Tânia Pinafi
A violência contra a mulher é produto de uma construção histórica — portanto, passível de desconstrução — que traz em seu seio estreita relação com as categorias de gênero, classe e raça/etnia e suas relações de poder. Por definição, pode ser considerada como toda e qualquer conduta baseada no gênero, que cause ou passível de causar morte, dano ou sofrimento nos âmbitos: físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública quanto na privada.
A Organização das Nações Unidas (ONU) iniciou seus esforços contra essa forma de violência, na década de 50, com a criação da Comissão de Status da Mulher que formulou entre os anos de 1949 e 1962 uma série de tratados baseados em provisões da Carta das Nações Unidas — que afirma expressamente os direitos iguais entre homens e mulheres e na Declaração Universal dos Direitos Humanos — que declara que todos os direitos e liberdades humanos devem ser aplicados igualmente a homens e mulheres, sem distinção de qualquer natureza.
Desde então, várias ações têm sido conduzidas, a âmbito mundial, para a promoção dos direitos da mulher, e, no que compete ao Brasil, uma série de medidas protetivas vêm sendo empregadas visando à solução dessa problemática.
O escopo deste artigo é apresentar a evolução das medidas protetivas e políticas públicas empregadas no cenário brasileiro no combate à violência contra a mulher. As considerações aqui realizadas tomam como norte a análise interpretativa pautada dentro da perspectiva de gênero e resultam em uma avaliação sobre como têm evoluído essas políticas e o que delas se pode esperar, no sentido de que se possa avançar em direção a uma sociedade mais igualitária e justa em relação ao respeito dos direitos da mulher.
Breves considerações acerca da desigualdade de gênero
Para se compreender o fenômeno da violência com base no sexismo se faz necessário um breve retorno ao legado investido à mulher pela cultura ocidental.
A classificação da Mulher tem sido norteada pelas óticas biológica e social, determinantes para a desigualdade de gênero, que traz em seu bojo uma relação assimétrica sob a égide de um discurso que se pauta na valoração de um sexo sob o outro.
Por exemplo, na Grécia, os mitos contavam que, devido à curiosidade própria de seu sexo, Pandora tinha aberto a caixa de todos os males do mundo e, em conseqüência, as mulheres eram responsáveis por haver desencadeado todo o tipo de desgraça. A religião é outro dos discursos de legitimação mais importantes. As grandes religiões têm justificado ao longo dos tempos os âmbitos e condutas próprios de cada sexo.[*1] (PULEO, 2004, p. 13)
Na Grécia Antiga havia muitas diferenças entre homens e mulheres. As mulheres não tinham direitos jurídicos, não recebiam educação formal, eram proibidas de aparecer em público sozinhas, sendo confinadas em suas próprias casas em um aposento particular (Gineceu), enquanto aos homens, estes e muitos outros direitos eram permitidos, como Vrissimtzis (2002) elucida:
[...] o homem era polígamo e o soberano inquestionável na sociedade patriarcal, a qual pode ser descrita como o ‘clube masculino mais exclusivista de todos os tempos’. Não apenas gozava de todos os direitos civis e políticos, como também tinha poder absoluto sobre a mulher. (VRISSIMTZIS, 2002, p. 38)
Em Roma “elas nunca foram consideras cidadãs e, portanto, não podiam exercer cargos públicos” (FUNARI, 2002, p. 94). A exclusão social, jurídica e política colocavam a mulher no mesmo patamar que as crianças e os escravos. Sua identificação enquanto sujeito político, público e sexual lhe era negada, tendo como status social a função de procriadora.
Com o advento da cultura judaico-cristã tal situação pouco se alterou. O Cristianismo retratou a mulher como sendo pecadora e culpada pelo desterro dos homens do paraíso, devendo por isso seguir a trindade da obediência, da passividade e da submissão aos homens, — seres de grande iluminação capazes de dominar os instintos irrefreáveis das mulheres — como formas de obter sua salvação. Assim a religião judaico-cristã foi delineando as condutas e a ‘natureza’ das mulheres e incutindo uma consciência de culpa que permitiu a manutenção da relação de subserviência e dependência. Mas não foi só a religião que normatizou o sexo feminino, a medicina também exerceu seu poder, apregoando até o século XVI a existência de apenas um corpo canônico e este corpo era macho. Por essa visão a vagina é vista como um pênis interno, os lábios como o prepúcio, o útero como o escroto e os ovários como os testículos.
