segunda-feira, 18 de fevereiro de 2019

BRUMADINHO: UMA TRAGÉDIA ANUNCIADA

Artigo - Brumadinho: Uma tragédia anunciada. Roberto Ramalho é advogado e foi procurador do município de Maceió. Roberta Acioli é advogada e Pós-Graduanda em Direito Processual Civil pela Faculdade Damásio.
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Em entrevista ao Sistema Globo de Rádio, o cientista politico Humberto Dantas, pesquisador da Uninove, falou sobre a sensação de impunidade no Brasil. Segundo ele “absolutamente esperado que se mostre que tragédia não foi um acidente, e sim um crime”.
A Polícia Federal já abriu inquérito para apurar causas do rompimento da barragem em Brumadinho. Estão sendo colhidos depoimentos e relatos que possam ajudar na elucidação do caso. Até o fechamento desse artigo mais de 150 pessoas teriam morrido em Brumadinho, e havia cerca de 160 pessoas desaparecidas.
E o Promotor de tragédia em Mariana defendeu que barragens sejam proibidas. Segundo Guilherme de Sá, responsável pelo auxílio judicial às vítimas de Mariana, é preciso proibir barragens feitas com alteamento para montante. O modelo é o mesmo usado pela Vale.
O mais grave de tudo é que a imprensa noticiou que faltam fiscais para as 790 barragens de rejeitos de minério no Brasil. Isso é inaceitável. Até parece que vidas humanas, dos animas e a natureza, não valem nada! E o destacado e experiente jornalista André Trigueiro conversou com a também jornalista Petria Chaves, apresentadora da Rádio CBN. Ele disse que se os fiscais fossem verificar in loco a situação das barragens, só conseguiriam fiscalizar 3% ao ano.
O governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), disse em entrevista logo após o acontecimento que eram mínimas as chances de encontrar sobreviventes da tragédia em Brumadinho. Disse ele na ocasião: "Vamos resgatar somente corpos", lamentou. Zema comparou o rompimento com o caso de Mariana, que ocorreu em 2015. "O vazamento tem uma característica diferente daquele que aconteceu em Mariana que foram centenas de quilômetros. Este teve um maior número de vítimas, mas vai ficar territorialmente mais limitado", disse o governador.
O presidente da Vale, Fábio Schvartsman, disse após o desastre que o rompimento terá um impacto mais humano do que ambiental. Segundo ele, a maior parte das vítimas são funcionários da empresa. "Dessa vez é uma tragédia humana. Estamos falando de uma quantidade provavelmente grande de vítimas. Não sabemos quantas, mas sabemos que será um número grande", afirmou logo depois de acontecer a tragédia. Deveria ter sido preso. Porém, o MPF não requereu sua prisão, mas de alguns engenheiros de uma empresa contratada pela Vale, para dar um laudo sobre a situação. E o que fizeram? Disseram que estava tudo bem e que tinham sido forçados a dizer isso para não perderem seus empregos.
Segundo a Colunista Daniela Lima do painel.blogfolha.uol.com.br, o Ministério Público Federal decidiu não recorrer da decisão do STJ que libertou três engenheiros da Vale e dois da TÜV SÜD, que haviam sido presos. Os procuradores avaliam que têm material suficiente para a investigação e que os envolvidos não representam mais ameaças às provas sobre a tragédia em Brumadinho. Os documentos colhidos reforçam a tese de que a Vale sabia do perigo de rompimento da barragem
De acordo com funcionários da Vale, deslocados para Brumadinho, diferentemente do acidente em Mariana, dessa vez o impacto foi mais concentrado. A avalanche de lama atingiu fortemente áreas da própria empresa, inclusive o refeitório no horário de almoço.
O presidente Jair Bolsonaro (PSL), antes de ser submetido à cirurgia para a retirada da bolsa de colostomia, sobrevoou a região e depois retornou ao aeroporto para uma reunião com autoridades e representantes da empresa. Ele não desceu no local do desastre. O interessante disso tudo é que o presidente iria extinguir o Ministério do Meio Ambiente e seus órgãos reguladores e fiscalizadores. Agora duvido que ele acabe.
A Vale, durante a tragédia ambiental, montou duas estruturas de apoio às vítimas e familiares. Atendendo a pedidos, toneladas de alimentos e outros utensílios foram enviados para os moradores de Brumadinho. Foram doações muito importantes.
O IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) confirmou a aplicação de uma multa no valor de R$ 250 milhões à Vale, pela ruptura da barragem da companhia em Brumadinho (MG). Segundo o órgão, os danos ao meio ambiente resultaram até o momento em cinco autos de infração no valor de R$ 50 milhões cada um, o máximo previsto na Lei de Crimes Ambientais. Ainda segundo o IBAMA foram aplicados os seguintes artigos:
Causar poluição que possa resultar em danos à saúde humana;
Tornar área urbana ou rural imprópria para a ocupação humana;
Causar poluição hídrica que torne necessária a interrupção do abastecimento de água;
Provocar, pela emissão de efluentes ou carregamento de materiais, o perecimento de espécimes da biodiversidade;
Lançar rejeitos de mineração em recursos hídricos.
Justiça acata pedido de Promotoria e bloqueia R$ 5 bilhões da Vale para reparação de danos.
A Justiça de Minas Gerais acatou pedido do Ministério Público do estado e determinou o bloqueio de R$ 5 bilhões da Vale. O valor seria utilizado para garantir a adoção de medidas emergenciais e a reparação de danos ambientais decorrentes do rompimento da barragem da empresa em Brumadinho. Anteriormente a Justiça tinha acatado outro pedido, este da Advocacia-Geral de Minas Gerais, para o bloqueio de R$ 1 bilhão. Anteriormente o IBAMA já havia anunciada uma multa de R$ 250 milhões à mineradora por danos ambientais.
Segundo reportagem do Jornal Folha de São Paulo, o advogado-geral da União, André Mendonça, afirmou que a mineradora Vale é a responsável pelo rompimento da barragem em Brumadinho (MG). O desastre matou mais de 200 pessoas, contando os desaparecidos. "Há uma responsabilidade pelo que aconteceu. A responsável por isso, pelo risco do próprio negócio, é a empresa Vale. O que nós precisamos ver nesse momento é aguardar as apurações, os levantamentos dos órgãos técnicos, para verificar a extensão desse dano e como serão adotadas as medidas de responsabilidade", disse Mendonça após participar de reunião no Palácio do Planalto do gabinete de crise que trata do caso. O ministro da AGU (Advocacia-Geral da União) declarou, ainda, que as responsabilidades podem ser nas esferas civil, administrativa e até criminal. 
Em relação a esse terrível crime ambiental, descrevemos uma parte da legislação sobre o assunto, abaixo:
LEI nº 9.605, DE 12 DE FEVEREIRO DE 1998 - Dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e da outras providencias.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA. Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
CAPITULO I-DISPOSIÇÕES GERAIS
Artigo 1º - (VETADO)...
Artigo 2° - Quem, de qualquer forma, concorre para a pratica dos crimes previstos nesta Lei, incide nas penas a estes cominadas, na medida da sua culpabilidade, bem como o diretor, o administrador, o membro de conselho e de órgão técnico, o auditor, o gerente, o preposto ou mandatário de pessoa jurídica, que, sabendo da conduta criminosa de outrem, deixar de impedir a sua pratica, quando podia agir para evitá-la.
Artigo 3º - As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou beneficio da sua entidade. Parágrafo único. A responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, co-autoras ou participes do mesmo fato.
Artigo 4º - Poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados a qualidade do meio ambiente.
Artigo 5º - (VETADO)...
CAPITULO II - DA APLICAÇÃO DA PENA.
Artigo 6º - Para imposição e gradação da penalidade, a autoridade competente observara:
I - a gravidade do fato, tendo em vista os motivos da infração e suas conseqüências para a saúde publica e para o meio ambiente;
II - os antecedentes do infrator quanto ao cumprimento da legislação de interesse ambiental;
III - a situação econômica do infrator, no caso de multa.
E de acordo com a jurista Meire Lopes Montes, "desimporta e é irrelevante a força maior e o caso fortuito como excludentes de responsabilidade. Aplica-se, pois, a teoria do risco integral, na qual o dever de reparar independe da análise da subjetividade do agente e é fundamentado pelo só fato de existir a atividade de onde adveio o prejuízo. O poluidor deve assumir integralmente todos os riscos que advêm de sua atividade, desimportando se o acidente ecológico foi provocado por falha humana ou técnica ou se foi obra do acaso ou de força maior".
Nesse sentido, segundo a doutrina e farta jurisprudência dominante, assim como a Política Nacional do Meio Ambiente.
De acordo com a Lei 6938/81, artigo 4º, o poluidor, independente de culpa, é obrigado a reparar os danos por ele causados, mesmo se estiver cumprindo com todas as normas e padrões ambientais.
E o pior de tudo que sequer estava cumprindo com o que determina a legislação em vigor.
Imprensa internacional repercutiu o rompimento de barragem da Vale. O jornal El País, na Espanha, destaca a declaração do governador Romeu Zema. Ele afirmou que a chance de encontrar desaparecidos com vida é mínima. Nos Estados Unidos, o The New York Times destacou que o presidente Bolsonaro sobrevoou a zona do desastre. O jornal Clarín, na Argentina, diz que "Um rio de lama destruiu várias casas perto da cidade de Brumadinho".
O número de mortos na tragédia de Brumadinho (MG) subiu para 165, segundo novo boletim da Defesa Civil e do gabinete militar de Minas Gerais divulgado no domingo, 10 de fevereiro de 2019. Entre os corpos já resgatados, nove ainda não foram identificados. Há ainda 160 desaparecidos e 138 desabrigados. As buscas entraram pelo 17º dia no domingo, 10.02.2019. O foco da atuação das equipes de resgate está sendo na usina ITM, na área administrativa (refeitório, casa e estacionamento), na área da ferrovia, em áreas de acúmulo de rejeito. Há 35 homens em campo na busca pelas vítimas. 
A tragédia foi, na verdade, um crime ambiental. O maior que o país teve até hoje, com centenas de pessoas mortas e de animais, destruição de casas, propriedades, contaminação de rios, sobretudo, o rio Paraopebas, por rejeitos minerais, muito tóxicos e do solo.
Espera-se que não haja impunidade, principalmente aos sócios-majoritários e que respondem pela empresa Vale.
O que se teme, mais uma vez, assim como aconteceu no desastre anterior, o de Mariana, é que não fique tudo na impunidade. Espera-se do MPF e MPE de Minas Gerais o rigor necessário em busca da punição dos causadores do crime ambiental e que o Poder Judiciário não demore em julgar esse fato lamentável e criminoso e causa se arraste por anos a fio, como é de praxe.
Referencias e fontes:
Site UOL –www.uol.com;
painel.blogfolha.uol.com.br. Colunista Daniela Lima;
Site do Estadão – www.estadao.com.br;
Jornal Folha de São Paulo – www.folha.com.br;
IBAMA – www.ibama.org.br;
LEI nº 9.605, DE 12 DE FEVEREIRO DE 1998 – Lei de Crimes Ambientais.
Montes, Meire LopesResponsabilidade civil pelo dano ambiental. In 10 anos da ECO-92: o direito e o desenvolvimento sustentável – Ten years after rio 92: sustainable development and law. São Paulo: IMESP, 2002, páginas 587e598.

