sexta-feira, 6 de outubro de 2017

Mulher e história: A luta contra a violência doméstica







1 INTRODUÇÃO
A violência doméstica sempre esteve presente na sociedade, fazendo vítimas mulheres das mais diversas classes sociais. Por ser vulnerável, frágil e muitas vezes dependente do agressor, tanto emocionalmente como economicamente, e sem um amparo judicial rigoroso e especifico, por reiteradas vezes calaram-se e aceitaram as agressões.
Foi necessário muitas vítimas sofrerem e pagarem com a própria vida para que o Estado percebesse a gravidade da violência doméstica e apresentasse uma atitude positiva para amparar as vítimas, criando a lei 11.340/2206, mais conhecida como Maria da Penha.
A lei passou a ser chamada de Maria da Penha em homenagem a uma das vítimas da violência doméstica. Entre muitas agressões e tentativas de homicídio, Maria da Penha foi uma das mulheres que tomou a frente na luta das mulheres em busca de amparo jurídico contra a violência doméstica.
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Com medidas específicas a lei Maria da Penha busca cessar a violência sofrida pelas mulheres por seus companheiros de maneira mais rigorosa, sem os benefícios que antes estes tinham com a lei 9.099/95 que anteriormente regulava a violência doméstica, que permitiam o sentimento de impunidade e ineficácia do poder judiciário com este crime.
Entretanto, as medidas tomadas pela lei Maria da Penha em sua maioria não condizem com a realidade enfrentada pela vítima. A carência de um amparo assistencial posterior a denúncia faz com que muitas vítimas repensem e se retratem diante o juiz, pois infelizmente muitas mulheres ainda hoje dependem economicamente do marido agressor.
Este artigo aborda a luta contra a violência doméstica praticada em desfavor das mulheres brasileiras. Em seu aspecto social histórico, abordamos os avanços obtidos com o passar do tempo e os efeitos que surtiram destes na sociedade brasileira por meio de pesquisas em âmbito federal e municipal de ocorrências.

2 A VIOLÊNCIA NO ÂMBITO DOMÉSTICO

Durante muito tempo, as mulheres carregaram e acreditaram na ideia de fragilidade e inferioridade que lhes eram confiadas pela sociedade. Para tanto, por gerações eram incentivadas a crer que o sentido da vida e da felicidade dependia do casamento, devendo se doar e aceitar inteiramente o que lhe fosse imposto por seu marido em busca da harmonia de seu lar. Qualquer forma adversa de vida era utopia, pois se assim escolhessem seriam socialmente excluídas.
Como posto, o sentimento de inferioridade e fragilidade sempre esteve muito presente no cotidiano feminino, surgindo com ele a submissão e consequentemente a violência doméstica. Com o casamento a mulher passava a depender do marido de muitas formas, sejam economicamente, emocionalmente ou para manter a imagem social, assim admitindo as mais diversas manipulações e violências por parte do companheiro. Concordamos com Dias (2007, p.16) quando diz que “[...] o homem se tem como proprietário do corpo e da vontade da mulher e dos filhos”, achando-se no direito de utilizar da força física quando entender necessário.
A violência no âmbito doméstico é cruel. O agressor conhece o íntimo da vítima, sabe exatamente como manobrar e manipular a mesma para que acredite ser merecedora das agressões ou que foi um fato isolado e não acontecerá novamente. Porém, as agressões não cessam, muito pelo contrário, tendem aumentar gradativamente bem como o silêncio da vítima, que não denuncia. Nesse sentido, complementa Dias:
É difícil denunciar quem reside sob o mesmo teto, pessoa com quem se tem um vínculo afetivo e filhos em comum e que, não raro, é o responsável pela subsistência da família. A conclusão só pode ser uma: as mulheres nunca param de apanhar, sendo a sua casa o lugar mais perigoso para ela e os filhos. (DIAS, 2007, p.17).
Para que possamos ter uma visão ampla do significado da violência que a vítima sofre, são importantes alguns esclarecimentos. Para Nucci (2013, p.609), “Violência significa, em linhas gerais, qualquer forma de constrangimento ou força, que pode ser física ou moral [...]”. Portanto, não se fala apenas em violência física, mas sim moral e psicológica que, abalam a vítima não apenas fisicamente, mas diminuem seu ego e abalando o seu íntimo.