A crença da mulher como um homem invertido e, portanto, inferior, perdurou durante milhares de anos como se pode observar, na passagem em que Laqueur (2001), comenta a visão de Aristóteles:
O kurios, a força do esperma para gerar uma nova vida, era o aspecto corpóreo microcósmico da força deliberativa do cidadão, do seu poder racional superior e do seu direito de governar. O esperma, em outras palavras, era como que a essência do cidadão. Por outro lado, Aristóteles usava o adjetivo akuros para descrever a falta de autoridade política, ou legitimidade, e a falta de capacidade biológica, incapacidade que para ele definia a mulher. Ela era, como o menino, em termos políticos e biológicos uma versão impotente do homem, um arren agonos. (LAQUEUR, 2001, p. 68)
O modelo de sexo único prevaleceu durante muito tempo por ser o homem — ser humano nascido com o sexo biológico masculino, ou seja, pênis — o alvo e construtor do conhecimento humano. Dentro dessa visão androcêntrica, a mulher consistia em uma categoria vazia.
Apenas quando se configurou na vida política, econômica e cultural dos homens a necessidade de diferenças anatômicas e fisiológicas constatáveis é que o modelo de sexo único foi repensado.
Assim, o antigo modelo no qual homens e mulheres eram classificados conforme seu grau de perfeição metafísica, seu calor vital, ao longo de um eixo cuja causa final era masculina, deu lugar, no final do século XVIII, a um novo modelo de dimorfismo radical, de divergência biológica. Uma anatomia e fisiologia de incomensurabilidade substituiu uma metafísica de hierarquia[*2] na representação da mulher com relação ao homem. (LAQUEUR, 2001, p.17)
A visão naturalista que imperou até o final do século XVIII determinou uma inserção social diferente para ambos os sexos. Aos homens cabiam atividades nobres como a filosofia, a política e as artes; enquanto às mulheres deviam se dedicar ao cuidado da prole, bem como tudo aquilo que diretamente estivesse ligado à subsistência do homem, como: a fiação, a tecelagem e a alimentação. Um exemplo desta posição paradigmática pode ser observado em Rousseau (1817):
A rigidez dos deveres relativos dos dois sexos não é e nem pode ser a mesma. Quando a mulher se queixa a respeito da injusta desigualdade que o homem impõe, não tem razão; essa desigualdade não é uma instituição humana ou, pelo menos, obra do preconceito, e sim da razão; cabe a quem a natureza encarregou do cuidado com os filhos a responsabilidade disso perante o outro. (ROUSSEAU apud EGGERT, 2003, p. 03)
Tal eixo interpretativo começou a mudar neste mesmo século, a partir da Revolução Francesa (1789). Nela as mulheres participaram ativamente do processo revolucionário ao lado dos homens por acreditarem que os ideais de igualdade, fraternidade e liberdade seriam estendidos a sua categoria. Ao constatar que as conquistas políticas não se estenderiam ao seu sexo, algumas mulheres se organizaram para reivindicar seus ideais não contemplados. Uma delas foi Olympe de Gouges,[*3] que publicou em 1791, um texto intitulado Os Direitos da Mulher e da Cidadã no qual questiona:
Diga-me, quem te deu o direito soberano de oprimir o meu sexo? [...] Ele quer comandar como déspota sobre um sexo que recebeu todas as faculdades intelectuais. [...] Esta Revolução só se realizará quando todas as mulheres tiverem consciência do seu destino deplorável e dos direitos que elas perderam na sociedade. (ALVES, & PITANGUY, 1985, p. 33-34)
No século XIX há a consolidação do sistema capitalista, que acabou por acarretar profundas mudanças na sociedade como um todo. Seu modo de produção afetou o trabalho feminino levando um grande contingente de mulheres às fábricas. A mulher sai do locus que até então lhe era reservado e permitido — o espaço privado, e vai a esfera pública. Neste processo, contestam a visão de que são inferior aos homens e se articulam para provar que podem fazer as mesmas coisas que eles, iniciando assim, a trajetória do movimento feminista, que pode ser assim definido:
Grosso modo, pode-se dizer que ele corresponde à preocupação de eliminar as discriminações sociais, econômicas, políticas e culturais de que a mulher é vítima. Não seria equivocado afirmar que feminismo é um conjunto de noções que define a relação entre os sexos como uma relação de assimetria, construída social e culturalmente, e na qual o feminismo é o lugar e o atributo da inferioridade. (GREGORI, 1993, p. 15)
Ao questionar a construção social da diferença entre os sexos e os campos de articulação de poder, as feministas criaram o conceito de gênero, abrindo assim, portas para se analisar o binômio dominação-exploração construído ao longo dos tempos.
