terça-feira, 26 de julho de 2016

Aspectos contratuais da cirurgia plástica estética

O presente trabalho tratará dos aspectos contratuais de uma cirurgia plástica estética. Sob a ótica da bioética, questiona quais os limites de um contrato de cirurgia estética, visto que se trata do próprio corpo do paciente.
  • Os diferentes tipos de cirurgia
Inicialmente, cumpre distinguir os procedimentos cirúrgicos. A cirurgia, no sentido amplo, tem por objetivo a reconstituição de uma parte do corpo humano por razões médicas ou estéticas. Uma cirurgia pode se enquadrar como: eletiva, de urgência, de emergência, curativa, paliativa, diagnóstica, reparadora e plástica (estética ou reparadora); de grande, médio ou pequeno porte. A abordagem a ser realizada será feita exclusivamente sobre a cirurgia plástica estética, que é feita com objetivo de realizar melhoras à aparência do paciente. A pessoa quando se submete a tal intervenção cirúrgica não a faz com intenção ou propósito de obter alguma melhora em seu estado de saúde, mas sim para melhorar algum aspecto físico que não lhe agrada. Ou seja, situações que não lhe causam prejuízo da ordem funcional, mas sim de ordem psicológica.
  • Quais são os limites contratuais da cirurgia plástica estética?
Muito se discute sobre os limites contratuais dessas intervenções cirúrgicas, a satisfação psicológica do paciente ao realizar um procedimento estético não pode prejudicar sua saúde, cabendo ao médico ponderar, de maneira razoável, utilizando-se de bases científicas para tomar a decisão do que deve e não deve ser feito no corpo do paciente. Essa é uma especifidade da cirúrgica estética plástica, que se diferencia de uma cirurgia reparadora, por exemplo, a qual tem como objetivo corrigir lesões deformantes, defeitos congênitos ou adquiridos e é considerada tão necessária quanto qualquer outra intervenção cirúrgica.
  • Cuidados e medidas que deverão ser tomadas pelo paciente antes da cirurgia
Normalmente, as clínicas especializadas em cirurgia estética possuem sistemas tecnológicos capazes de simular os resultados das cirurgias. Através destes equipamentos, o cirurgião consegue, utilizando-se de foto atual do paciente, gerar uma imagem de como a pessoa ficaria após a cirurgia. A conduta ética diante de tais circunstâncias seria o esclarecimento de que aquelas imagens na tela do computador tratam-se de uma mera possibilidade, e não um resultado certo e garantido.
  • A importância da elaboração do contrato com a descrição dos objetivos da operação
Para dirimir tais divergências, ao contratar os serviços de um cirurgião plástico, deve-se exigir a elaboração de um contrato e orçamento, onde serão minuciosamente descritos os objetivos da operação, o gasto com internação, o valor dos honorários, a forma de pagamento e a validade da proposta. Ocorre, não raramente, de o resultado final não corresponder àquele vislumbrado na tela do computador e prometido ao paciente.
  • E se o resultado não for como o esperado? Como o paciente pode proceder?
Tal resultado pode muito bem não ser propriamente desagradável; pode mesmo corresponder a uma melhoria com relação ao estado inicial do paciente, mesmo assim, não é o que foi acordado, não é o que foi adquirido e pelo que foi pago. Assim, de acordo com os artigos 39 e 40, ambos do CDC, e artigos 46 e 90, do Código de Ética Médica, se após a cirurgia a paciente notar que o resultado não atingiu o fim esperado, foi mal feito ou lhe causou danos estéticos, a solução é pugnar pelo reembolso das despesas que teve; o custeio de uma nova cirurgia e a indenização por danos estéticos.
  • Enfim, como evitar transtornos quando for realizar uma cirurgia plástica estética?
Assim, no sentido de evitar ao máximo os mencionados dissabores por parte dos pacientes, cumpre aos médicos elaborarem um documento denominado Termo de Consentimento Informado Livre e Esclarecido, uma vez que o paciente deve possuir liberdade de escolha, dentre as possíveis opções de tratamento. E essa autonomia decorre do correto adimplemento do dever de informar.

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Impossibilidade de revisão de aposentadoria por invalidez concedida judicialmente

Medida provisória nº 739, de 07 de julho de 2016. 

O artigo discute a impossibilidade de reavaliação das condições que autorizaram a concessão judicial de aposentadoria por invalidez quando a incapacidade verificada em juízo foi parcial e o judiciário fez a concessão observando as condições sociais e pessoais do segurado.

