segunda-feira, 21 de agosto de 2017

A responsabilidade civil do profissional de educação física: interpretação jurídica das ações profissionais à luz do direito positivo


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Introdução
    Este artigo procurará analisar, à luz do direito positivo brasileiro, a responsabilidade civil do profissional de educação física nas suas áreas típicas de atuação, como a escola, a academia, os hotéis, os acampamentos, os treinamentos pessoais, os esportes de aventura. Para isso discutiremos primeiramente os conceitos doutrinários de responsabilidade civil, trazendo as teses fundamentais de juristas renomados do direito pátrio. Posteriormente, trataremos dos elementos legais deste instituto e sua fundamentação legislativa, bem como a sua relação no direito penal e civil.
    Fundamentado o objeto de análise, responsabilidade civil, discutiremos as situações fáticas que geram responsabilidade civil do profissional de educação física, usando como procedimento metodológico duas abordagens. A primeira consiste em conjeturar situações fáticas a partir do direito, colocando ocorrências corriqueiras que o profissional se depara no exercício da sua profissão, mostrando como o direito solucionaria estes conflitos no caso concreto. A segunda abordagem é comparativa, compararemos a responsabilidade civil do profissional da medicina com a do profissional de educação física. Este artifício metodológico será utilizado por dois motivos:
    1. Proximidade das profissões no campo jurídico: (a) tem uma relação jurídica com pessoas e não com coisas; (b) atuam determinantemente na área da saúde; (c) prestam serviços a terceiros; (d) exercem atividade que podem causar dano a direito alheio.
    2. Facilidade; existem muitos textos e julgados versando sobre a responsabilidade civil do médico.
    A partir dos dados coletados faremos uma aproximação do direito brasileiro com as diferentes atuações do profissional da educação física, permitindo ao profissional conhecer seus direitos e responsabilidades no exercício do seu trabalho.

Responsabilidade civil: conceitos doutrinários
    A teoria da responsabilidade civil integra o direito obrigacional. Segundo o renomado jurista Washigton de Barros Monteiro "Todo direito, seja qual for sua natureza, pessoal ou real, sempre encerra uma idéia de obrigação, como antítese natural" (1973, p.3). O direito e a obrigação são partes fundamentais para a consolidação da justiça. Podemos afirmar que a busca do valor justiça esta justamente no cumprimento das obrigações quando existe um direito. Fica evidente que não existe direito sem a respectiva obrigação, nem a obrigação sem o correspondente direito.
    Washigton de Barros Monteiro (1973, p.32) defende ainda que a "obrigação é a relação jurídica de caráter transitória, estabelecida entre o devedor e credor e cujo objeto consiste numa prestação pessoal econômica". Seguindo as palavras do doutrinador, a obrigação é um vínculo jurídico que une dois pólos - o pólo ativo e o pólo passivo. No pólo ativo, quando o vínculo nasce, surge uma prerrogativa que se denomina direito subjetivo de crédito, este consiste em exigir do pólo passivo o cumprimento de um dever jurídico. Ao mesmo tempo, no pólo ativo surge a pretensão1 que fica latente e que aflora quando o dever não é cumprido. No pólo passivo, portanto, ao surgir o vínculo jurídico, surge também o dever de satisfazer o pólo ativo. Este dever terá o nome de prestação, a qual tem conteúdo patrimonial. Por isso, quando o vínculo assim se completa, automaticamente o patrimônio de quem está no pólo passivo fica submetido aos desígnios do pólo ativo.
    A responsabilidade civil é entendida pela doutrina como uma vinculação de uma pessoa a outra, através das declarações de vontade e da lei, tendo por objeto um direito ou dever. Para o professor Silvio Rodrigues (2002a, p.345) a "responsabilidade civil é a obrigação que pode incumbir uma pessoa a reparar o prejuízo causado a outra, por fato próprio, ou por fato de pessoas ou coisas que dela dependam".