Embora as formas de violência contra a mulher sejam as mais variadas, os processos penais assim enquadrados na maioria dos Fóruns brasileiros listam os crimes de ameaça, lesões corporais, homicídio, estupro, atentado violento ao pudor, sendo os dois primeiros os mais predominantes (FREITAS, 2013, s. P.)
Também encontramos no âmbito familiar a violência sexual. Dias (2007, p.16) diz que "Os resultados são perversos. Segundo a Organização Mundial da saúde - OMS [...] 69% das mulheres já foram agredidas ou violadas”. A subordinação da mulher ao homem o faz crer que está deve ceder a todos os seus desejos, quando e onde quiser, como se um objeto fosse. É assustador pensar que em muitos lares a mulher não tem poder e liberdade sobre seu próprio corpo.
A violência doméstica se não for repelida gera ciclos. Há de se pensar que muitas crianças cresceram vendo sua mãe sofrer violências pelo pai, ou companheiro. Muitas destas crianças acostumam-se com a ideia de poderio que o homem tem sobre a mulher, levando o menino a crer que terá esse poder sobre sua mulher quando formar família, e a menina a calar-se por acreditar a ser algo normal, gerando uma sociedade com princípios e ideais equivocados acerca da família.
A habitualidade destes crimes remete, dentre as principais causas, aos crimes de poder: a natureza das relações interpessoais entre as partes; a banalização e a incorporação do uso sistemático da violência para a resolução de conflitos cotidianos, as diversas situações de hierarquias que permeiam as relações de afetividade. (BANDEIRA, 2009, s. P.)
Vale ressaltar que a violência no âmbito doméstico não tem como vítima apenas a mulher. Sofre com ela crianças, idosos e também homens, mas na maioria dos casos são mulheres, portanto a necessidade da criação de uma lei específica para estas.

3 UMA VOLTA NO TEMPO

Durante muito tempo acreditou-se que não se podia interferir nas relações pessoais, nos conflitos ocorridos na intimidade de cada família. A vida familiar era particular e cada um teria poder de manter a ordem sobre a sua, nem que para isso a violência fosse posta em pratica. Assim durante um grande período o poder judiciário se absteve. Até então, na maioria dos casos a vítima não deixava transparecer ao mundo as agressões sofridas por falta da devida compreensão social.
O primeiro grande passo dado pela Constituição Federal em seu artigo 98inciso I, foia criação de Juizados Especiais, Lei 9.099/1995 para julgamento de crimes de menores potencias ofensivos. Com esta criação, o trâmite processual para estes crimes passou a ser sumaríssimo, tornando mais célere e diminuindo assim o grande número de prescrição que ocorria.
lei dos Juizados Especiais veio dar efetividade ao comando constitucional e significou verdadeira revolução no sistema processual penal brasileiro. A criação de medidas despenalizadoras, a adoção de um rito sumaríssimo, a possibilidade de aplicação da pena mesmo antes do oferecimento da acusação e sem discussão da culpabilidade, agilizaram o julgamento dos crimes considerados de pequeno potencial ofensivo. (DIAS, 2007, p. 21).
Entretanto, como mencionando, a lei do juizado especial possui medidas despenalizadoras, como podemos citar a transação da aplicação da pena de multa ou pena restritiva de direitos, de que não faz constar nas certidões de antecedentes e nem reincidência, das quais foram prejudiciais para a violência doméstica, pois quando a vítima criava coragem para denunciar o agressor poderia ser despenalizado, não surgindo qualquer efeito positivo.
lei dos juizados especiais foi uma grande evolução no sistema processual penal brasileiro, para tanto, o legislador ainda não havia se conscientizado que a violência doméstica merecia de uma atenção especial, um tratamento diferenciado dos demais crimes pela vulnerabilidade em que encontra a vítima ao exteriorizar a violência que sofre por parte do próprio companheiro.
Aos poucos o legislador foi tomando consciência, pelo aumento das estatísticas de violência e o baixo índice de condenações, criando-se a Lei nº 10.455/2002 e a Lei nº 10.886/2004, a primeira criou a medida cautelar que permite o afastamento do agressor da vítima e a segunda acrescentou a lesão corporal leve aumentando a pena para o delito da violência doméstica. Mas faltava uma legislação que se voltasse completamente para a violência no âmbito doméstico, com um tratamento e punições diferenciadas.