O governo  fez publicar a MEDIDA PROVISÓRIA Nº 739, DE 7 DE JULHO DE 2016,  que faz alterar a Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, e instituiu o Bônus Especial de Desempenho Institucional por Perícia Médica em Benefícios por Incapacidade.
O artigo 1º da MP faz alterar o § 4.º do artigo 43 da Lei n. º 8.213/91 e traz a possibilidade de o INSS promover convocação em massa para reavaliação dos benefícios de auxílio-doença e de aposentadoria por invalidez previdenciária.
§ 4º  O segurado aposentado por invalidez poderá ser convocado a qualquer momento para avaliação das condições que ensejaram o afastamento ou a aposentadoria, concedida judicial ou administrativamente, observado o disposto no art. 101. (NR)
 E se diz convocação em massa porque a exposição de motivo da Medida Provisória mostra isto de forma clara e  a legislação que antes vigia já trazia a obrigatoriedade de o segurado, aposentado por invalidez, submeter-se, periodicamente, a exames médicos, a cargo da Previdência Social, a fim de que seja verificado se a situação de incapacidade/invalidez continua (art. 101 da Lei nº 8.213/91).
Embora haja outras sandices na MP, como a instituição de Bônus Especial de Desempenho Institucional por Perícia Médica em Benefícios por Incapacidade - BESP-PMBI, com o intuito de estimular os peritos a procederem a reavaliação  dos benefícios por incapacidade mantidos sem perícia pelo INSS há mais de dois anos contados a partir da publicação da MP, a estipulação de prazo para a concessão de auxílio-doença e a reabilitação profissional para qualquer atividade que “garanta a subsistência”, o presente texto se limita a uma rápida digressão acerca do artigo 1º da MP que alterou o § 4.º do artigo 43 da Lei n.º 8.213/91.
aposentadoria por invalidez conforme a dicção do artigo 42 da Lei n.º 8.213/91  é  concedida ao segurado que, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência, e ser-lhe-á paga enquanto permanecer nesta condição. A incapacidade deve ser para qualquer atividade e de forma permanente.
Art. 42. A aposentadoria por invalidez, uma vez cumprida, quando for o caso, a carência exigida, será devida ao segurado que, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência, e ser-lhe-á paga enquanto permanecer nesta condição.
Como se observa da redação artigo 1º da MP 937,  a reavaliação das condições que deram origem  à aposentadoria por invalidez é independente se esta foi concedida administrativamente ou judicialmente.
Interessante será observar como o judiciário vai reagir diante de o perito do INSS vir a considerar que as condições que deram origem ao benefício judicialmente não estejam mais presentes e sugerir que  o benefício seja cessado.
E não é somente a questão da ingerência entre um poder e outro, uma vez que, em tese, havendo legislação autorizativa, o executivo pode implantar política de atuação que tenha reflexo na decisão do judiciário.
Ainda mais quando nesse tipo de ação, em que a concessão judicial é de benefício previdenciário em razão da invalidez, a coisa julgada é do tipo rebus sic stantibus, e sua manutenção somente ocorre enquanto as coisas permanecerem do modo que estão.
A questão é mais profunda.
Como é de conhecimento do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, que possui a competência para interpretar a legislação federal, tem jurisprudência pacífica no sentido de que a incapacidade que autoriza o recebimento da aposentadoria por invalidez não decorre somente da incapacidade física, ou seja, aquela avaliada por critérios médicos (impossibilidade do desempenho das funções específicas de uma atividade em virtude de alterações morfopsicofisiológicas provocadas por doença ou acidente), mas devendo se levar em consideração os aspectos socioculturais e pessoais do postulante.
Dessa forma, ainda que a incapacidade verificada, sendo permanente, seja apenas parcial, é possível a concessão da aposentadoria por invalidez.
"[...]  a  jurisprudência  humanista  do  Superior  Tribunal de Justiça tem acentuado que a concessão da aposentadoria por invalidez deve  considerar,  além  dos elementos previstos no artigo 42 da Lei 8.213/1991,  os  aspectos socioeconômicos, profissionais e culturais do  segurado, ainda que o laudo pericial apenas tenha concluído pelasua incapacidade parcial para o trabalho".
(REsp 1475512/MG, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 15/12/2015, DJe 18/12/2015)
“A concessão da aposentadoria por invalidez deve considerar, além dos elementos previstos no art. 42 da Lei  8.213/91, os aspectos socioeconômicos, profissionais e culturais da segurada, ainda que o laudo pericial apenas tenha concluído pela sua incapacidade parcial para o trabalho. Precedentes.
(REsp 1568259/SP, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 24/11/2015, DJe 01/12/2015)
Essa orientação é antiga no STJ. E por isso todos os órgãos julgadores do País vêm concedendo aposentadoria por invalidez com base nessa diretriz.
Inclusive a TURMA NACIONAL DE UNIFORMIZAÇÃO  tem súmula nesse sentido, que é a SÚMULA n.º 47  que possui o seguinte enunciado:
Uma vez reconhecida a incapacidade parcial para o trabalho, o juiz deve analisar as condições pessoais e sociais do segurado para a concessão de aposentadoria por invalidez.”
Em nosso entender, nos casos de concessão judicial de aposentadoria por invalidez, quando a concessão judicial se deu ainda quando a incapacidade verificada foi apenas parcial, o INSS está impedido de  realizar revisão administrativa nesses benefícios, através de seus peritos, agora bonificados.
Evidente que o perito revisor irá detectar a mesma incapacidade judicialmente verificada, ou seja, a incapacidade que, embora definitiva, é meramente parcial.
Mas, por mais bonificados que sejam os peritos, estes jamais terão condição de avaliar se aquelas condições (idade, histórico profissional, condição cultural etc.) que o  Poder Judiciário vislumbrou para conceder a aposentadoria por invalidez já não mais estejam presentes.
Daí, caso o perito revisor venha sugerir a cessação do benefício, vai praticar  puro desacato à autoridade da decisão judicial, remediável através de Mandado de Segurança.
Tal orientação deve valer inclusive para as pessoas portadores do vírus HIV e que sejam titulares da aposentadoria por invalidez. Isso porque existe Súmula, no caso a  SÚMULA n.º 78 da TURMA NACIONAL DE UNIFORMIZAÇÃO, com o seguinte enunciado:
Comprovado que o requerente de benefício é portador do vírus HIV, cabe ao julgador verificar as condições pessoais, sociais, econômicas e culturais, de forma a analisar a incapacidade em sentido amplo, em face da elevada estigmatização social da doença.
Como se observa, nos casos de concessão judicial em que  esta concessão tem um componente diverso da pura dicção do artigo 42 da Lei n.º 8.213/91, a Medida Provisória 739, de 07 de julho de 2016, não possui legitimidade para proceder a revisão com vista a cessação do benefício.
É o que se espera do Judiciário.