O DIREITO A RETIFICAÇÃO DO NOME E SEXO CIVIL DOS TRANSEXUAIS

RESUMO
 
O presente artigo versa a polêmica sobre o direito à retificação do nome e sexo civil dos transexuais, com o fulcro no tratamento jurisprudencial que é dado sob a luz dos princípios basilares constitucionais. O tema deste artigo tem o objetivo de estudar a validade do direito que os transexuais possuem de buscar a retificação de seus registros pessoais, sem que os mesmos sejam condicionados a alguma condição, bem como verificar as legislações que tem por finalidade proteger e garantir a aplicação dos direitos individuais da personalidade que são intrínsecos aos transexuais. O artigo irá ser seccionado em três partes, com a finalidade de expor a questão do gênero no Brasil, como também o direito a personalidade, e, por fim, a Lei dos Registros Públicos em prol da aquisição do direito à retificação do nome e sexo civil nos assentamentos públicos. Portanto, este estudo aponta que é necessária uma efetivação maior por parte do Estado no modo que deve acompanhar o cumprimento e a evolução da sociedade contemporânea, em busca do equilíbrio do tratamento entre os indivíduos, visto que ambos possuem direitos e deveres que devem ser respeitados de forma igualitária. 
Palavras-chave: Transexualidade; Retificação de gênero.
 