A violência contra a mulher traz em seu seio, estreita relação com as categorias de gênero, classe e raça/etnia e suas relações de poder. Tais relações estão mediadas por uma ordem patriarcal proeminente na sociedade brasileira, a qual atribui aos homens o direito a dominar e controlar suas mulheres, podendo em certos casos, atingir os limites da violência.
Evolução das medidas protetivas e das políticas públicas no combate a violência contra mulher
Em 1979, a Assembléia Geral das Nações Unidas adotaram a Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW), conhecida como a Lei Internacional dos Direitos da Mulher. Essa Convenção visou a promoção dos direitos da mulher na busca da igualdade de gênero, bem como, a repressão de quaisquer discriminações.
No contexto brasileiro, a década de 70 é marcada pelo surgimento dos primeiros movimentos feministas organizados e politicamente engajados em defesa dos direitos da mulher contra o sistema social opressor — o machismo.
A política sexista reinante até então, deixava impunes muitos assassinatos de mulheres sob o argumento de legítima defesa da honra. Como exemplo, temos em 1976, o brutal assassinato de Ângela Maria Fernandes Diniz pelo seu ex-marido, Raul Fernando do Amaral Street (Doca) que não se conformou com o rompimento da relação e acabou por descarregar um revólver contra o rosto e crânio de Ângela. Sendo levado a julgamento foi absolvido com o argumento de haver matado em ‘legítima defesa da honra’. A grande repercussão dada à morte de Ângela Diniz na mídia, acarretou numa movimentação de mulheres em torno do lema: ‘quem ama não mata’.
O caso acima relatado é apenas um exemplo da grande impunidade à violência perpetrada contra as mulheres, violência que, com a mobilização do movimento feminista ganhou a seguinte definição:
A expressão refere-se a situações tão diversas como a violência física, sexual e psicológica cometida por parceiros íntimos, o estupro, o abuso sexual de meninas, o assédio sexual no local de trabalho, a violência contra a homossexualidade, o tráfico de mulheres, o turismo sexual, a violência étnica e racial, a violência cometida pelo Estado, por ação ou omissão, a mutilação genital feminina, a violência e os assassinatos ligados ao dote, o estupro em massa nas guerras e conflitos armados.[*4]
A partir do engajamento do movimento de mulheres[*5] e do movimento feminista contra essa forma de violência, surge em 1981, no Rio de Janeiro, o SOS Mulher; seu objetivo era construir um espaço de atendimento às mulheres vítimas de violência, além de ser um espaço de reflexão e mudanças das condições de vida destas mulheres. O SOS Mulher não se restringiu apenas ao Rio de Janeiro, esta iniciativa também foi adotada em outras capitais, como: São Paulo e Porto Alegre. “A então forte e bem sucedida politização da temática da violência contra a mulher pelo SOS-Mulher e pelo movimento de mulheres em geral fez com que, em São Paulo, o Conselho Estadual da Condição Feminina,[*6] [...], priorizasse essa temática, entre outras.” (SANTOS, 2001)
A busca destes dois movimentos — de mulheres e feministas — por parcerias com o Estado para a implementação de políticas públicas resultou na criação do Conselho Estadual da Condição Feminina em 1983; na ratificação pelo Brasil da CEDAW em 1984;[*7] ao que se seguiu, em 1985, a implantação do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher; e, da primeira Delegacia de Defesa da Mulher (DDM). A criação das Delegacias de Defesa da Mulher foi uma iniciativa pioneira do Brasil que mais tarde foi adotada por outros países da América Latina. Pela última pesquisa realizada em 2003/2004,[*8] contavam-se 380 delegacias, tendo sua maior concentração na região sudeste (40%).
