O artigo analisa a retirada do termo “livre convencimento motivado” do Novo Código de Processo Civil de 2015, que possui texto diverso do CPC/73, e a discussão doutrinária a respeito da existência ou não do livre convencimento motivado no Processo Civil Brasileiro Contemporâneo.
1 INTRODUÇÃO Por Luisa Vieira Penteado
Com a entrada em vigor do Novo Código de Processo Civil no mês de março de 2016 diversas opiniões surgiram em relação a retirada da palavra “livremente” do texto, no que se refere a apreciação da prova feita pelo juiz.
O CPC de 1939, em seu artigo 118, estabelecia que “na apreciação da prova, o juiz formará livremente o seu convencimetno, atendendo aos fatos e circunstâncias constantes dos autos, ainda que não alegados pela parte. Mas, quando a lei considerar determinada forma como da substância do ato, o juiz não admitirá a prova por outro meio”. O texto ainda estabelecia em seu parágrafo único que o juiz tinha o dever de, na sentença ou despacho, indicar os fatos e as circunstâncias que motivaram o seu entendimento.
No CPC de 1973, a palavra livremente também aparecia, tendo o artigo 131 a seguinte redação: “o juiz deve apreciar livremente a prova, atendendo as circunstâncias e fatos presentes nos autos, ainda que estes fatos/circunstâncias não fossem alegados pela parte, devendo indicar, na sentença, os motivos que formaram o seu convencimento”. Estabelecia ainda, em seu artigo 366 uma exceção a regra geral, informando que quando a lei exigir que o ato seja realizado por instrumento público, nenhuma outra prova, por mais especial que fosse, poderia suprir a falta deste instrumento.
O CPC de 2015 estabelece em seu artigo 371 que “o juiz apreciará a prova constante dos autos independentemente do sujeito que a tiver promovido, e indicará na decisão as razões da formação de seu convencimento”.
No CPC de 2015 não encontramos a palavra “livremente” estabelecida no artigo 131 do CPC/73 e no art. 118 do CPC/39, o que tem levado alguns intérpretes da Lei 13.105/2015 a asseverar não mais existir no Direito Processual Civil Contemporâneo o princípio do livre convencimento motivado.
Todavia, esse entendimento não é unanime e é essa discussão que será tratada neste artigo.
Este trabalho tem por escopo analisar o novo texto referente a apreciação da prova realizada pelo juiz contido no CPC de 2015 e entender se ainda existe ou não no Processo Civil Brasileiro, o princípio do do livre convencimento motivado.
2 A VALORAÇÃO E A DESTINAÇÃO DA PROVA
Na doutrina e na jurisprudência é muito comum vermos a afirmação de que o destinatário da prova é o juiz. Essa assertiva, porém, deve ser tratada com muito cuidado. O juiz não é o único destinatário da prova. Na verdade, a prova tem por destinatários todos os sujeitos do processo. O juiz é o destinatário direto da prova mas as partes e outros interessados são os destinatários indiretos.
Todos os sujeitos do processo tem que que se convencer que aquela prova que foi produzida foi determinante para decisão proferida pelo juiz. Como bem ressaltado pelo Professor Alexandre Câmara[1] em seu livro, “ a avaliação que as partes fazem das provas é evidentemente levada em consideração quando se verifica se vale ou não a pena recorrer contra alguma decisão”, o que demonstra que a prova é de extrema importância para a determinação do modo como as partes se comportam no processo.
Durante muito tempo pensava-se no juiz como figura, além de imparcial, absolutamente desinteressado com o resultado do processo. Dizia-se que o bom juiz era aquele que interferia o mínimo possível no processo, deixando para as partes as iniciativas postulatórias e probatórias, tudo em respeito ao princípio dispositivo. Confundia-se imparcialidade comomissão e neutralidade, preferindo-se o juiz distante ao juiz participativo.
A doutrina moderna repele tal entendimento, parecendo não haver grande dúvida entre os doutrinadores que defendem a natureza pública do processo. A partir dessa mudança de entendimento passou-se também a encarar a missão do juiz no processo de uma nova forma, sob um novo ângulo de visão. A figura do juiz distante e desinteressado, principalmente no que tange ao conjunto probatório, não mais responde aos anseios de uma prestação jurisdicional de qualidade.
Existe na doutrina 03 (três) sistemas principais de valoração da prova. O sistema da prova legal ou tarifada, em que a lei já pré-concebe o valor da prova, não deixando qualquer valoração por critério intrínseco para o julgador. O sistema do livre convencimento puro, em que o julgador tem total liberdade para apreciar e valorar a prova, não havendo sequer necessidade de expor os motivos que lhe formaram convencimento. E o sistema do livre convencimento motivado ou da persuasão racional, no qual se reconhece liberdade do julgador para apreciar e valorar a prova, com a condição de que, na decisão, exponha as razões de seu convencimento.