INTRODUÇÃO
                   A Constituição Federal do Brasil de 1988 consagra princípios fundamentais que devem ser apreciados como norma maior. Destarte, é preceito da máxima do Estado Democrático de Direito a obediência à dignidade da pessoa humana como valor pessoal e moral, bem como a proteção integral aos direitos de personalidade que são irrenunciáveis e intransmissíveis que fazem parte da construção da identidade de todo indivíduo.
                  O direito ao nome e a autodeterminação devidamente regulamentado no Código Civil Brasileiro de 2002, aduz que o corpo reúne um complexo de informações sobre uma pessoa, não só pessoais, mas de características intrínsecas da formação da personalidade, pois além de residir a exteriorização do âmago humano, há a incorporação de ser e estar em determinada localidade.
                   A transexualidade é caracterizada pela convicção de atribuições biológicas ao sexo oposto, o que leva o indivíduo a compreender sequência de modificações significativas, ou seja, uma construção de identidade social e corporal do gênero e sexo, objetivando o reconhecimento de sua condição atual na esfera social. Diante da incongruência de legislação no Brasil, o Poder Judiciário se utiliza de meios alternativos para se posicionar frente às demandas de alteração do nome civil, observando a não descriminalização e marginalização de uma minoria que necessita de amparo no arcabouço jurídico, visando a igualdade de tratamento perante todos.
                  Ao ferir o preceito da dignidade da pessoa humana e direitos relativos à personalidade, corolário da ordem constitucional, é notório que deverá haver uma reflexão acerca da banalização de conceitos basilares da formação do Estado. Desse modo, serão explanadas no âmbito jurídico as questões sobre a efetivação de um direito que deve ser dado de modo a assegurar a identidade e autonomia corporal.
 
A QUESTÃO DO GÊNERO NO BRASIL
 
                 A história do sistema patriarcalista é capaz de evidenciar a formação do Brasil e seus reflexos até os dias atuais. Diante de estrutura familiar patriarcal e papeis sexuais eram bem delineados: o homem tinha o poder indiscutível de decisão e proteger, como também, prover o sustento da família; a mulher cuidava do lar, marido e dos filhos. A conjuntura social tradicionalista enaltecia a figura masculina como o centro de obediência e submissão as ordens postas pela supremacia masculina, com raízes ostensivamente na construção da permanência de tal legado com vias históricas.
                  O alicerce da violência simbólica está presente nas estruturas que enaltecem o homem como ser superior, ocupando notório posicionamento na sociedade, política e família. A violência simbólica se traduz sem a utilização da força física, mas usa outros meios de imposição de normas, conceitos e padrões que de forma persuasiva, atinge psicologicamente tais vítimas. Como é o caso dos transexuais que são coagidos a se manterem disfarçados, para que a sociedade não os discrimine em razão da sua condição de trans.
                  A conceituação de gênero, observado pelo viés da proporção sociocultural, permite diferenciar homens e mulheres, com reflexo na relação com os processos de socialização, tornando nítido que ambos são produtos de realidade social adversa, que foi construída a partir de processos culturais e históricos diferenciados. Ademais, foi no bojo dos movimentos feministas e da crescente reivindicação, que provocou o movimento a fim de aflorar o desejo de aprofundar-se nos estudos no que tange o gênero.
               A transexualidade é caracterizada pela convicção de atribuições biológicas ao sexo oposto, o que leva o indivíduo a compreender sequência de modificações significativas, ou seja, uma construção de identidade social e corporal do gênero e sexo, objetivando o reconhecimento de sua condição atual na esfera social. A legislação brasileira por mais que tenha evoluído em aspectos de abranger a matéria de gênero, ainda se faz omissa em certos casos, principalmente no que concerne o direito de assegurar o transexual quanto a retificação no nome e sexo no registro civil, diante da ausência de lei especifica que trate sobre a questão e até mesmo, a diversidade de decisões favoráveis e desfavoráveis que assolam os tribunais brasileiros.
 
DIREITO DE PERSONALIDADE
                A necessidade do homem de unir-se em busca de melhoria no meio social é algo despertado desde os primórdios da humanidade. O ser humano tem a inevitabilidade da busca de associar-se uns aos outros, com a finalidade de melhorar o sustento guiado pelo extinto de sobrevivência. A individualização do nome é fator que garante a satisfação e a individualização do sujeito diante do grupo, mesmo após a morte, no qual o identifica na esfera pública e privada.
              A eminência da dignidade da pessoa humana é tutelada com a finalidade de garantir os demais direitos que são produto de garantias dispostas em tratados e convenções nas quais no Brasil é signatário. Nesse sentido, a paridade entre mulheres e homens no que tange a postulação maior que ressalta a não discriminação, contempla correlação com o que há disposto no Pacto de São José da Costa Rica de 1969, assim como elenca o artigo:
 
Artigo 1º - Obrigação de respeitar os direitos:
1. Os Estados-partes nesta Convenção comprometem-se a respeitar os direitos liberdades nela reconhecidos e a garantir seu livre e pleno exercício a toda pessoa que esteja sujeita à sua jurisdição, sem discriminação alguma, por motivo de raça, cor, sexo, idioma, religião, opiniões políticas ou de qualquer outra natureza, origem nacional ou social, posição econômica, nascimento ou qualquer outra condição social.
 
              A Constituição Federal de 1988 prevê em seu texto legal artigos que asseguram os direitos fundamentais de toda pessoa independentemente de cor, raça, credo, sexo, religião, etc. A carta magna em seu Título I, dos princípios fundamentais, no inciso III, art. 1º da Constituição, elenca o primeiro direito inerente a todo ser humano, que é a dignidade da pessoa humana, em forma de princípio constitucional que ademais será mais explanado, que diz (BRASIL, 1988):
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
(...)
III - a dignidade da pessoa humana;
 
                    A Constituição Federal do Brasil de 1988 consagra princípios fundamentais que devem ser apreciados como norma maior. Destarte, é preceito da máxima do Estado Democrático de Direito a obediência à dignidade da pessoa humana como valor pessoal e moral, bem como a proteção integral aos direitos de personalidade que abrange o arcabouço sui generis do indivíduo, em concordância com o artigo 5º, inciso X da Carta Magna.
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...)
X - São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; (BRASIL, 1988).
 