A criação de uma lei de proteção à mulher contra a violência doméstica seria como uma luz no fim do túnel para muitas mulheres que lutavam contra a violência, mas tinham suas vozes caladas pelo desfavorecimento da legislação que até então regulava este tipo penal.

4 A LEI MARIA DA PENHA

Foram precisos muitos movimentos e superar muitos sofrimentos para que o objetivo feminino fosse alcançado. O propulsor para a tomada de atitudes que efetivamente surtissem resultados positivos no país foi o caso da farmacêutica Maria da Penha, que repercutiu nacionalmente e internacionalmente pelo tamanho sofrimento. Após vários episódios de violência e tentativas de homicídio sofridas por parte do marido, a farmacêutica ficou com sequelas irreversíveis como a paraplegia, mas jamais deixou de lutar por justiça, tornando-se assim o símbolo da luta feminina contra a violência doméstica no país. Atualmente não se tem um caso especifico que tenha ganhado destaque, o que se vê hoje em dia são casos espalhados por todo o país nas variadas classes sociais e em diferentes situações. A reprovação internacional a estas ações, ou seja, aos “comportamento que denota repreensão” foi tamanha que a Comissão Internacional de Direitos Humanos (DIAS, 2007, p. 14)" [...] responsabilizou o Estado brasileiro por negligência e omissão em relação a violência doméstica, [...] e recomendou medidas como simplificar os procedimentos judiciais penais a fim de que possa ser reduzido o tempo processual ". Criou-se então no país a Lei 11.340/2006 com a seguinte ementa:
Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8o do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências. (BRASIL, 2006).
Foram invocados preceitos Constitucionais, como o artigo 226§ 8º que traz:"O Estado assegura a assistência à família na pessoa de cada um dos que integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações". (BRASIL, 1988) Como podemos ver a coibição a violência no âmbito doméstico já era assegurada pela Constituição, porém na prática isso não se fazia valer.
Vale lembrar, que a lei está clara e direcionada especificamente a combater a violência contra a mulher ocorrida no âmbito familiar ou não, porém sempre deve haver relação de intimidade entre a parte ativa e a parte passiva, caso não seja, a vítima da violência não será contemplada com esta lei. Hoje, alguns juízes já reconhecem que a lei pode proteger o homem se esse for a parte passiva, porém ainda há divergências em relação a isso.
Como forma de proteger as mulheres vítimas de violência, uma das alternativas é recorrer ao Poder Judiciário. As medidas protetivas têm como objetivo assegurar a mulher a proteção de sua integridade, e que proíbe a parte ativa (agressor) a cumprir limites, tais como: proibição e aproximação e contato com a vítima, afastamento do lar, suspensão de porte de arma e não frequentar determinados lugares (BRASIL, 2006).
É evidente que os casos de violência contra as mulheres vêm diminuindo sua gravidade após a promulgação da Lei Maria da Penha, pois após o registro da medida protetiva, dificilmente acontecerá algo de maior gravidade com a vítima. Quanto maior o número de mulheres que denunciarem, maior será a quantidade de casos, pois essa divulgação faz com que outras vítimas tomem a mesma atitude. Porém, há muitas mulheres que ainda não possuem conhecimento de como chegar ao Poder Judiciário, por falta de informação ou até mesmo por sentirem-se envergonhadas com a situação a qual convivem. Por isso é que se fazem necessárias as políticas públicas.
Um estudo realizado pela ONU e publicado em 2006 diz que “[...] não se poderá erradicar a violência contra a mulher se nos mais altos níveis não existirem a vontade política e o compromisso necessários para que essa tarefa tenha caráter prioritário nos níveis local, nacional, regional e internacional”. Portanto, à vontade e a prática política é exatamente o ponto de partida para minimizar as violências femininas, pois este é nosso principal suporte e garantia. (BANDEIRA, 2009)
Em conjunto com a União, Estados, Distrito Federal e Municípios, destacam-se as ações não governamentais, sejam elas as ONGs, as quais atuam juntamente com o Estado recebendo recursos e doações. Estas políticas públicas possuem um papel importante na comunidade onde é instalada, pois geralmente possuem programas eficientes de combate a violência doméstica, e incentivando as mulheres da necessidade e importância da denúncia bem como na fase que se inicia após esta, contando com assistência à vítima depois de denunciado o agressor.