No CPC/73 o sistema de valoração adotado era o da persuasão racional, também conhecido pelo principio do livre convencimento motivado, no qual o juiz é livre para formar seu convencimento, dando às provas produzidas o peso que entender cabível em cada processo, não havendo uma hierarquia entre os meios de prova. Isso, claramente, não significava que o juiz pudesse decidir fora dos fatos alegados no processo, mas sim que fosse dado aos fatos alegados a devida consideração diante das provas produzidas.
No entanto, o sistema do livre convencimento motivado foi se distorcendo ao longo dos anos, e cada vez mais o juiz foi ficando livre na apreciação da prova. Diversamente do que deveria ser, esse sistema atribuiu ao juiz um poder descricionário de, conforme seus critérios pessoais, dizer quais provas são ou não capazes de formar o seu convencimento, gerando muitas vezes indignação das partes envolvidas no processo.
Com um pensamento diverso e um novo modelo processual, o Código de Processo Civil de 2015 altera essa sistemática e a expressão que tratava do livre convencimento foi retirada.
No novo modelo processual, o modelo cooperativo adotado pelo CPC/15 (art. 6º), o juiz e as partes atuam juntos, de forma comparticipativa, na construção em contraditório do resultado do processo. Todos atuam para um mesmo fim comum: um processo justo. Assim, não seria compatível com este modelo um juiz passivo, neutro, que se limitasse a valorar as provas que as partes produzem.
O Deputado Relator no Projeto do NCPC na Câmara de forma muito consistente justificou a retirada dos termos: “embora historicamente os Códigos Processuais estejam baseados no livre convencimento e na livre apreciação judicial, não é mais possivel, em plena democracia, continuar transferindo a resolução dos casos complexos em favor da apreciação subjetiva dos juizes e tribunais. Na medida em que o projeto passou a adotar o policentrismo e coparticipação no processo, fica evidente que a abordagem da estrutura do Projeto passou a poder ser lida como um sistema não mais centrado na figura do juiz. As partes assumem especial relevância. Eis o casamento perfeito chamado coparticipação, com pitadas fortes do policentrismo. E o corolário disso é a retirada do livre convencimento. O livre convencimento se justifica em face da necessidade de superação da prova tarifada. Filosoficamente, o abandono da fórmula do livre convencimento ou da livre apreciação da prova é corolário do paradigma da intersubjetividade, cuja compreensão é indispensável um tempos de democracia e autonomia do direito. Dessa forma, a invocação do livre convencimento por parte de juízes e tribunais acarretará, a toda evidencia, a nulidade da decisão.”
O professor Alexandre Câmara, em seu livro sobre o Novo Código de Processo Civil dá um exemplo interessante a respeito do sistema do livre convencimento motivado, o caso se refere a um processo onde houvesse apenas duas testemunhas que prestassem depoimentos radicalmente contraditórios. Nesse caso, pergunta o Professor, como poderia o juiz, senão de forma descricionária, escolher livremente o depoimento de uma delas e com base neste proferir sua decisão? E concluiu: “Pois este é o sistema do livre convencimento motivado.”
Assim, o CPC de 2015 superou o critério do livre convencimento motivado e este não está mais no texto normativo. O artigo 371 do NCPC estabelece que “o juiz apreciará a prova constante dos autos, independentemente do sujeito que a tiver promovido, e indicará na decisão as razões da formação do seu convencimento”.
Enquanto a legislação anterior falava em “apreciar livremente a prova”, a legislação atual estabelece incumbir ao juiz “apreciar a prova”. O desaparecimento do termo “livremente” estabelece que a valoração da prova não pode ser feita pelo juiz de forma descricionária, como sistema anterior estabelecia.
Desta forma, ao proferir a decisão, incumbe ao juiz, apresentar uma valoração discursiva da prova, justificando seu convencimento acerca da veracidade das alegações, e indicando os motivos pelos quais acolhe ou rejeita cada elemento do conjunto probatório.
Em outros termos, cabe ao juiz, na valoração da prova, encontrar a verdade que tenha sido demonstrada no processo através dos elementos de prova a ele fornecidos. E como não pode haver duas verdades, cabe ao juiz, através da valoração da prova, encontrar esta verdade para que se produza uma decisão correta para o caso concreto.
É através da prova que se permite, no processo, seja descoberta a verdade acerca dos fatos da causa. Não se pode aceitar a ideia de que existiriam duas verdades ou que no processo civil bastaria a verdade formal.