                O direito de possuir um nome é resultado da inserção da pessoa humana na esfera jurídica, razão no qual todo ser que nasce, aufere um nome para que possa ser distinguido diante dos outros. Via de regra, o nome é imutável, contudo há exceções no arcabouço jurídico que permite a retificação de nomes que possam ser jocosos à pessoa. Na visão de Gonçalves (2007, p. 120):
 
O aspecto individual consiste no direito ao nome, no poder reconhecido ao seu possuidor de por ele designar-se de reprimir abusos cometidos por terceiros. Preceitua, com efeito, o art. 16 do Código Civil que “toda pessoa tem direito ao nome, nele compreendidos o prenome e o sobrenome”. Esse direito abrange o de usá-lo e de defendê-lo contra usurpação, como no caso de direito autoral, e contra exposição ao ridículo. O uso desses direitos é protegido mediante ações, que podem ser propostas independentemente da ocorrência de dano material, bastando haja interesse moral.
                 O corpo é capaz de transcender a autodeterminação do indivíduo no tocante ao próprio corpo, legitimando assim a não violação e hostilização ao que atende a preservação da incolumidade física. Assim, o disposto no artigo 14 do Código Civil Brasileiro de 2002 dispõe:
 
Art. 14. É válida, com objetivo científico, ou altruístico, a disposição gratuita do próprio corpo, no todo ou em parte, para depois da morte. Parágrafo único. O ato de disposição pode ser livremente revogado a qualquer tempo.
 
               Pelo exposto, a conexão do indivíduo com o seu corpo é componente essencial no que tange a personificação do direito fundamental a intimidade, não sobrando espaço para hesitações, mas o respeito por decisão alheia.  Por ser um privilégio do rol da personalidade, no modo em que não representa apenas o reflexo da particularidade humana, entretanto é capaz de fazer parte dela.
 
 
LEI DOS REGISTROS PÚBLICOS
 
                O direito do nome por ser um elemento crucial na construção da identidade do indivíduo, analisando sob uma perspectiva fática é a identidade que representa o elo entre a autoafirmação da singularidade. No ordenamento jurídico brasileiro, a Lei de número 6.015 de 1973 versa sobre os Registros Públicos, e por ser uma lei primitiva, a mesma é capaz de recepcionar as alterações de acordo com a evolução da sociedade, na tentativa de se adequar ao tempo moderno frente às questões sociais vigentes.
Por se tratar da imutabilidade do nome, o mesmo enseja causa relativa, pois na circunstância que a legislação e as jurisprudências promovem a justificativa de que pode haver a alteração em casos peculiares. A motivação que é utilizada para que se possa dar propriedade no que tange ao pedido de retificação do nome, está calcada no artigo 55 da Lei dos Registros Públicos, qual seja:
 
Art. 55. Quando o declarante não indicar o nome completo, o oficial lançará adiante do prenome escolhido o nome do pai, e na falta, o da mãe, se forem conhecidos e não o impedir a condição de ilegitimidade, salvo reconhecimento no ato. (Renumerado do art. 56, pela Lei nº 6.216, de 1975).
Parágrafo único. Os oficiais do registro civil não registrarão prenomes suscetíveis de expor ao ridículo os seus portadores. Quando os pais não se conformarem com a recusa do oficial, este submeterá por escrito o caso, independente da cobrança de quaisquer emolumentos, à decisão do Juiz competente.
                  Diante da relativização do direito civil, a característica da imutabilidade perde força frente ao caso concreto e que no qual, o direito é tutelado e previsto na Lei dos Registros Públicos. De fato, no que tange a mutabilidade do nome pode encontra respaldo em decorrência da maioridade, a legitimação de apelido publicamente conhecido, o uso de nome comercial, bem como a adaptação do nome em razão do sexo.
 
 
               Em suma, a dignidade da pessoa humana está intimamente ligada ao perfil da própria identidade. Se o indivíduo é capaz de se autoconhecer e concomitantemente a sociedade enxergá-lo como o mesmo quer que seja visto, ou no mínimo respeitado. A mutação do nome encontra subsidio nos princípios basilares constitucionais da dignidade da pessoa humana, bem como a isonomia de tratamento social. Por motivo destes princípios, é possível vislumbrar a intervenção do Estado na vida privada da pessoa, no entanto, tal intervenção tem apenas o objetivo de formalizar e averbar a atual situação do indivíduo, conforme as previsões legais.
 
 
METODOLOGIA
 
               Para a elaboração do presente artigo, utilizamos informações inerentes sobre a temática abordada, como também fizemos uso de pesquisas e leituras de livros e sites que relatam melhor sobre o assunto exposto.
 
CONCLUSÃO
 
                Conclui-se que, a partir do que foi explanado, apesar da evolução constante do Judiciário brasileiro no que se refere a leis que protegem os direitos dos indivíduos, ainda há resquícios de resistência em proporcional tratamento igualitário e digno a todas as pessoas que compõe o meio social somado a suas diversas especificidades. Para que esta problemática chegue ao fim, é necessário que haja um efetivo cumprimento dos preceitos que estão dispostos na própria Constituição Federal de 1988, sendo necessário e justo ao transexual o poder de ajustar seu nome a sua atual realidade fática, protegendo assim o direito à vida e a bem estar social.
 
 
REFERÊNCIAS
 
BRASIL. Lei Nº 6.015, de 31 de Dezembro de 1973.Dispõe sobre os registros públicos, e dá outras providências. Disponível em: . Acesso em: 15 nov. 2018.
 
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9708.htm>.  Acesso em: 15 set. 2018.
 
BRASIL. Lei Nº 10.406, de 10 de Janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: . Acesso em: 15 nov. 2018.
 
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro – Parte geral. 4 ed., rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007, p.120.
 
MORAES, Alexandre. Direitos humanos fundamentais: teoria geral. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p.129.
 
Procuradoria Geral do Estado de São Paulo. Tratado Internacional. Disponível em: <http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/instrumentos/sanjose.htm>. Acesso em: 14 out.2018.

DOS CRIMES DE EXTORSÃO E SUAS SEMELHANÇAS. DO ARTIGO 158 Á 160 DO CÓDIGO PENAL.

Raylinne Oliveira Xavier.
(Estudante de Direito da Faculdade FSA)

RESUMO

O presente trabalho visa fazer uma explanação dos crimes de extorsão contidos no Código Penal. Quais sejam: Extorsão, art.158, do CP: Extorsão mediante sequestro, art.159, do CP: e Extorsão indireta, art.160, do CP. Primeiramente abordaremos detalhadamente cada um dos três crimes, para, após isso, conseguirmos compreender quais suas semelhanças, estas, por sua vez, será abordada na conclusão.