Ao ratificar a CEDAW o Estado brasileiro se comprometeu perante o sistema global a coibir todas as formas de violência contra a mulher e a adotar políticas destinadas a prevenir, punir e erradicar a violência de gênero.
A Constituição Federal Brasileira de 1988 incorpora aos direitos e garantias do seu texto original, os estabelecidos em decorrência de acordos e tratados internacionais.[*9] Desta forma, as Resoluções da Convenção de Belém do Pará e da CEDAW são também garantias constitucionais, como expressa o artigo 5º parágrafo 2º, da Constituição Federal: ‘Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte’. (BRASIL, 2006, p. 15-16)
Desta forma, a criação das Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (DEAMs) vêem efetivar o compromisso assumido perante os sistemas internacionais. Tal iniciativa contribuiu para dar maior visibilidade a problemática da violência contra a mulher, especialmente a doméstica; favorecendo a discussão da natureza criminosa da violência perpetrada sob questões de gênero, além de criar uma via de enfrentamento e erradicação da violência contra a mulher no Brasil.
A violência contra a mulher voltou a pauta no cenário internacional em 1993 com a Declaração de Viena. Nela foram considerados os vários graus e manifestações de violência, incluindo as resultantes de preconceito cultural e tráfico de pessoas. Um grande avanço desta declaração foi a revogação da violência privada como criminalidade comum, considerando assim, que a violência contra a mulher infringe os Direitos Humanos e é realizada principalmente na esfera privada. Um ano depois, em 06 de junho, a Assembléia Geral da Organização dos Estados Americanos – OEA, aprovou a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, conhecida como Convenção de Belém do Pará. Essa Convenção foi ratificada pelo Brasil em 1995.
[...] esta representa um marco contextual e conceitual para a violência de gênero, uma vez que define em seu artigo 1° o conceito de violência contra a mulher. Violência contra a mulher significa, nos termos desta convenção, ‘qualquer ato ou conduta baseada no gênero, que cause ou passível de causar morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública como na esfera privada.’ (BRASIL, 2006, p. 15)
Considerações finais
A violência contra a mulher tem raízes profundas que estão situadas ao longo da história, sendo, portanto de difícil desconstrução. No Brasil, o início da década de 80 foi marcado pela forte mobilização dos sujeitos do sexo feminino em torno da temática da violência contra a mulher. Sua articulação em movimentos próprios, somada a uma intensa busca por parcerias com o Estado, para a resolução desta problemática, resultou em uma série de conquistas ao longo dos anos. A mais recente é a aprovação da Lei nº 11.340/2006, que entrou em vigência no dia 22 de setembro de 2006, depois de ter sido amplamente discutida e reformulada por um Grupo de Trabalho Interministerial que analisou o anteprojeto enviado por um consórcio de ONGs (Organização Não-Governamental) — ADVOCACY, AGENDE, CEPIA, CFEMEA, CLADEM/IPÊ e THEMIS.
A apreciação da proposição na Câmara Federal envolveu a sociedade civil ao longo de 2005, por meio de audiências públicas, em assembléias legislativas que ocorreram em vários estados brasileiros.
Mas não foi somente a articulação a âmbito nacional que pressionou a aprovação do PCL 37/2006, que se transformou na Lei nº 11.340/2006, denominada Lei ‘Maria da Penha’.[*10] O não cumprimento dos compromissos firmados em Convenções Internacionais acarretou em denúncia ao Sistema Internacional, através da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), que após a avaliação do caso, publicou em 2001 o Relatório nº 54, que dentre outras constatações, recomendou que o país desse prosseguimento e intensificasse o processo de reforma legislativa que evite a tolerância estatal e o tratamento discriminatório com respeito à violência doméstica contra as mulheres no Brasil.
Dentro dessa conjuntura política a nova Lei nº 11.340/2006 veio como um passo em direção ao cumprimento das determinações da Convenção de Belém do Pará e da Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra as Mulheres (CEDAW), além de regulamentar a Constituição Federal.