Ausência de diagnóstico completo caracteriza erro médico decorrente da teoria da perda de uma chance

Deve o médico cercar-se de todos os procedimentos para diagnosticar o paciente de forma completa

Verificando o paciente a ocorrência de danos não observados pelo médico quando da intervenção e sobrevindo agravamento da situação em qualquer proporção, poderá valer-se da teoria da perda de uma chance e requerer a responsabilização e devida indenização a título de danos morais e materiais.
Ao procurar o serviço médico, o paciente acredita que seu estado de saúde será amplamente diagnosticado e tratado.
Dessa premissa, extrai-se a conclusão que, após a consulta médica, sobrevindo mazela preexistente à época do atendimento e não diagnosticada naquela oportunidade, sobrevindo danos ao paciente que poderiam, em tese, ter seus efeitos minimizados pelo tempestivo tratamento, responderá o médico com fundamento na teoria da perda de uma chance.
Significa dizer que, ainda que não seja possível concluir com absoluta certeza pela eficácia do tratamento dispensado concomitantemente com o atendimento, haveria, ainda que remota, a possibilidade de êxito decorrente do tratamento dispensado.
Em que pese a impossibilidade de comprovar um nexo de causalidade entre a conduta e o dano, acaso demonstre-se o profissional médico que vier a deixar de empreender todas as diligências possíveis para minimizar a possibilidade de ocorrência do evento danoso, incorre no dever de indenizar.
Segundo Sérgio Savi, fazendo uma tradução livre dos ensinamentos do italiano Adriano de Cupis[1]
“A vitória é absolutamente incerta, mas a possibilidade de vitória, que o credor pretendeu garantir, já existe, talvez em reduzidas proporções, no momento em que se verifica o fato em função do qual ela é excluída: de modo que se está em presença não é de um lucro cessante em razão da impedida futura vitória, mas de um dano emergente em razão da atual possibilidade de vitória que restou frustrada”
E prossegue, dizendo, à luz do entendimento de De Cupis que a chance de vitória, por certo, sempre terá valor menor que a vitória futura, o que se reflete no montante da indenização, tanto que nem todos os casos de perda de chance são indenizáveis. Citando o também italiano Bocchiola[2], refere que se trabalha com um juízo de probabilidade, já que “o provável e o aleatório, apesar de conceitos absolutamente distintos e quase contrapostos, não são sempre bem definidos em seus limites”, não sendo problema de natureza, mas de graduação.
E assim menciona para justificar a inserção da indenização por perda de uma chance como danos emergentes, e não lucros cessantes, pois nestes se têm a certeza do dano, ou do resultado, e na chance se têm a probabilidade, já que a demonstração do resultado efetivo que se obteria coma conduta imputada é indemonstrável.
Contudo, a confusão classificatória, tanto na doutrina como na jurisprudência brasileiras persistem, como menciona Sérgio Savi, não sendo poucos os julgados que muitas vezes aplicam a teoria mais como um agregador do dano moral.
Em se tratando de aplicação na área médica, segundo doutrina italiana, no pensamento de Bochiola, há que se atentar que a chance preexista, sem que se possa ter certeza do resultado favorável, no caso, a cura, ou do desfavorável, no caso o dano efetivamente sofrido pelo paciente decorrente da ausência do diagnóstico prévio.
No direito brasileiro, a aplicação da teoria, francesa por nascimento, e em cuja escola tem se norteado seus defensores, têm encontrado mais e mais adeptos e seguidores, inclusive na jurisprudência, tendo sido os gaúchos novamente percussores.
De voto proferido pelo Ministro Ruy Rosado de Aguiar Junior[3], conquanto vencido em outros aspectos, extrai-se os ensinamentos de Geneviéve Viney, arguta defensora da responsabilização:
“(...)o caráter futuro do dano não se constitui em empecilho para que se admitia a responsabilidade civil, sendo comum nos casos de danos contínuos, como na indenização por incapacidade física, ou por morte do obrigado a prestar alimentos, etc. A oportunidade, a chance de obter uma situação futura é uma realidade concreto, ainda que não seja o seja concretização dessa perspectiva; é um fato do mundo, um dado da realidade, tanto que o bilhe de loteria tem valor, o próprio seguro repousa sobre a ideia de chance. A dificuldade de sua avaliação não é maior que avaliar o dano moral pela morte de um filho, ou o dote devido à mulher agravada em sua honra (Art. 1548 do CC). É preciso, porém, estabelecer linhas limitadores: a chance deve ser real e séria; o lesado estar efetivamente em condições pessoais de concorrer à situação futura esperada; deve haver proximidade de tempo entre a ação do agente e o momento em que seria realizado oto futuro; a reparação deve necessariamente ser menor do que o valor da vantagem perdida (Viney, Geneviéve, La responsabilité, in Traité de Droit Civil, Jacques Ghestin, LGDJ, 1982, 341 e seguintes).
A respeito da aplicação da teoria, atente-se à doutrina de Silvio de Salvo Venosa:
Quando vem a baila o conceito de chance, estamos em face de situações nas quais há um processo que propicia uma oportunidade de ganhos a uma pessoa no futuro. Na perda da chance ocorre a frustração na percepção desses ganhos. A indenização deverá fazer uma projeção dessas perdas, desde o momento do ato ou fato jurídico que lhe deu causa até um determinado tempo que pode ser uma certa idade para avítima, um certo fato ou a data da morte. Nessas hipóteses, a perda da oportunidade constitui efetiva perda patrimonial e não mera expectativa. O grau de probabilidade é que fará concluir pelo montante da indenização (Noronha, 2003:666)[4].
Sobre o nexo de causalidade na responsabilidade civil, a teoria acolhida em nosso país é a causalidade adequada, a teor do que dispões o art. 403 do Código Civil, in verbis: “Ainda que a inexecução resulte dolo do devedor, as perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato”. Ressalta-se, no ponto, que “efeito direto e imediato” não indica necessariamente a causa temporalmente mais ligada ao evento, mas sim a mais direta, a mais adequada a produzir concretamente o resultado danoso. Logo, no âmbito da responsabilidade civil, nem todas as condições que contribuíram para o evento são equivalentes, (como ocorre com a responsabilidade penal), mas somente aquela que foi a mais idônea a produzir o resultado. Por aplicação do artigo 402, do CC, firmado o princípio da reparação integral, não há como se negar a inclusão da reparabilidade dos danos emergentes, assim se qualificando, segundo a doutrina majoritária os danos decorrentes da perda de uma chance.
Judith Marins-Costa[5], que admite a aplicação da teoria também nos caso de responsabilidade civil médica, não vislumbrando óbice na leitura do dispositivo citado, em comentários ao art. 403, do CC, assim se posiciona:
“Embora a realização da chance nunca seja certa, a perda de uma chance pode ser certa. Por estes motivos não vemos óbice à aplicação criteriosa da teoria. O que o art. 403 afasta é o dano meramente hipotético, mas se a vítima provar a adequação do nexo causal entre a ação culposa e ilícita do lesante e o dano sofrido (a perda da probabilidade séria e real), configurados estarão os pressupostos do dever de indenizar.”
Coadunando com esse entendimento, Rafael da Silva, posiciona-se de maneira coesa e contundente.
Miguel Kfouri Neto, traz lições específicas a despeito da valoração dos danos, sempre por arbitramento e em consonância com a doutrina de Judith Martins-Costa com arrimo nos ensinamentos de Araken de Assis[6].
Resta, por fim, evidenciado os fundamentos da responsabilização do profissional médico decorrente de diagnóstico defeituoso ou incompleto, capaz de evidenciar desídia e retirar do paciente a possibilidade de cura, sendo certo que a postergação do tratamento, eleva sobremaneira as chances de insucesso.
Note-se, não se trata da certeza pela cura mas as chances que advêm do tratamento oportuno. Sua inobservância, como de fato o é, somente será capaz de causar danos acaso sobrevenha complicações, não havendo que se falar em responsabilização quando não sobrevenha qualquer prejuízo ao paciente, ainda que que tenha constatada a negligência no atendimento precoce.
Estaríamos nessa circunstância constatando evidente ausência de elementar caraterística do nexo de causalidade (conduta e resultado). 
Concluímos, à toda evidência, deverá o profissional médico empreender todos os recursos disponíveis na busca do completo diagnóstico do paciente, ainda que não depare com queixas específicas, o dever de exaurir qualquer possibilidade de danos futuros deve ser empreendida e, se o caso, tratada.
Verificando o paciente a ocorrência de danos não observados pelo médico quando da intervenção e sobrevindo agravamento da situação em qualquer proporção, poderá valer-se da teoria da perda de uma chance e requerer a responsabilização e devida indenização a título de danos morais e materiais.