1.INTRODUÇÃO

Sabe-se que a principal função do Direito Penal é proteger os bens jurídicos mais importantes, um desses bens jurídicos consiste no patrimônio, e isso vem expresso no Titulo II do Código Penal. Nosso estudo abordará especificamente o Capitulo II em seus artigos 158 á 160, pois tratam do crime de extorsão e visa dirimir quaisquer dúvidas e esclarecer alguns pontos não entendidos sobre esses crimes, partindo do ponto de que existem três modalidades de extorsão e confusões entre as três espécies poderão surgir.

2.DESENVOLVIMENTO

2.1 EXTORSÃO. ART.158, DO CP

2.1.1 Conceito

O crime de extorsão consiste basicamente no fato do agente coagir a vitima a fazer, não fazer, não fazer, ou tolerar que se faça algo, mediante emprego de violência ou grave ameaça. Trata-se, pois de uma espécie de crime de constrangimento ilegal acrescido a uma finalidade especial e consubstancia-se na vontade de auferir vantagem econômica. Diferencia-se do crime de constrangimento ilegal, pela vontade de obter indevida vantagem econômica, porém se for devida a vantagem, configura-se o crime de exercício arbitrário das próprias razões. (art.345, do CP)
De acordo com Rogério Greco três são os elementos que integram o delito de extorsão, a saber: a) Constrangimento, constituído pela violência física (vis corporalis), ou grave ameaça (vis compulsiva), obrigando a vitima a fazer, tolerar que se faça ou deixar de fazer alguma coisa.
b) Especial fim de agir caracterizado pela finalidade do agente em obter indevida vantagem econômica para si ou para outrem

2.1.2 Objeto jurídico.

O objeto jurídico protegido é o patrimônio, podemos entender também que, secundariamente, a integridade física e a liberdade pessoal também são tutelados mesmo que de uma forma indireta.

2.1.3 Objeto material.

Tutela-se não só a coisa móvel ou imóvel objeto da extorsão, como também a pessoa contra a qual recai o crime.

2.1.4 Classificação doutrinaria.

O crime previsto no artigo 158 do Código Penal é um crime comum,de dano, doloso, formal, comissivo ou omissivo (se estiver presente a figura do garantidor), de forma livre, instantâneo, monossubjetivo, plurissubsistente, transeunte ou não transeunte.

2.1.5 Sujeito ativo.

Como se trata de crime comum qualquer pessoa pode ser sujeito ativo. Salientamos que se for funcionário público e exigir vantagem indevida em razão da função praticará o crime será de concussão. (art.316, do CP) Logo, se o crime for praticado sem violência ou grave ameaça restará confirmado o crime de concussão, porém se for praticado com violência ou grave ameaça restará configurado o crime de extorsão.

2.1.6 Sujeito passivo.

Por tratar-se de crime comum concluímos que a extorsão poderá ser praticado por qualquer pessoa.

2.1.7 Elemento subjetivo.

É o dolo, é necessário também um especial fim de agir consistente na intenção de obter vantagem econômica. O código não prevê modalidade culposa para este crime.

2.1.8 Momento consumativo.

Como se trata de crime formal ou crime de consumação antecipada, o tipo penal não exige a produção do resultado naturalístico para a consumação do crime embora seja possível a sua ocorrência. Basta que a vitima, constrangida  pelo emprego da violência ou grave ameaça, faça, tolere que se faça ou deixe de fazer alguma coisa para que o crime se consume ; não é exigido a obtenção da indevida vantagem econômica pelo agente. Nesse ínterim observa-se a súmula 96, do STJ “O crime de extorsão consuma-se independentemente da obtenção da vantagem econômica”.

2.1.9 Tentativa.

É perfeitamente admissível, haverá tentativa se, praticada a violência ou grave ameaça, a vitima não realizar o comportamento exigido pelo agente. A extorsão é crime formal e plurissubsistente, e, assim, comporta um iter criminis que pode não confirmar-se por circunstâncias alheias a vontade do agente, é necessário que para a configuração da tentativa que o meio de coação empregado seja capaz de intimidar e/ou constranger a vitima, de modo a levá-lo á realização do comportamento almejado pelo agente. Se inidôneo, não iremos falar em tentativa

2.1.9 Extorsão simples.

Vêm contida no caput, e prevê pena de reclusão, de 4 a 10 anos e multa.

2.1.10 Aumento de pena.

 Previsto no § 1º. Embora se trate de causa especial de aumento de pena, essa circunstância é impropriamente denominada extorsão ‘qualificada’, logo, é conhecida também como qualificadora. As qualificadoras são duas e aumentam a pena em até um terço, são elas:
I)                   Cometimento do crime por duas ou mais pessoas.
É necessário que os envolvidos sejam coagentes, e não meros participantes, ou seja, é exigido que hajam com o mesmo vinculo subjetivo, praticando,juntos, todos os atos executórios do crime.
II)                Com emprego de arma.
Pode ser tanto a arma própria, como imprópria. Apenas a demonstração de estar armado é suficiente. 

     2.1.11 Qualifica pelo resultado lesões corporais graves. Art.158, § 2,do CP.

A extorsão qualificada vem prevista no § 2, e aplica-se á ela o disposto no § 3 do art.157, ou seja, a mesma sanção (a pena passa a ser de 7 a 15 anos de reclusão, se resultar lesão corporal grave, em virtude da alteração promovida pela Lei n.9.426/96). Importante frisar que para incidir tal qualificadora é exigido que a lesão tenha sido ocasionada por circunstâncias do crime 

2.1.12 Qualificada pelo resultado morte. Art.158, § 2,do CP.

 Ao tipo de extorsão qualificada pelo resultado morte será aplicado o preceito sancionatório do latrocínio, ou seja, reclusão de 20 a 30 anos, sem prejuízo de multa , cumpre também informar  que a extorsão qualificada pelo resultado morte foi erigida á categoria de crime hediondo (art.1,III, da Lei n.8.072/90), e por se tratar de crime hediondo, o agente estará sujeito a todas as regras mais severas do art.2 da Lei n.8.072/90. 

sábado, 18 de agosto de 2018

A interpretação das lacunas no direito penal e processual penal


Matheus Barbosa Melo

Advogado criminal. Mestrando em direito penal pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Pós-graduado em direito empresarial pela Fundação Getúlio Vargas de São Paulo. Pós-graduado em direito penal e processo penal pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Pós-graduado em direito penal econômico pela faculdade de Coimbra em parceria com o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais
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INTRODUÇÃO