No texto da Lei Maria da Penha, o tipo criminal é a violência doméstica e familiar contra a mulher, o que foi fundamental para a inserção no sistema de Justiça Criminal, buscando coibir e punir os (as) responsáveis pela agressão, mas o fenômeno a ser combatido é a violência de gênero e esse processo não se esgota na judicialização, mas também nas ações de proteção, assistência e prevenção. (POUGY, 2010, s. P.)
A assistência por políticas públicas para as vítimas é muito importante, pois esta se encontra cheia de dúvidas e medos acerca de sua atitude com o agressor, o que muitas vezes causa a retratação da vítima. Para tanto, se torna de suma importância um conjunto assistencial para as vítimas, de formas a amparar e incentivá-las a manter a denúncia.
Interessante se faz o trabalho dos policiais no acompanhamento da vítima, desde a retirada de seus objetos da casa, e até chegarem ao desvendar do ocorrido, seguindo para o Poder Judiciário, onde serão solicitadas as medidas protetivas. Também realizam o trabalho de afastar o agressor da sua casa. Dispõe o Artigo 11, da Lei 11.340 de 2006:
Art. 11. No atendimento à mulher em situação de violência doméstica e familiar, a autoridade policial deverá, entre outras providências:
I - garantir proteção policial, quando necessário, comunicando de imediato ao Ministério Público e ao Poder Judiciário;
II - encaminhar a ofendida ao hospital ou posto de saúde e ao Instituto Médico Legal;
III - fornecer transporte para a ofendida e seus dependentes para abrigo ou local seguro, quando houver risco de vida;
IV - se necessário, acompanhar a ofendida para assegurar a retirada de seus pertences do local da ocorrência ou do domicílio familiar;
V - informar à ofendida os direitos a ela conferidos nesta Lei e os serviços disponíveis. (BRASIL, 2006).
Obviamente, a formação dos profissionais que irão atuar com essas vítimas, é imprescindível, pois é importante que estejam preparados para os diversos tipos de situações, sabendo falar e ouvir corretamente em cada caso concreto. A preferência de profissionais nessa área seria do sexo feminino, pois na maioria dos casos as mulheres que procuram a delegacia são vítimas de homens, podendo trazer consigo traumas e sentirem medo e constrangidas no momento da denúncia.
Bem como os demais crimes condicionados a representação, a Lei 11.340/2006 necessita que a vítima represente contra o autor dos fatos, é preciso que expresse vontade. Em muitos casos, as vítimas utilizam da queixa apenas para dar um" susto "no companheiro, queixando-se e após retratando-se/renunciando à representação. No processo da referida renúncia ocorre de maneira diferenciada dos demais crimes, pois, conforme Dias (2007, p. 110): “Nas ações penais públicas condicionadas à representação da ofendida de que trata a lei, só será admitida a renúncia à representação perante o juiz, em audiência especialmente designada com tal finalidade, antes do recebimento da denúncia e ouvido o Ministério Público”.
A diferença da retratação na Maria da Penha se dá em frente ao juiz para que as vítimas compreendam a seriedade do assunto. Como já acontecem, são vários os casos de representação e em seguida retratação, repetidos várias vezes pela mesma vítima, que lotam o sistema judiciário, o deixando de mãos atadas para tomar atitudes com o agressor. Não são poucos também os casos de retratação em que dias após as vítimas retornam com lesões muito piores que da primeira vez.
A Lei 11.340/2006 possui um rol de medidas para assegurar a segurança da vítima."São previstas medidas inéditas, que são positivas e mereceriam, inclusive, extensão ao processo penal comum, cuja vítima não fosse somente mulher"(DIAS, 2007, p. 78). Dentre essas medidas encontra-se a medida protetiva de urgência.
As medidas protetivas de urgência, que podem ser encontradas na Lei 11.340, art. 18, consistem basicamente no afastamento do agressor da vítima. Podem ser de afastamento do lar até prisão preventiva, tudo para proteger e resguardar os direitos da vítima bem como os de sua família. Para tanto, é necessário haver noticia ou prática de crimes concretos que justifiquem efetivamente o afastamento, haja vista que trarão muitos prejuízos tanto para agressor quanto aos filhos deste que ficarão afastados do pai.