NOTAS

[1] SAVI, Sérgio. Responsabilidade civil por perda de uma chance. São Paulo: Atlas, 2006. p. 11.
[2] SAVI, Sérgio. Op. Cit. P.14.
[3] REsp 57.529, STJ, 19/11/95
[4] VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito CivilResponsabilidade Civil. 5 edição. São Paulo: Atlas, vol. 4. P. 41/42.
[5] MARTINS-COSTA, Judith. Comentários ao Novo Código Civil, v. V, tomo II: Do inadimplemento das obrigações, coord. Sálvio de Figueiredo Teixeira, Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 362.
[6] MARTINS-COSTA, Judith. Os danos à pessoa no direito brasileiro e a natureza de sua reparação, in A reconstrução do Direito Privado, São Paulo, RT, 2002,  p. 35.


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Evolução histórica do conceito de família e de guarda

O presente artigo expõe um breve histórico do conceito de família e de guarda, analisando a evolução destes institutos ao longo da história no Brasil e no mundo.

1.            INTRODUÇÃO
A família constitui a base da sociedade, portanto, tudo que está relacionado ao seu desenvolvimento, manutenção, perpetuação ou dissolução, tem especial proteção do Estado. Isso ocorre porque o próprio Estado, uma vez alicerçado na família, depende dela para se desenvolver de forma equilibrada.
O Direito, enquanto ciência, caminha no compasso das constantes mudanças pelas quais passa uma sociedade sempre em metamorfose, mudanças estas que alcançam também o núcleo familiar. Não seria possível para o Direito ignorar o crescente número de rupturas familiares ocasionadas pelo divórcio, pois este pode trazer consequências graves para os filhos menores e também para os pais, na medida em que afeta o exercício do poder parental.
Frequentemente, o divórcio ocasiona feridas e mágoas profundas nos ex-cônjuges, que estabelecem uma guerra velada entre si e, não raro, utilizam-se dos filhos menores como armas para ferir um ao outro. É nesse contexto que acontece a alienação parental, caracterizada pela influência que um dos pais exerce sobre o filho no sentido de fazê-lo rejeitar o seu ex-cônjuge. A criança, então, passa a substituir os sentimentos antes de afeto, segurança e amor por seu pai/sua mãe, por rejeição, desprezo, mágoa, e até mesmo ódio.
É neste quadro que muitas e enormes perdas podem ser percebidas: perde a criança a segurança e alegria de crescer rodeada pelo amor, cuidado e pela presença de ambos os pais; perde o alienador, pois priva seu filho de crescer física e emocionalmente pleno; e perde o alienado, pois deixa de participar ativamente da vida de seu filho, e vê tolhido o exercício do seu poder parental. 
Foi neste contexto que, primando pelos princípios do Melhor Interesse do Menor e do Direito do Menor à Convivência Familiar, foi editada a Lei 13.058/2014, que regula a Guarda Compartilhada obrigatória.
Tal Lei possibilita uma relação familiar saudável mesmo após a ruptura ocasionada pelo divórcio, uma vez que proporciona à criança a oportunidade de conviver com seus pais de maneira equilibrada, tendo ambos – pai e mãe, o pleno exercício do poder parental de forma prática, pois os dispositivos da Lei 13.058/2014 estabelecem os parâmetros pelos quais deve se orientar a guarda compartilhada física dos filhos menores.
A Lei 13.058/2014 é um instrumento eficaz contra a alienação parental à medida em que  determina de forma clara a obrigatoriedade que tem ambos os pais na participação ativa na vida de seus filhos menores, não podendo tal direito ser prejudicado, a não ser por decisão judicial fundamentada.
2.            EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO CONCEITO DE FAMÍLIA E DE GUARDA
2.1         Breve histórico acerca da família
O homem é um animal naturalmente social, por isso está sempre em busca de convivência e socialização em grupos, e se une aos seus semelhantes à medida que os interesses e afinidades são comuns.
A família é o grupo social primário, e constitui unidade básica de formação da sociedade.
O conceito de família, porém não tem sido o mesmo ao longos dos tempos, ele é mutável, e deve ser estudado e interpretado no contexto histórico de determinada sociedade, em determinada época. (MADALENO; MADALENO, 2015)
A noção atual de família é diferente da que predominava nas antigas civilizações, e está em constante transição, uma vez que este conceito muda à medida que o homem muda a maneira como se relaciona com seus pares. (MADALENO; MADALENO, 2015)
O principal modelo de família que se conhece atualmente é aquele que se origina a partir da filiação, ou seja, a família se forma a partir da procedência, da relação que une uma pessoa àquelas que a geraram. A filiação pode ser interpretada por sua configuração natural, quando a criança é oriunda do material genético dos pais, por sua configuração afetiva, quando pais que não participaram do material genético da criança assumem a responsabilidade por sua criação. (MADALENO, 2015)
Mas nem sempre foi este o modo de formação da família. Na sociedade primitiva, o critério de formação das famílias era a segurança que aquele grupo de pessoas poderia oferecer, e não necessariamente a consanguinidade. Numa realidade em que a exposição aos agentes da natureza era excessiva, importava unir-se em prol da sobrevivência mútua. O surgimento da agricultura levou essas comunidades a experimentarem maior convivência familiar, pois foi possível abandonar o nomadismo e passar a viver fixamente em um só local. (MADALENO, 2015)