Embora o direito não seja um sistema jurídico, mas sim uma realidade, é importante compreender a realidade do direito de modo sistemático, já que a apresentação de modo sistema facilita o conhecimento e manejo pela criação do métodos que se aplicam. [1]
Assim sendo, convém ao jurista enxergar o direito sob uma perspectiva dinâmica. Isto porque, sendo a realidade social e o direito duas faces de uma mesma moeda, este último deve sempre acompanhar as relações humanas, “modificando-se e adaptando-se às novas exigências e necessidades da vida”[2].
Hodiernamente, o direito – visto como objeto científico de análise – é mutável de acordo com as transformações sociais correntes, por corolário, não é, necessariamente, o mesmo de ontem, nem tampouco será o direito de amanhã. Desta forma, o direito se “modifica e se adapta às novas exigências e necessidades da vida”[3], mesmo porque a realidade traz consigo novos fatos e novos conflitos, que provocam, nos legisladores, o ímpeto da criação legislativa, e, nos juízes, o surgimento de novos precedentes, com base nas alterações de pensamento sobre o ordenamento jurídico, sendo aproveitadas as margens interpretativas da lei.
Não obstante Hans Kelsen tenha proposto que o direito fosse estudado pela ciência do direito apenas sob o aspecto normativo, é indubitável que este famoso jurista não negava que nele coexistem os aspectos valorativos e fáticos, tal como propõe Miguel Reale em sua teoria tridimensional (fato, valor e norma)[4].
Estando o direito sujeito a constantes mudanças, sejam legislativas ou sociais, é imperioso admitir que os elementos do sistema jurídico devem ser coerentes entre si e, portanto, interdependentes, podendo sofrer com alguma incongruência ou dificuldade na medida em que, poder-se-á revelar a presença de antinomias ou lacunas jurídicas, sendo estas representadas por um estado de incompletude do sistema, enquanto àquela um conflito entre normas do próprio sistema.
Dentro desse panorama, o presente trabalho busca analisar o comportamento da lei penal em face aos métodos integrativos dispostos na lei de introdução às normas do Direito Brasileiro, em face às lacunas e seus métodos integrativos.

AS LACUNAS

De início, é importante saber o que é e se, de fato, existem lacunas no Direito. A essa questão, relaciona-se a própria noção concepção de direito, vez que a questão fundamental está em aferir se o ordenamento é uma ordem ilimitada ou não[5]. Assim, a divisão da ciência do direito acerca da existência ou não de lacunas está diretamente relacionada ao “problema lógico da completude ou da incompletude do sistema”[6]. Daí, então, podemos ver o referido problema através de dois lados diversos. Se, de um lado, considerarmos que o sistema jurídico é aberto e dinâmico, surgem necessariamente lacunas intrínsecas a qualquer ordenamento, ou, se, do outro, considerando um sistema jurídico fechado e estático, não seria admitido a existência de lacunas no direito, mas somente lacunas na aplicação do direito pelo juiz. Noutros termos, nas palavras de Maria Helena Diniz:
 “se se admitir a existência de lacunas, surgem os problemas de sua constatação e deu seu preenchimento, bem como o da legitimidade de seu uso, pois não se pode olvidar que os diferentes ordenamentos jurídicos os apresentam com facetas mais ou menos complexas, já que há os que, expressamente, determinam quais os instrumentos de constatação e de preenchimento das lacunas, como é o caso do brasileiro, e também os que são omissos a respeito, gerando uma lacuna de segundo grau pela falta de norma sobre essas questões, como, p. ex., ocorre com o direito alemão” [7].
Continua, ainda, a predita jurista, trazendo uma importante definição sobre as duas principais correntes doutrinárias:
“a que afirma, pura e simplesmente, a inexistência de lacunas, sustentando que o sistema jurídico forma um todo orgânico sempre bastante para disciplina todos os comportamentos humanos; e a que sustenta a existência de lacunas no sistema, que, por mais perfeito que seja, não pode prever todas as situações de fato que, constantemente, se transformam, acompanhando o ritmo instável da vida” [8].
A real verdade desse tema, no Brasil, é que, ao se analisar o próprio ordenamento jurídico brasileiro, já se admite a existência de lacunas, por meio do Decreto Lei no 4.657/42, com redação dada pela Lei no 12.376/10, que instituiu a Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro (“LINDB”), estabelecendo expressamente em seu artigo 4o, que “quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”.
Diante dessa constatação, é importante notar os principais aspectos de cada um dos meios colocados à disposição do aplicador do direito para efetuar o preenchimento de lacunas.
Primeiramente, a analogia, é a primeira opção dada ao aplicador que se encontra diante de uma lacuna. De acordo com a Maria Helena Diniz, a analogia “consiste em aplicar, a um caso não contemplado de modo direto ou especifico por uma norma jurídica, uma norma prevista para uma hipótese distinta, mas semelhante ao caso não contemplado”[9]. Assim sendo, a analogia é um procedimento lógico que abrange “a constatação (empírica), por comparação, de que há uma semelhança entre fatos-tipos diferentes e um juízo de valor que mostra a relevância das semelhanças sobre as diferenças”[10]. Para fins da analogia, o que é importante verificar, portanto, é se a coincidência entre o fato-tipo e o fato não previsto é suficiente, em termos valorativos, para justificar um tratamento jurídico idêntico.
Quanto aos costumes, nos termos do artigo 4o da LINDB, trata-se de uma opção secundária ao aplicador do direito, o qual somente poderá deles se socorrer quando se esgotarem todas as potencialidades legais para o preenchimento da lacuna. Em linhas gerais, costume é a prática reiterada e constante de um determinado ato com a convicção de sua necessidade jurídica. Vale dizer, como nos ensina Maria Helena Diniz, o costume decorre “da prática dos interessados, dos tribunais e dos jurisconsultos, seja secundum legem, praeter legem ou contra legem”[11].
A seu turno, os princípios gerais de direito são uma terceira fonte de socorro ao aplicador do direito, isto é, como assevera Diniz:
“quando a analogia e o costume falham no preenchimento da lacuna, o magistrado supre a deficiência da ordem jurídica, adotando princípios gerais de direito, que, às vezes, são cânones que não foram ditados, explicitamente, pelo elaborador da norma, mas que estão contidos de forma imanente no ordenamento jurídico”[12].
Por fim, a equidade, que só pode ser utilizada quando todos os outros meios integrativos mencionarem não forem suficientes para resolver o problema de aplicação proposto, daí, então, ao aplicador do direito, “é-lhe permitido, ainda, socorrer-se da equidade”[13]. Vale dizer, esgotados os recursos previstos no artigo 4o da LINDB, a equidade é o último apelo ao sentimento de justiça na concepção do aplicador, em face da regra do non liquet. Assim, quando a equidade é utilizada para resolver o conflito entre normas, ou mesmo para se suprir lacuna no caso concreto, ela serve como norte à descoberta do sentido da norma que, em última análise, será destinada a garantir liberdade humana, na busca pela justiça. Desse modo, cumpre esclarecer que Maria Helena Diniz encontra na legislação nacional, um vetor que conduz a uma interpretação para a resolução de conflitos de normas, que ela denomina “a lógica do razoável” e que está no artigo 5º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro:
 A lógica do razoável ajusta-se a solução das antinomias, ante o disposto no art. 5 da nossa Lei de Introdução as Normas do Direito Brasileiro, que prescreve que, na aplicação da lei, deverá atender-se ao fins sociais a que se dirige e às exigências do bem comum. O órgão judicante deverá verificar os resultados práticos que a aplicação da norma produziria em determinado caso concreto, pois, somente se esses resultados concordarem com os fins e valores que inspiram a norma, em que se funda, é que ela deverá ser aplicada. Assim, se produzir efeitos contraditórios às valorações e fins conforme os quais se modela a ordem jurídica, a norma, então, não deverá ser aplicada àquele caso. De modo que entre duas normas plenamente justificáveis deve-se opinar pela que permitir a aplicação do direito com sabedoria, justiça, prudência, eficiência e coerência com seus princípios. Na aplicação do direito deve haver flexibilidade do entendimento razoável do preceito e não a uniformidade lógica doo raciocínio matemático. O artigo 5 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, por fornecer critérios hermenêuticos assinalando o modo de aplicação e entendimento das normas, estendendo-se a toda ordenação jurídica, permite corrigir o conflito que se apresenta nas normas, adaptando a que for mais razoável à solução do caso concreto, constituindo uma válvula de segurança que possibilita avaliar a antinomia e a revolta dos fatos contra as normas”[14]
 Ou seja, segundo Maria Helena Diniz, deve-se verificar qual a consequência caso haja a aplicação de uma das normas, preferindo sempre, conforme acima mencionado, a aplicação do direito com “a coerência com seus princípios”.