    A responsabilidade civil neste contexto tem como objetivo principal uma obrigação de reparar danos. Pode ser entendida de duas formas, conforme ensina a professora Maria Helena Diniz (2000), a primeira consiste na obrigação de reparar quaisquer danos antijurídicos causados a outrem, isto é, resultantes da violação de direitos alheios, de forma não permitida pelo ordenamento. A segunda coloca a responsabilidade civil abrangendo tanto a obrigação de reparar danos decorrentes de inadimplemento, de má execução ou de atraso no cumprimento de obrigações negociais como a resultante de violação de outros direitos alheios, sejam eles absolutos ou meros direitos de crédito.
O fundamento da responsabilidade civil está na alteração do equilíbrio social produzida por um prejuízo causado a um dos seus membros. O dano sofrido por um indivíduo preocupa todo o grupo porque, egoisticamente, todos se sentem ameaçados pela possibilidade de, mais cedo ou mais tarde, sofrerem os mesmos danos, menores, iguais e até maiores (ALCÂNTARA 1971, p.8).
    Na égide dos ensinamentos do mestre Jéferson Dalbert (1972, p.42) atribui à responsabilidade o caráter de conseqüência de um comportamento; se este for conforme a lei, não gera obrigação para o autor, se contrário, acarretará sanção ao agente:
A responsabilidade é, portanto, resultado da ação pela qual o homem expressa o seu comportamento, em face desse seu dever ou obrigação. Atua-se na forma indicada pelos cânones, não há vantagem, porque supérfluo, em indagar da responsabilidade daí decorrente. Sem dúvida, continua o agente responsável pelo procedimento. Mas a verificação desse fato não lhe acarreta obrigação nenhuma, isto é, nenhum dever, traduzido em sanção ou reposição, como substitutivo do dever de obrigação prévia, precisamente porque a cumpriu.
    O excelentíssimo desembargador Carlos Roberto Gonçalves (2002, p.12) ensina que no campo da responsabilidade civil encontra-se a "indagação sobre se o prejuízo experimentado pela vítima deve ou não ser reparado por quem causou e em que condições e de que maneira deve ser estimado e ressarcido". Lembra ainda o mestre que o direito sempre procura restituir o mundo jurídico antes da violação (princípio da restitutio in integrum), quando não é possível faz-se a compensação por meio da indenização.
    Antes de apontar em quais situações fáticas haverá indenização, devemos estar atentos para o princípio do dano. A certo consenso na doutrina que dano é a lesão de qualquer bem jurídico, patrimonial ou moral. É toda a desvantagem ou diminuição que sofremos do nosso bem jurídico (corpo, bem, imagem, honra, vida, crédito). Só pode haver responsabilidade civil se houver dano. Se um motorista comete várias infrações de trânsito, mas não atropela nem bate o carro não haverá indenização. Este princípio declara que nem todos os atos ilícitos estão inseridos na idéia de responsabilidade civil, estando restrito a este instituto a lesão de direito alheio.
    Na visão de Antonio Vasconcelos Benjamin (1991) a responsabilidade civil é um regulamento que se empenha em proteger situações desajustadas ao direito. No mesmo sentido Sílvio de Salvo Venosa (2002, p.349) aponta que a responsabilidade civil "encerra a noção em virtude da qual se atribui a um sujeito o dever de assumir as conseqüências de um evento ou de uma ação".
    Fica configurado que a doutrina aponta com acerto que quando houver ato ilícito e este causar dano poderá existir responsabilidade civil. A responsabilidade civil baseia-se na idéia de ação ou omissão do agente praticada dolosa ou culposamente, isto é, que o sujeito lesione direito subjetivo alheio, e, logicamente, haja um nexo causal entre a lesão ao direito e a ação ou omissão. Deste modo, assevera-se que, como descrito no Código Civil - Art. 186: "Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito". Aponta o legislador com convicção que pode dar causa a reparação civil o dano moral, este é compreendido pela lesão que integra os direitos de personalidade, como honra, dignidade, intimidade, imagem e bom nome.

Elementos da responsabilidade civil
    Não somente a simples lesão de direito configura a responsabilidade civil. Para constituí-la no ordenamento jurídico pátrio é necessário alguns elementos que o complementam. Estes elementos servem para definir os atos e ofertar ao magistrado mais informações para sustentar uma decisão. Se não houvesse estes delineamentos o direito tornar-se-ia incerto, dando uma instabilidade ao mundo jurídico.