Na Roma Antiga, a família passou a ser essencialmente patriarcal, o pater famílias era o dono de toda a propriedade , e todos os membros da família estavam sob o domínio de sua patria potestas independentemente de sua idade, ou estado civil. Neste contexto histórico, os demais componentes da família não tinham sequer personalidade jurídica, e até mesmo os escravos e os agregados eram considerados parte da família do pater – que chegava a ser demasiadamente numerosa, e seu domínio era pleno: ele era detentor de total autoridade sobre todos os membros de sua família, bem como era o único proprietário de toda a propriedade por ela ocupada. Ele era responsável pela disciplina de todos os que habitavam em suas dependências, e a ela se sujeitavam seus filhos e noras, sua esposa, ao escravos e agregados, e todos os que chegavam às suas terras em busca de abrigo e proteção. Ele tinha poderes também para além dos limites de sua propriedade, pois era representante político e religioso de sua família, sendo responsável também por administrar a família enquanto célula importante na formação e sustentação do Estado, e pela condução da religião dentro do lar. (MADALENO; MADALENO, 2015)
Conforme leciona J.M.O  Nogueira (apud MADALENO, p.22):
Esse culto não era público, todas as cerimônias eram celebradas apenas entre os familiares e possuía um caráter obrigatório, além de secreto. Ninguém que não fosse da família podia presenciar tais ritos, nem tampouco avistar o fogo sagrado. (...) A religião doméstica – baseada no culto aos mortos ao determinar a existência, em cada casa, de um lar com o fogo sagrado sempre aceso, e a reunião diária da família em torno dele para adoração aos seus deuses, demonstra que o que caracteriza a família é a possibilidade de cultuar e adorar os mesmos deuses, sob o princípio da autoridade paterna. (...) O critério predominante na determinação do parentesco não era, portanto, a consanguinidade, mas a sujeição ao mesmo culto, a adoração aos mesmos deuses-lares, a submissão ao mesmo pater familias. Dessa feita, a família, ou gens era um grupo mais ou menos  numeroso subordinado a um único chefe, o pater familias, cujo poder ilimitado era concedido pela religião.
O pátrio poder não era necessariamente exercido pelo pai, pois podia ser privilégio do avô, ou do filho mais velho. O poder era tão abrangente, que ao pater era facultado decidir sobre a vida ou morte de um filho, caso este nascesse com alguma deficiência, ou lhe causasse qualquer tipo de vergonha ou desonra. (MADALENO, 2015)
Até então, era comum o casamento endogâmico, que se caracterizava pelo casamento entre pessoas da mesma família; foi no contexto da civilização romana que se verificou a transição do casamento endogâmico para o casamento exogâmico – aquele realizado entre grupos diversos, que não tinham parentesco entre si.  Isto se deu em virtude do surgimento da gens, “(...) em que o nome era o elo entre seus integrantes – os gentiles, ou a família gentílica, sendo eles descendentes de um só antepassado comum” (MADALENO, 2015, p.16), e também porque se percebeu as vantagens do casamento entre pessoas que não tinham parentesco entre si. (MADALENO; MADALENO, 2015)
A influência da religião cristã, que posteriormente tornou-se a religião oficial de Roma, mitigou o poder do pater, pois influenciou a sociedade com seus pilares de igualdade entre os cônjuges, e deveres e direitos imanentes tanto aos pais quanto às mães. (MADALENO; MADALENO, 2015)
Os ensinamentos da igreja ocasionaram significativa mudança na configuração da família, que passou a ser nuclear, formada por pai, mãe e filhos, o Estado aumentou sua intervenção na relação familiar, o casamento se tornou indissolúvel, e o sexo tornou-se algo restrito somente à finalidade de procriação. (MADALENO; MADALENO, 2015)
Com o surgimento do Iluminismo e com a Revolução Francesa, passou-se a questionar a hierarquia familiar e os sentimentos que permeavam as relações dentro do lar. Rousseou fomentou a ideia de que o vínculo familiar deveria ser mantido somente em razão do afeto nutrido entre seus membros, uma ideia até então inconcebível. (MADALENO, 2015)
A partir de então, os casamentos passaram a não ser mais combinados em função de fatores econômicos e políticos, mas começaram a ser fruto da escolha dos cônjuges, baseados no afeto que estes nutriam um pelo outro. (MADALENO, 2015)
Em virtude da Revolução Industrial, houve aumento na necessidade de mão-de-obra, e as mulheres ingressaram no mercado de trabalho, passando assim a contribuir com sustento do lar. O homem deixou de ser a única fonte de subsistência da família, e tal mudança marcou o início da ruptura com o modelo patriarcal. É nesta época que surgem as escolas particulares, e também as primeiras sociedades protetoras da criança – que até então não eram tratadas de forma digna, pois eram criadas pelas amas de leite até os 6 anos, e depois eram enviadas para conventos (no caso das meninas) ou internatos (no caso dos meninos).  (MADALENO, 2015)
A família deixou os campos, migrou para a cidade e passou a conviver em propriedades menores, o que aumentou o convívio e o contato dos familiares entre si. Os laços de afeto passaram a ser relevantes não só no momento do casamento, mas também no decorrer do matrimônio e no relacionamento dos pais com os filhos. (DIAS, 2016)
A revolução sexual de 1960 foi também um grande marco na alteração da configuração das famílias, conforme leciona Madaleno:
Outra grande contribuição para a transformação das relações familiares foi a revolução sexual de 1960, em que os jovens se rebelaram contra os períodos de guerra passados na sua infância e pela juventude roubada da geração anterior. Essa gênese se afasta totalmente da Igreja e do Direito, por entender que tais instituições não fornecem respostas ou soluções às suas ânsias. Os anos 1960 e 1970 são tomados por novos paradigmas sexuais de total liberdade, e não só a castidade é abolida como as uniões pré-conjugais tornam-se prática comum.
(MADALENO; MADALENO, 2015, p. 22)
A partir da revolução sexual, a escolha do parceiro passou a ser orientada por motivos de desejo sexual, afeto, sentimento, extinguindo-se as uniões conjugais motivadas somente por questões econômicas e políticas. (MADALENO, 2015)
Nesta esteira, surgiu também o movimento feminista, que estimulou as mulheres a perseguirem sua realização não só no âmbito familiar, mas também fora dele. As mães passaram então a exercer jornada dupla: dentro de casa, nos afazeres domésticos, e fora de casa, no mercado de trabalho. Isto levou os homens a participarem mais ativamente da criação dos filhos e da vida doméstica. (MADALENO, 2015)
As relações, neste contexto, são baseadas principalmente nos laços de afeto e carinho nutridos entre os entes familiares, e o matrimônio não tem mais aspecto de instituição eterna, sendo mantido somente enquanto perduram os sentimentos de carinho e afeto entre os cônjuges. (MADALENO, 2015)
{C}2.2  {C}A família brasileira
No Brasil colonial, houve a absorção do modelo patriarcal de organização familiar, o pater famílias detinha todo domínio e poder, a mulher não tinha autonomia para os atos da vida civil, necessitando de seu amparo e autorização para a realização desses, e os filhos estavam sujeitos à sua autoridade e aos seus castigos, que incluíam a detenção dos filhos. (MADALENO, 2015)
No esboço do Código Civil de Augusto Teixeira de Freitas, editado entre 1860 e 1865, no art. 1.518, o poder paterno autorizava o pai a corrigir e castigar moderadamente os seus filhos, podendo requerer ao Juiz dos Órfãos autorização para a detenção dos filhos por até quatro meses na casa correcional, sem direito a recurso.
(MADALENO; MADALENO, 2015, p. 25)
O Código Civil de 1916 revelava uma família patriarcal, patrimonialista, fortemente hierarquizada, e que rejeitava os filhos havidos fora do casamento. Nele, era possível identificar o casamento como “uma instituição que devia ser protegida e enaltecida pelo ordenamento jurídico (...). Dessa importância decorria, ainda, a sua indissolubilidade e a rejeição aos filhos ilegítimos, porque havidos fora do casamento.” (MADALENO, 2015, p.21) (MADALENO, 2015)
Porém muitas eram as mudanças sentidas no seio da sociedade e, consequentemente, no seio das famílias brasileiras. Com o passar do tempo, aquele código civil conservador e patriarcal já não correspondia ao modo de ser e pensar do ser humano. (MADALENO, 2015)
Neste viés, uma das primeiras iniciativas legislativas foi o Estatuto da Mulher casada, que emancipou a mulher, antes dependente de seu marido para a prática de alguns atos da vida civil, e tipificou o exercício do pátrio poder em favor tanto do pai, quanto da mãe, e não somente em favor do pai, como outrora. Porém “a igualdade real na chefia da sociedade conjugal, cujo primado atualmente deve ser estendido aos companheiros que vivem em uma união estável, só foi legalmente consagrada com a promulgação do art. 226, §5º, da Carta Política de 1988”. (MADALENO; MADALENO, 2015, p. 25)
O principal marco de todas essas mudanças foi a promulgação da Constituição Federal de 1988, que erigiu como um de seus principais pilares a igualdade, e os reflexos disto foram sentidos no seio das famílias brasileiras. A dignidade da pessoa humana foi constituída como fundamento do Estado Democrático de Direito, e o Direito Civil deixou de ser essencialmente patrimonial, para voltar-se para a pessoa. A dignidade de cada um dos membros da família, e não somente a do patriarca, passou a ser importante; a solidariedade e a isonomia, consagradas no texto expresso da Magna Carta, ocasionaram profundas alterações nas relações entre os cônjuges. (MADALENO, 2015)
Os artigos 226 e 227 da Constituição Federal de 1988 estabelecem previsão específica relacionada à família:
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
§ 1º O casamento é civil e gratuita a celebração.
§ 2º O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei.
§ 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.
§ 4º Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.
§ 5º Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher.
§ 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio. 
 § 7º Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.
§ 8º O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. 
§ 1º O Estado promoverá programas de assistência integral à saúde da criança, do adolescente e do jovem, admitida a participação de entidades não governamentais, mediante políticas específicas e obedecendo aos seguintes preceitos: 
I - aplicação de percentual dos recursos públicos destinados à saúde na assistência materno-infantil;
II - criação de programas de prevenção e atendimento especializado para as pessoas portadoras de deficiência física, sensorial ou mental, bem como de integração social do adolescente e do jovem portador de deficiência, mediante o treinamento para o trabalho e a convivência, e a facilitação do acesso aos bens e serviços coletivos, com a eliminação de obstáculos arquitetônicos e de todas as formas de discriminação. 
 § 2º A lei disporá sobre normas de construção dos logradouros e dos edifícios de uso público e de fabricação de veículos de transporte coletivo, a fim de garantir acesso adequado às pessoas portadoras de deficiência.