AS LACUNAS NOS SISTEMAS PENAIS

Na concepção do ordenamento como um sistema dinâmico e aberto, surge a questão sobre saber se tal ordenamento está apto a prever todo comportamento possível e solucioná-lo.
Em matéria penal, Tércio Ferraz Sampaio Júnior, traz um clássico exemplo acerca dessa dinâmica no ordenamento, quando aborda a questão do furto de energia, nos seguintes termos:
O furto de energia elétrica que, quando passou a representar um problema para a ordem jurídica, não era configurado por nenhum tipo penal (que falava em furtar coisa móvel, não se enquadrando energia elétrica como tal, devendo, então, por força do princípio nullun crimin nulla poena sine lege, ser admitido como comportamento penalmente admissível).[15]
Nesse ponto, constatou-se a problemática como uma completude/incompletude do sistema jurídico normativo, o qual pôde ser, também, conhecido como um problema de lacunas no ordenamento, necessitando, pois, de uma análise resolutiva ao caso concreto.[16]
Como visto anteriormente, para analisar os casos de lacunas, o aplicador do direito deve estar atento ao artigo 4º. Assim, de maneira geral, pode acontecer que o magistrado, ao analisar determinado caso concreto, não encontre nenhuma norma jurídica apta a solucionar o problema suscitado e, mesmo assim, não poderá deixar de se pronunciar ante ao brocardo latino positivado do non liquet[17] (art. 140, CPC), como também não poderá utilizar de julgamento apenas com base na equidade, já que se trata de uma medida de exceção (art. 139, §Único, CPC). Ou seja, “se o juiz não pode invocar o a fórmula do non liquet, pode, entretanto, socorrer-se de processos de integração da norma jurídica, suprindo, então, as lacunas da lei[18].
Para o Direito Penal o problema se torna muito mais simples do que em face ao direito privado, pois, em homenagem ao princípio da legalidade[19] e seus derivados, ninguém pode ser acusado – e muito menos condenado – se não houver nenhum tipo penal taxativo que abarque a conduta reprovada, isto é, se não houver uma solução estritamente legal.
Não obstante as orientações traçadas pelo sistema penal, deve-se, sobretudo, diferenciar a análise com base no classificação jurídica da norma, isto é, se seria de direito material ou processual, já que o direito processual permite a possibilidade da utilização de instrumentos de integração, flexibilizando a legalidade, conforme previsto no art. 3º, do Código de Processo Penal, que assim assevera: “A lei processual penal admitirá interpretação extensiva e aplicação analógica, bem como suplemento dos princípios gerais do direito”. Noutros termos, segundo José Frederico Marques, se houverem lacunas processuais, deve-se recorrer a analogia e aos princípios gerais do direito, nos termos do artigo 3º do Código de Processo Penal.[20]
Especificamente, vamos analisar o efeito daqueles meios integrativos vistos no tópico anterior em âmbito penal.
No que tange a analogia, enquanto o direito processual penal a permite de forma desmedida, a situação do direito penal material, embora contenha uma vedação em face do princípio da legalidade, possui a exceção quanto à analogia in bonam partem[21], de modo que a analogia pode ser utilizada no direito penal, desde que beneficie o réu. Exemplo: Primeiro, considere, de um lado, o art. 128, II, CP,[22] hipótese de aborto humanitário ou sentimental (hipótese em que a gravidez é resultante de estupro), entende-se que fica permitido por lei que a gestante faça o aborto, desde que esteja presente seu consentimento, com a devida comunicação às autoridades policiais e a realização do procedimento seja feita por médico. Segundo, de outro, imagine-se que, numa cidade distante, onde não tem médico, uma parteira faça um aborto resultante de estupro. Nesta hipótese, poder-se-ia fazer uma analogia para beneficiar a ré que, ou seja, o magistrado pode isentar a parteira de responsabilidade, assim como ocorreria no caso do médico. Por outro lado, a analogia in malam partem – analogia que amplia o poder punitivo – antes mesmo do atual Código Penal[23], já era vedada, mesmo porque só o legislador (não o juiz), pode ampliar o catálogo de crimes inseridos nas leis penais. Afinal, a essência do direito penal é baseada na segurança dos tipos, da legalidade. Quando qualquer conduta, embora semelhante às já positivadas, não se enquadra aos tipos penais existentes, ela escapa ao alcance da justiça repressiva. Nessa linha, calha ressaltar que:
Escritores de prestígio excluem a exegese extensiva das leis penais, por serem estas excepcionais, isto é, derrogatórias do Direito comum; a outros se não afigura logicamente possível enquadrar em tal categoria um ramo inteiro da ciência jurídica. Para estes a razão da originalidade é outra; as disposições repressivas interpretam-se estritamente porque, além de serem preceitos de ordem pública, mandam fazer ou proíbem que se faça. Em geral as normas concernentes a determinadas função do interesse público ordenam ou vedam, a estas injunções ou proibições, destinadas a assegurar o equilíbrio social, aplicam-se no sentido exato; não se dilatam, nem restringem os seus termos. Permitttitur quod non prohibetur: “O que não está proibido, é permitido.” Admite-se a extensão quando as leis não são imperativas, nem proibitivas, mas indicativas, reguladoras, organizadoras; porque, nesse caso, não se interessam os fundamentos da ordem de coisas estabelecidas.[24] 
Sobre os costumes, podemos apenas abordar que ele funciona como influencia ao legislativo, isto é, tem pouca relevância na integração de normais penais, trata-se somente de uma força que motiva a criação de novas regras positivas, ou aperfeiçoamento da obra legislativa vigente, ou mesmo, de uma forma de se julgar conceitos mutáveis como honra, medicina religião entre outros.
Em relação aos princípios, podemos citar que o Direito Penal possui como máxima decaída o princípio geral de garantia da persecução penal que é o do in dubio pro reo, o qual pugna que, na dúvida, é salutar beneficiar o réu, trazendo a ilação mais simbólica deste ramo do direito que é, na dúvida, proteja-se o indivíduo do grande “Leviatã” Estatal.
Como um dos princípios tido como gerais do direito é o in dubio pro reo, jamais será necessário se recorrer à equidade em matéria penal, ou seja, não pode auxiliar na exegese de textos que cominam penas de qualquer natureza[25]