4.1 Aspectos constitucionais
Os juizados especiais criados com a Lei Maria da Penha, contam com uma equipe diversificada de profissionais das áreas da saúde, jurídica e psicológica. Nas comarcas onde esses ainda não tenham sido criados, os crimes devem ser julgados nas varas criminais. Um aspecto muito importante da Lei 11.340/2006 é o fato de que não se pode aplicar penas pecuniárias ou pagamento de cestas básicas pelo agressor. (RIFIOTIS, 2004)
Além da criação de políticas públicas que visam auxiliar as vítimas da violência. As normas programáticas que estão estabelecidas no Artigo 3º, § 1º da referida Lei tem como objetivo proteger a mulher de toda e qualquer forma de discriminação, violência, crueldade e negligência. Em seu texto, a Lei determina que seja criado um sistema de base de dados referentes à violência doméstica, denominado Sistema Nacional de Dados e Estatísticas sobre a Violência Doméstica. O objetivo da criação desse sistema nacional era para verificar a funcionalidade e a aplicabilidade da lei. A partir da obtenção dos dados é que se tem a possibilidade para verificar a eficácia nas diferentes regiões do país. Segundo Corrêa (2010), a Lei Maria da Penha marca o início de um novo tempo, pois essa norma jurídica transformou os casos envolvendo mulheres vítimas de violência, uma vez que antes eram tratados pelo direito penal como irrelevantes, pois se enquadravam em crimes de menor potencial ofensivo.
Pelo fato da violência doméstica acontecer no ambiente familiar e na maioria das vezes não chegava a se tornar pública a Lei n. 11.340/2006 trouxe um avanço incalculável, pois essa situação deixou de ser tratada como privada e se tornou um problema público, um problema de justiça social. A lei estabelece que os processos sejam tratados com mais agilidade em relação aos outros casos e que o tratamento seja diferenciado por parte dos policiais e dos agentes.
Quando uma vítima procura a Deams - Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher, ela pode solicitar que sejam aplicadas as medidas de segurança para proteção para afastar o agressor de perto dela, a medida de proteção emergencial serve para que o agressor ao cumpra certas medidas impostas pela lei, como forma de garantir à vítima a preservação, seja ela temporária ou não, de sua integridade física, psicológica, sexual, patrimonial e moral.
Lei Maria da Penha também sofre diversas críticas em relação a sua aplicabilidade e constitucionalidade, alguns alegam inconstitucionalidade, uma vez que a Constituição pressupõe que a lei seja igual para todos, portanto não seria possível dar um tratamento diferenciado para as mulheres. Ainda há intolerância em relação à Lei, já que ainda vivemos em uma sociedade preconceituosa e de cultura patriarcal.
Para resolver tal impasse, em dezembro de 2007, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ajuizou uma Ação Declaratória de Constitucionalidade e, em fevereiro de 2012, o Superior Tribunal Federal (STF) referendou por unanimidade a validade da lei, reduzindo, mas não eliminando totalmente, críticas a respeito da mesma. (SOUZA; CORTEZ, 2014, s. P.)
Ocorreram algumas mudanças após a criação da Lei Maria da Penha, uma delas foi a modificação do Código Penal e de Processo Penal. O crime de lesão corporal (art. 129 do Código Penal) teve nova redação ao seu parágrafo 9º na Lei Maria da Penha, que passou a vigorar como qualificadora dos casos onde este crime seja resultante de violência doméstica, com pena de detenção de três meses a três anos. Também foi acrescentado o parágrafo 11 ao artigo 129do Código Penal, para descrever a causa do aumento de um terço da pena, no caso de violência praticada contra pessoa portadora de deficiência quando ocorrer à hipótese do parágrafo 9º.

5 DELEGACIA DA MULHER - DEAMS

As delegacias da mulher são órgãos especializados da Polícia Civil criados em meados da década de 80 como política social de luta contra a impunidade e para dar atendimento mais adequado às mulheres vítimas de" violência conjugal "e crimes sexuais. A primeira Delegacia da Mulher foi criada no ano de 1985, na cidade de São Paulo, no decorrer das décadas de 80 e 90 foram criadas delegacias especializadas no atendimento a mulheres nas principais cidades brasileiras. Atualmente o Brasil tem um total de 397 Delegacias de Atendimento especializado para mulheres vítimas de violência, e 963 delegacias que prestam algum serviço direcionado a mulher, e também serviços para os idosos, jovens e adolescentes vitimas de violência. (BRASIL, 2009). Já o Estado de Santa Catarina conta, atualmente, com 28 delegacias de atendimento especializado à mulher. (SANTA CATARINA, 2015)
Uma pesquisa feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE 2009), em conjunto com a Pesquisa de Informações Básicas Municipais (MUNIC), revela que dos 5.565 municípios do país, apenas 397 deles possuem delegacias especializadas ao atendimento à mulher, correspondente a 7% dos municípios. A coleta de informações pela MUNIC é feita através de questionários respondidos pelas prefeituras.