§ 3º O direito a proteção especial abrangerá os seguintes aspectos:
I - idade mínima de quatorze anos para admissão ao trabalho, observado o disposto no art. 7º, XXXIII;
II - garantia de direitos previdenciários e trabalhistas;
III - garantia de acesso do trabalhador adolescente e jovem à escola;
IV - garantia de pleno e formal conhecimento da atribuição de ato infracional, igualdade na relação processual e defesa técnica por profissional habilitado, segundo dispuser a legislação tutelar específica;
V - obediência aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, quando da aplicação de qualquer medida privativa da liberdade;
VI - estímulo do Poder Público, através de assistência jurídica, incentivos fiscais e subsídios, nos termos da lei, ao acolhimento, sob a forma de guarda, de criança ou adolescente órfão ou abandonado;
VII - programas de prevenção e atendimento especializado à criança, ao adolescente e ao jovem dependente de entorpecentes e drogas afins. 
 § 4º A lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual da criança e do adolescente.
§ 5º A adoção será assistida pelo Poder Público, na forma da lei, que estabelecerá casos e condições de sua efetivação por parte de estrangeiros.
§ 6º Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.
§ 7º No atendimento dos direitos da criança e do adolescente levar-se- á em consideração o disposto no art. 204.
§ 8º A lei estabelecerá: 
 I - o estatuto da juventude, destinado a regular os direitos dos jovens; 
II - o plano nacional de juventude, de duração decenal, visando à articulação das várias esferas do poder público para a execução de políticas públicas. 
Entre outras coisas, os preceitos contidos nestes artigos estabelecem a família como base da sociedade, digna de especial proteção do Estado, permitem que o casamento seja direito de todos (anteriormente somente a elite tinha este privilégio, pois eram altas as despesas necessárias para o casamento), e reconhecem inclusive a união estável como entidade familiar. Este reconhecimento possibilitou a aceitação de configurações familiares diferentes daquela tradicionalmente conhecida, como por exemplo, a união homoafetiva. (MADALENO, 2015)
(...) união esta que foi reconhecida em 04 de maio de 2011, pelo Supremo Tribunal Federal, ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.277 e a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 132, no sentido de excluir qualquer significado do art. 1.723 do Código Civil que impedisse a união entre pessoas do mesmo sexo. (MADALENO, 2015, p. 23)
A mulher foi colocada em posição igual à do homem no que tange aos direitos e deveres referentes à sociedade conjugal, os filhos – quer tenham sido ele havidos dentro do casamento ou fora dele – foram considerados iguais em direitos, e foi permitido o divórcio sem que seja necessário o lapso temporal entre a separação judicial e o divórcio. (MADALENO, 2015)
A Lei Maior estabelece expressamente o compromisso do Estado com a manutenção e proteção da família ao definir que este deve criar mecanismos capazes de coibir a violência familiar, deve criar programas de integração social, bem como de prevenção ao uso de drogas, deve providenciar atendimento a portadores de necessidades especiais, dentre outras medidas previstas no art. 226, §8º e art. 227. (MADALENO, 2015)
{C}2.3  {C}Poder familiar e suas características
Ante as grandes mudanças trazidas com a promulgação da Constituição Federal de 1988, o Código Civil também precisou passar por atualizações, pois seus preceitos já não condiziam com a realidade vivenciada na sociedade. Assim, sendo pai e mãe considerados iguais perante a lei para o exercício de autoridade perante seus filhos, o legislador civilista, em 2002, abandonou o termo “pátrio poder”, que denotava poder somente do pai, e adotou o termo “poder familiar”, pois este inclui ambos os progenitores. Conforme as lições de Maria Helena Diniz (apud FIGUEIREDO, 2014, p.13), poder familiar pode ser definido como
um conjunto de direitos e obrigações, quanto à pessoa e bens do filho menor não emancipado, exercido em igualdade de condições por ambos os pais, para que possam desempenhar os encargos que a norma jurídica lhes impõe, tendo em vista o interesse e a proteção do filho.
Para Conrado Paulino da Rosa
Trata-se de um caminho de mão dupla, pois impõe deveres e reconhece direitos, não se podendo ignorar que seu exercício se concentra, exclusivamente, no interesse do filho. O poder familiar, hoje, é visto como um dever dos pais em relação aos seus filhos. Ele não se limita à educação ou aos cuidados físicos, mas se estende para proporcionar um desenvolvimento integral de todas as potencialidades das crianças e adolescentes, e os alimentos, por sua vez, são meios de obter melhores condições de crescimento físico, emocional e intelectual dos filhos. (2015, p. 14)
Para Arnaldo Rizzardo (apud MADALENO, 2015, p. 28)
Atualmente, preponderam direitos e deveres numa proporção justa e equânime no convívio familiar; os filhos não são mais vistos como esperança de futuro auxílio aos pais. O poder familiar, ou melhor, a autoridade parental, não é o exercício de um poder ou uma supremacia, mas de um encargo imposto pela paternidade e maternidade, decorrente da lei. Nesse sentido, entendemos o pátrio poder como o conjunto de direitos e deveres atribuídos aos pais em relação aos filhos menores e não emancipados, com relação à pessoas destes e a seus bens.