CONCLUSÃO

As leis de introdução às normas brasileiras flexibilizam ao aplicador do direito a utilização de meios integrativos, de modo que, com ela, se instituiu um sistema jurídico aberto no Brasil, cuja integração das normas pode ser feita por meio da analogia, dos costumes, dos princípios gerais do direito e da equidade.
Não obstante essa série de ferramentas fornecidas ao aplicador do direito, em matéria de direito criminal, existe um óbice muito grande à utilização desmedida desses meio de integração. Isso porque, como se viu, o direito penal se fundamenta, por excelência, no princípio da legalidade para reger a incriminação de alguém, de modo que, qualquer interpretação diversa que sirva para prejudicar a legalidade estrita deve ser extirpada do ordenamento.
Portanto, para o direito penal – o direito material propriamente dito – entendemos a importância dos casos de analogia in bonam partem, que devem ser preservados, dado a interpretação que favorece ao investigado ou acusado, isto é, apenas se admite analogia in bonam partem; jamais utilizar a analogia in malam partem, nem mesmo os costumes ou princípios gerais do direito. Quanto ao direito processual, na linha do que foi traçado por Frederico Marques, entendemos que apenas são admitidas analogias e princípios gerais do direito, sobretudo o princípio do in dubio pro reo, que é uma das principais garantias processuais penais no ordenamento.

REFERÊNCIAS

ACQUAVIVA. Marcus Cláudio. Dicionário Jurídico Brasileiro Acquaviva. São Paulo: Editora Jurídico Brasileira. 2000.
DINIZ, Maria Helena. As lacunas no Direito, São Paulo: Saraiva, 1997.
DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito. São Paulo: Saraiva, 2014.
DINIZ, Maria Helena. Conflito de Normas. São Paulo: Saraiva, 2014.
FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. São Paulo: Atlas. 2008.
Marques. José Frederico. Elementos de Direito Processual Penal. Revista e atualizada por Eduardo Reale Ferrari. Millennium. Volume I, 2003.
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. Rio de Janeiro: Forense. 2011,
REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. Ajustada ao novo código civil. São Paulo: Saraiva, 2002.
REALE JÚNIOR. Miguel. Instituições de direito penal. Rio de Janeiro: Forense. 2012.

[1] DINIZ, Maria Helena. Conflito de Normas. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 20-21.
[2] DINIZ, Maria Helena. Conflito de Normas. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 21.
[3] DINIZ, Maria Helena. Conflito de Normas. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 21.
[4] REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. Ajustada ao novo código civil. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 64 e seguintes.
[5] DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito. São Paulo: Saraiva. 2014, p. 464-465.
[6] DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito. São Paulo: Saraiva. 2014, p. 465.
[7] DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito. São Paulo: Saraiva. 2014, p. 465.
[8] DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito. São Paulo: Saraiva. 2014,p. 467.
[9] DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito. São Paulo: Saraiva. 2014, p. 480.
[10] DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito. São Paulo: Saraiva. 2014, p. 481.
[11] DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito. São Paulo: Saraiva. 2014, p. 489.
[12] DINIZ, Compêndio de introdução à ciência do direito, cit. p. 490.
[13] DINIZ, Compêndio de introdução à ciência do direito, cit. p. 497.
[14] DINIZ, Maria Helena. Conflito de Normas. São Paulo: Saraiva, 2014, p.71.
[15] FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direitotécnicadecisãodominação. São Paulo: Atlas. 2008, p. 185.
[16] FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direitotécnicadecisãodominação. São Paulo: Atlas. 2008, p. 185.
[17] Segundo o qual, quando o magistrado não encontra uma solução para o caso e se exime de solucioná-lo.
[18] ACQUAVIVA. Marcus Cláudio. Dicionário Jurídico Brasileiro Acquaviva. 11. ed. amp., rev., e atual. São Paulo: Editora Jurídico Brasileira. 2000, p. 811.
[19] Vide. Cf e art. 1º, do Código Penal.
[20] Marques. José Frederico. Elementos de Direito Processual Penal. Revista e atualizada por Eduardo Reale Ferrari. Millennium. Volume I, 2003. p. 40
[21] REALE JÚNIOR. Miguel. Instituições de direito penal. Rio de Janeiro: Forense. 2012, p. 94.
[22]  Art. 128 - Não se pune o aborto praticado por médico:
[...]
 II - se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.
[23] Vide alínea do artigo 1º do Código Penal de 1890.
[24] MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 20. ed. Rio de Janeiro: Forense. 2011, p. 265.
[25] MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 20. ed. Rio de Janeiro: Forense. 2011, p. 265.