De acordo com o IBGE (2009), havia 1.043 municípios com algum tipo de estrutura direcionada à mulher, o que representa 18,7% do total de municípios brasileiros. Desses, 262 tinham Casas Abrigos para atendimento a mulheres vítimas de violência, 559 tinham centros de referência de atendimento à mulher, 469 possuíam núcleos especializados de atendimento à mulher das Defensorias Públicas, e 274 tinham Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher. Mesmo após a criação da Lei 11.340, de 2006, não há nenhum decreto ou lei que torne obrigatória a criação das delegacias especializadas em atendimento a mulher.
No quadro a seguir são apresentados dados relacionados aos municípios brasileiros por região e sua rede de atendimento em ocorrências de violência doméstica contra mulheres, tutelados pela lei Maria da Penha.
Quadro 1: Atendimentos de ocorrências tutelados pela lei 11.340/2006 nos estados brasileiros.
Total de Municípios
Municípios com casa abrigo
Abrigo com atendimento psicológico individual
Abrigo com atendimento psicológico em grupo
Abrigo com atendimento jurídico
Abrigo com atendimento médico
Brasil
5.565
262
137
89
109
125
Norte
449
28
15
12
13
12
Nordeste
1.794
42
18
12
18
16
Sudeste
1.668
92
47
31
36
43
Sul
1.188
76
44
25
33
44
Centro-Oeste
466
24
13
9
9
10
Fonte: IBGE (2009)
Basicamente a Delegacia da Mulher, é um setor especializado da Policia Civil, e o seu objetivo maior é instruir inquéritos policiais que levarão aos tribunais judiciais as reclamações das vítimas de violência doméstica para serem julgadas. Comumente as vítimas não procuram as delegacias na primeira vez que sofrem violência, geralmente só chegam a denunciar depois de um longo período de surras, pressão psicológica, esgotamento mental, somente procuram a ajuda de um terceiro quando realmente não aguentam mais sofrem no âmbito doméstico. As vítimas que procuram ajuda nas delegacias, na grande maioria são motivadas a fazer isso pelo apoio de familiares, opinião médica e apoio de amigos. Existem muitas vítimas que chegamaté a delegacia sem o apoio de ninguém, e procura encontrar nos policiais que fazem o primeiro atendimento, por isso é importante salientar o quão difícil e complexo é o trabalho dos profissionais que trabalham nesta área, e como é importante que os profissionais sejam capacitados para poderem dar um bom atendimento satisfazendo as expectativas das vítimas que decidem denunciar a violência (BRASIL, 2011).
Uma característica que deixa os profissionais que fazem atendimentos nessa área sentir-se impotentes e que fazem um trabalho sem valor, é o fato de que não comumente a vítima desiste de levar a ação adiante. Pois se torna desgastante emocionalmente e fisicamente, existe uma grande parte das vítimas que se reconcilia com o agressor, ou sente-se mais ameaçada se continuar com a queixa e prefere desistir da demanda, o que transforma todo o trabalho realizado pelos policias até então, não ter mais sentido, pois a lei assegura o direito da vítima de retirar a queixa e desistir do processo.
No quadro a seguir serão apresentados alguns dados coletados no Fórum da Comarca de São Lourenço do Oeste. Concepção cronológica de casos Maria da Penha (Medidas Protetivas) feita no Poder Judiciário desde a aprovação da Lei 11.340/06 até o presente momento. A partir dos dados poderemos visualizar mais facilmente a percentagem de casos de violência doméstica na cidade de São Lourenço do Oeste.