O tema é regulamentado pelo Código Civil de 2002, arts. 1.630 a 1.638, que estabelece a condição de filiação como único requisito para o exercício do poder familiar, não sendo mais necessário o matrimônio. Ele “decorre da paternidade natural, sendo um atributo irrenunciável, intransferível, inalienável e imprescritível, ademais, qualquer tentativa de renúncia ao poder familiar é obrigatoriamente nula, e as obrigações decorrentes deste vínculo são personalíssimas.” (MADALENO; MADALENO, 2015, p. 29)
A expressão “poder familiar” nem sempre tem sido bem aceita pela doutrina, que alega ter este termo a acepção de “poder físico sobre o a pessoa do outro”. (ROSA, 2015, p.15) São melhores aceitas as expressões “autoridade parental” e “função parental”.(MADALENO, 2015)
Mesmo em discordância no que se refere à expressão mais adequada para designar o poder-dever que ambos os genitores tem para com seus filhos, a doutrina tem conceituado tradicionalmente o poder familiar como
múnus público, representando um encargo atribuído aos pais, uma função específica que vige enquanto durar a menoridade de seus filhos. Sua natureza jurídica é de poder-dever exercido pelos pais em relação aos filhos, com vistas a sua educação e desenvolvimento. Representa, ainda, um dever dos pais em relação aos filhos e um direito em relação a terceiros. (ROSA, 2015, p. 15)
O exercício da autoridade parental é balisado pelo princípio da Dignidade da Pessoa Humana no que se refere ao menor, pois aos pais cabe o ônus, atribuído a eles pela sociedade organizada, de promover a educação, saúde e bem-estar de seus filhos. É neste mister que encontra-se a função social do poder parental, e dele deflui um princípio mais específico, que é fundamento para todos os deveres dos pais, o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente. (ROSA, 2015)
Conforme preleciona Fábio Vieira Figueiredo
 O poder familiar gera para seus titulares direitos e deveres que lhe são garantidos para a proteção da criação do menor, bem como a administração do seu patrimônio. O intuito da norma é a proteção ampla do menor, enquanto estiver sob esta condição, até que ocorra uma das causas de extinção do poder familiar elencadas no art. 1.635 do Código Civil. (2015, p. 21)
Enquanto não for extinto o poder familiar, os pais tem, dentre outros, o direito de dirigir a educação e a criação do filho, participando das propostas educacionais que a ele se referirem, conforme leciona Maria Helena Diniz (apud FIGUEIREDO, 2015, p. 20)
Provendo-os de meios materiais para sua subsistência e instrução de acordo com seus recursos e sua posição social, preparando-os para a vida, tornando-os úteis à sociedade, assegurando-lhes todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana. Cabe-lhes ainda dirigir espiritual e moralmente os filhos, formando seu espírito e caráter, aconselhando-os e dando-lhes uma formação religiosa. Cumpre-lhes capacitar a prole física, moral, espiritual, intelectual e socialmente em condições de liberdade e dignidade (ECA, arts. 1º, 3º, 4º e 15º). (...)
Cabe aos pais direito de ter a guarda e companhia do menor, podendo socorrer-se de medidas judiciais para reclamá-lo de quem ilegitimamente o detenha, e isto inclui a possibilidade de proibí-lo de frequentar locais considerados inadequados pelos pais, de impedí-lo de sair em determinados horários, e de restringir seu uso de telefone e internet, sempre observando o bom senso e a necessidade.(FIGUEIREDO, 2014)
Diversos institutos jurídicos passaram por mudanças a fim de se conformarem às alterações trazidas pelos princípios da dignidade da pessoa humana e do melhor interesse do menor. Outrora, a criança não era tratada como sujeito de direitos, cabendo-lhe apenas o papel de sujeitar-se à autoridade dos pais, ou melhor, do pai, que permanecia emocionalmente e fisicamente distante, porém por ser o provedor, ocupava a posição de autoridade suprema no ambiente doméstico. As crianças eram submetidas a castigos físicos e punições frequentemente, e seus sentimentos não eram levados em consideração, sendo tal conduta socialmente aceita e até mesmo estimulada. (ROSA, 2015)
Com os novos paradigmas traçados pela Magna Carta de 1988, a realidade das famílias brasileiras mudou, as suas relações não são mais verticalizadas, mas foram horizontalizadas, pois abandonou-se a figura do pater familias enquanto chefe, que exercia sua autoridade perante a esposa e os filhos, e este passou a ser considerado igual à mãe em direitos e deveres tanto no relacionamento conjugal quanto no exercício do poder parental. As decisões relativas aos cuidados e educação da prole passaram a ser tomadas em conjunto, levando em consideração inclusive os desejos do menor, suas necessidades, sua satisfação pessoal. Os filhos não mais são considerados pessoas somente sujeitas à autoridade paterna, mas seus direitos ganharam espaço na relação com os pais, que passaram a priorizar sua formação intelectual, física e emocional. (ROSA, 2015)
REFERÊNCIAS

MADALENO, Rafael. MADALENO, Rolf. Guarda Compartilhada Física e Jurídica. 1. ed. São Paulo Editora Revista dos Tribunais, 2015.
MADALENO, Ana Carolina Carpes. Síndrome da Alienação Parental: a importância da detecção com seus aspectos legais e processuais. 1. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro : Forense, 2015.
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias [livro eletrônico]. 4. ed. São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2016.
ROSA, Conrado Paulino da. Nova lei da guarda compartilhada. 1. ed. São Paulo : Saraiva, 2015.
FIGUEIREDO, Fábio Vieira. Alienação Parental. 2. ed. São Paulo : Saraiva, 2014.

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