Para o processo só deve interessar a descoberta da verdade e é através da prova que se pode alcançar a verdade, nem que seja a verdade “processualmente possível”.
A verdade processualmente possível é aquela baseada na fortíssima probabilidade. Por isso são estabelecidos mecanismos destinados a permitir a produção de decisões baseadas em probabilidades muito grandes, como as presunções e as regras de distribuição do ônus da prova.
A busca da verdade e da segurança jurídica não constitui algo que prevaleça sobre tudo porque temos outras exigências como a estabilidade, a paz social, além da imposição constitucional de que os processos tenham uma duração razoável, o que fazem com que o processo precise terminar, mesmo que ainda não se tenha certeza absoluta de ter sido descoberta a verdade. Por isso é que se fala de uma verdade “processualmente possivel”. A equivalência, do ponto de vista do processo, da verdade e da forte probabilidade, não compromete a alegação supracitada de que o processo busca, através da prova, a verdade, ainda que tenhamos em alguns casos que se contentar coma forte probabilidade.
Incumbe ao juiz, ao proferir uma decisão de mérito, indicar os fundamentos pelos quais justifica seu convencimento, formado através da análise das provas produzidas no processo, construindo em contraditório seu conhecimento a respeito dos fatos da causa. É o que se pode chamar de valoração democrática da prova. Exige-se, pois, uma fundamentação que demonstre, discursivamente, como o juiz chegou às suas conclusões acerca da apreciação da prova, a fim de se demonstrar que a decisão proferida é a decisão correta para o caso concreto em exame, sem que isso resulte de discricionariedade ou voluntarismo judicial.
Desta forma, a alteração supracitada traz mudanças no que se refere ao convencimento do juiz. Este terá limites. O juiz não pode examinar as provas de acordo com a sua perspectiva, também não pode valorar provas que não estão nos autos ou que não foram objeto de contraditório, não haverá mais a forma distorcida do livre convencimento utilizada pelo juízes, que julgam de acordo com a sua consciência, decidem como querem, porque querem.
Se essa pequena inovação legislativa for realmente levada a sério pelos juizes e desembargadores, o livre convencimento motivado deixará de existir e a valoração democrática da prova trará beneficios maravilhosos para o Procesoo Civil Contemporâneo no que diz respeito a justiça das decisões.
3 CONCLUSÃO
Com a entrada em vigor do Novo CPC e a alteração do texto no que se refere a valoração das provas pelo juiz, surgiram discussões acerca da existência ou não no Direito Processual Civil Contemporâneo do livre convencimento motivado.
Como vimos acima, se a inovação legislativa for realmente levada em conta pelos Juizes, Desembargadores, STJ e STF, haverá um ganho enorme para o Processo Civil atual.
No entanto, cabe enfatizar que apenas a alteração da letra da lei, não vai efetivamente alterar nada, se a mudança não for devidamente implementada.
Acredito que no novo processo civil não há mais lugar para o livre convencimento motivado. No processo cooperativo estabelecido no CPC/15 o juiz não está acima das partes, nem tampouco está abaixo delas. Todos os atores do processo atuam, em igualdade de condições, com forças equivalentes, na construção comparticipativa do resultado final do processo e se assim for, não só no papel, mas na prática, a valoração democrática da prova trará enorme avanço para o processo brasileiro.
Dessa forma, vejo essa mudança como algo extremamente importante para o Processo Civil Contemporâneo. O processo onde as parte e o juiz estabelecem uma relação de boafé e coparticipação, ajudando a ter um processo que terá como resultado uma decisão que fora construída devidamente, com o devido contraditório e com a devida fundamentação, gerando assim, decisões que não irão surpreender nenhuma das partes envolvidas.
4 BIBLIOGRAFIA
ASSUMPÇÃO, Daniel. Manual de Direito Processual Civil – Volume Único. 7ª Edição.Método, 2015.
BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Brasília, DF: Palácio do Planalto da Presidência da República, 1973. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13105.htm> Acessado em:
________. Lei nº 5.869, de 11 de Janeiro de 1973. Institui o Código de Processo Civil. Brasília, DF: Palácio do Planalto Presidência da República, 1973. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5869.htm>
________. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Site da Presidência da República Federativa do Brasil. Brasília 5 out. 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em: 20 de Março de 2016.
CÂMARA, Alexandre. O Novo Processo Civil Brasileiro. 2ª edição. Atlas, 2016.
[1] CÂMARA, Alexandre. O Novo Processo Civil Brasileiro. 2ª edição. Atlas, 2016.
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