Essa Lei traz medidas protetivas à mulher vítima de violência doméstica e familiar, e, na esfera punitiva, proíbe a aplicação das chamadas penas alternativas, principalmente os benefícios da Lei nº 9099/95 (a transação penal, as multas que eram convertidas em cestas básicas —, e a suspensão condicional do processo). Além disso, priorizando os crimes praticados contra mulher nos ambientes: doméstico, intrafamiliar e afetivo, instituiu os Juizados Especiais de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, sendo que as Varas Criminais acumularão as competências cível — separação judicial e de corpos, por exemplo, e criminal — responsabilização do agressor, nos casos decorrentes de violência doméstica e familiar contra a mulher.
Dentre as medidas protetivas elencadas na Lei ‘Maria da Penha’, algumas merecem destaque, diante de seus feitos intimidativos, bem como para a garantia da integridade física e moral da ofendida. Pode-se citar a obrigação de a Autoridade Policial garantir a proteção da mulher, encaminhá-la ao hospital, fornecer-lhe e aos dependentes o transporte que se fizer necessário, e acompanhar-lhe ao domicílio para a retirada dos pertences.
Além disto, a Lei determina o encaminhamento de mulheres em situação de violência e seus dependentes à programas e serviços de proteção, garantindo-lhe os Direitos Humanos que se achavam positivados na Constituição Federal. À mulher vítima de violência doméstica e familiar também é garantida assistência jurídica gratuita, bem como o acompanhamento jurídico em todos os atos processuais.
Avaliar quais serão os reais resultados destas ações neste presente momento é impossível, mas é inegável que a Lei apresenta uma estrutura adequada e específica para atender a complexidade do fenômeno da violência contra as mulheres ao prever um conjunto de políticas públicas, mecanismos de prevenção e punição, voltados para a garantia dos Direitos Humanos e da proteção da mulher vítima de agressão doméstica e familiar.
Apesar das resistências de alguns juristas na aplicação dos dispositivos da Lei ‘Maria da Penha’, ela está ganhando seu espaço e apresenta-se como um importante instrumento, não só normativo, mas político-jurídico, admirável e de difícil contestação, na construção de uma sociedade justa e sem desigualdades pautadas sob as questões de gênero.
A desconstrução das redes que tecem a violência contra a mulher ainda levará muito tempo, porém, não seria utópico acreditar em sua finitude, na medida em que o que se construiu sócio-historicamente pode ter seu caminho refeito em outra perspectiva. Em curto prazo, faz-se necessário e urgente um ordenamento jurídico adequado e coerente com as expectativas e demandas sociais. Além disso, não basta que haja um ordenamento que tenha vigência jurídica, mas não tenha vigência social, isto é, que não seja aceito e aplicado pelos membros da sociedade.
O combate ao fenômeno da Violência contra Mulher não é função exclusiva do Estado; a sociedade também precisa se conscientizar sobre sua responsabilidade, no sentido de não aceitar conviver com este tipo de violência, pois, ao se calar, ela contribui para a perpetuação da impunidade. Faz-se urgente a compreensão, por parte da sociedade como um todo, de que os Direitos das Mulheres são Direitos Humanos, e que a modificação da cultura de subordinação calcada em questões de gênero requer uma ação conjugada, já que a violência contra a mulher desencadeia desequilíbrios nas ordens econômica, familiar e emocional.
O ideal neste caso seria trabalhar tanto com ações pontuais específicas, como com as políticas públicas transversais. Ao se adotar as políticas públicas transversais, objetivando a igualdade entre homens e mulheres, encontra-se um norte a trilhar na busca de um caminho que modifique o panorama da violência em geral e a de gênero em particular. A Secretaria da Mulher poderia desempenhar o papel de catalisadora neste processo articulando-se aos Conselhos ou Secretarias da Mulher em todos os Estados.
Além disto, a conscientização da natureza histórica da desigualdade de gênero precisa ser trabalhada desde o início do ensino escolar, já que a desigualdade de gênero somada a ordem patriarcal vigente são alguns dos ingredientes que, unidos ao sentimento de culpa inculcado historicamente na psique das mulheres, contribuem para a perpetuação das relações desiguais de poder que acabam por acarretar em violência.
Bibliografia
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VRISSIMTZIS, Nikos A. Amor, Sexo e Casamento na Grécia Antiga. Trad. Luiz Alberto Machado Cabral. 1. ed. São Paulo: Odysseus, 2002.
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