejada efetividade processual e do princípio da satisfação do credor, de modo que, verificado pelo magistrado que as demais medidas não alcançaram o êxito almejado, não coagindo o devedor ao cumprimento da obrigação, não apenas pode como deve deferir a medida, seja em execução de título extrajudicial e judicial, permanecendo a discussão quanto à possibilidade de utilização do meio nas execuções provisórias.
Quanto à colidência entre os direitos fundamentais do credor à tutela executiva e os direitos de personalidade do devedor, que são afetados pela negativação de seu nome, cabe ao aplicador do direito ponderar as normas conflitantes, verificando qual delas possui maior peso no caso concreto, o que, se conclui, conduz ao acolhimento da pretensão do titular do direito estampado no título executivo.
A inscrição somente pode ser realizada quando decorrido o prazo de cumprimento voluntário da obrigação, cabendo à parte autora do pedido arcar com os custos da inscrição e da exclusão, que deve ser providenciada tão logo paga a dívida ou extinta a execução por qualquer outro fundamento.

5. REFERÊNCIAS

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