Quadro 2: Número de ocorrências de violência doméstica registradas no Poder Judiciário na comarca de São Lourenço do Oeste
Ano
Quantidade de casos
2006
05
2007
26
2008
50
2009
72
2010
71
2011
81
2012
90
2013
85
2014
93
2015 (até março)
35
Fonte: Poder Judiciário, Comarca de São Lourenço do Oeste (2015)
Com a exposição dos dados fica evidente que houve um aumento relevante nos casos de violência doméstica que chegaram até o Poder Judiciário, isso não quer dizer que a violência aumentou, e sim que as vítimas encontraram na Lei Maria da Penha uma segurança para denunciar a violência sofrida. Verifica-se que no ano de 2006, ano da promulgação da Lei, chegaram até o Poder Judiciário apenas 05 casos de violência doméstica, no ano de 2007 os casos denunciados aumentaram cinco vezes e nos anos seguintes continuaram aumentando ainda mais.
A partir desses dados conseguimos perceber que efetivamente a Lei Maria da Penha mudou o rumo da violência doméstica, não se pode dizer que a violência diminuiu ou aumentou o que podemos dizer é que antes a violência não era denunciada, acontecia silenciosa e assim ficava, repetindo-se diversas vezes, levando à morte muitas mulheres. Com a nova lei, a mulher brasileira encontrou esperanças para denunciar, ou seja, uma nova proteção para seus direitos e sua integridade física, moral, psicológica.
6 CONCLUSÃO
A lei federal 11.340/06, denominada Lei da Maria da Penha, foi um grande marco na história da mulher brasileira. Esta foi o troféu alcançado por muita luta feminina em busca da proteção de seus direitos. Por ela, o Estado, busca cessar a covarde violência ocorrida no âmbito doméstico, que infelizmente assombra muitos lares e famílias ainda na atualidade.
A violência doméstica em maioria de casos tem como vítima as mulheres, que por muito tempo acreditaram ser merecedoras das agressões sofridas em virtude da cultura machista em que eram criadas. Pela violência ocorrer dentro do próprio lar, as vítimas se encontravam vulneráveis e sem amparo, se fazendo necessário a criação de uma leiespecífica e com maior rigor, que fizesse cessar a violência e proteger as vítimas das agressões, tanto físicas quanto psicológicas, praticadas pelo companheiro de vida.
Vale ressaltar que grandes avanços foram alcançados até os dias atuais em busca da repressão da violência doméstica. Entretanto, embora esteja redigida nos ditames da lei e muito atrativa no papel, muitas mudanças devem ocorrer para que a lei Maria da Penha passe a condizer com a realidade enfrentada pelas vítimas e, consequentemente, surtir os efeitos esperados.
Uma das maiores dificuldades enfrentadas pela lei Maria da Penha é a dependência que a maioria das vítimas possuem do agressor, seja economicamente ou afetivamente, que as impedem de representar e assim surtir os efeitos da lei. Infelizmente, é compreensível a atitude tomada pelas vítimas, pois falta à sustentação, o apoio posterior após o afastamento do agressor, que vai além do alcance do Poder Judiciário.
Entretanto, a lei Maria da Penha mesmo com as carências sofridas é de suma importânciapara a luta contra a violência doméstica, pois desenvolve um papel intimidador e educativo para com o agressor, de maneira a repensar as relações humanas, mesmo que ainda muito deve ser alterado para atingir uma plena eficácia.
É notório que o primeiro e grande passo em busca da cessação da violência doméstica já foi dado, com a criação da lei federal 11.340/2006, mas a classe feminina não deve calar sua voz, e continuar em busca do aperfeiçoamento, de forma a surtir seus efeitos de maneira eficaz. Inclusive, a Lei não objetiva apenas a punição do agressor, mas quer provocar reflexões acerca de mudanças das relações humanas.
Em síntese, muito já se foi alcançado, mas muito ainda precisa ser modificado para enfrentar a violência doméstica com medidas que condigam com a realidade enfrentada pelas vítimas, para de fato disseminar essa cruel violência dos lares brasileiros.

REFERÊNCIAS
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BANDEIRA, Lourdes. Três décadas de resistência feminista contra o sexismo e a violência feminina no Brasil:1976 a 2006. Net, Brasília, mai. 2009. Disponível em:. 2008. Acesso em: 01 maio 2015
CARNEIRO, Alessandra Acosta; FRAGA, Cristina Kologeski. A Lei Maria da Penha e a proteção legal à mulher vítima em São Borja no Rio Grande do Sul: da violência denunciada à violência silenciada1. Net, São Paulo, jun. 2012. Disponível em:. Acesso em: 15 abr.2015.
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