    O primeiro dos elementos que configuram a lesão ao direito é a idéia contida no Art. 186 do Código Civil, no qual define o dano pela ação (fazer) ou omissão (deixar de fazer) do agente - para configurar a responsabilidade jurídica por omissão é necessário que exista dever jurídico de praticar determinado fato (de não se omitir) e que se demonstre que, com sua prática, o dano poderia ter sido evitado. O dever jurídico de não se omitir pode ser imposto por lei (dever de prestar socorro a vítima de acidente imposto a todo condutor de veículo) ou resultar de convenção (dever de guardar, de vigilância, de custódia) e até de criação de alguma situação especial de perigo, sendo que nesta ação ou omissão deve haver dolo ou culpa.
    O renomado jurista Clovis Beviláqua (BEVILÁQUA, 1929, p.219) define dolo como "artifício ou expediente astucioso, empregado para induzir alguém à prática de um ato jurídico, que o prejudica, aproveitando o autor do dolo ou terceiro". O penalista Mirabete (2002) cita que o dolo é uma prática intencional onde o fato descrito na lei penal casa-se ao ato do sujeito, o sujeito conjuga o verbo do tipo intencionalmente. Já a culpa consiste na prática não intencional de um delito, faltando ao agente o dever de atenção e cuidado. A culpa pode ser movida por negligencia (displicência, relaxamento e falta de atenção, como não observar a rua quando dirigir o carro); imprudência (conduta precipitada, criação desnecessária de um perigo: dirigir em excesso de velocidade); imperícia (falta de habilidade técnica para certas atividades: não saber dirigir um carro).
    Interpretando as palavras dos juristas apresentados podemos afirmar que quando o direito é violado devemos perguntar sobre a intenção do sujeito. Se ela foi proposital caberá em um tipo legal próprio. Se foi acidental, mas houve negligência, imprudência ou imperícia, caberá em outro tipo descrito na lei.
    Outros elementos devem ser analisados, como o nexo causal. Para o grande jurista Celso Delmanto (1991, p.19) o nexo de causalidade é a relação da ação/omissão com o resultado, atribuindo somente a quem lhe deu causa. Em outras palavras a relação de causalidade deve ser entre ação ou omissão do agente e o dano verificado. Se houve dano, mas sua causa não está relacionada com o comportamento do agente, inexiste a relação de causalidade e também a obrigação de indenizar. Pela teoria da equivalência das condições, também denominada "conditio sine qua non" toda e qualquer circunstâncias que haja concorrido para produzir dano é considerada uma causa. Sua equivalência resulta de que suprimida uma delas, o dano não se verificaria. O ato do autor do dano dera condição "sine qua non" para que o dano se verificasse. Esta tese é abolida porque poderá causar situações absurdas: como no homicídio poderíamos chegar até o fabricante da arma; ou o marceneiro que fez a cama onde se consumou o adultério. Por isso utiliza-se a teoria da causalidade adequada, pois ela somente considera como causadora do dano a condição por si só apta a reproduzi-lo.
    Ocorrendo certo dano temos de concluir que o fato que originou era capaz de lhe dar causa. Se tal reação de causa e efeito existe sempre em casos dessa natureza, diz-se que a causa era adequada a produzir o efeito. Se existiu no caso em apreciação somente por força de uma circunstância acidental, diz-se que a causa não era adequada. Exemplo doutrinário clássico é do acidentado em atropelamento, que ao ser transportado pela ambulância a mesma colide causando a sua morte. Sendo a causalidade adequada o autor do primeiro ato reponde apenas pelos ferimentos causados a vítima, a causa de morte será de responsabilidade do motorista da ambulância.
    Entre as excludentes da responsabilidade civil, temos:
  1. Culpa da vítima: sujeito se joga na frente do carro tentando o suicídio;
  2. Caso fortuito: uma enchente carrega o carro colidindo com um terceiro;
  3. Exercício regular de direito: Colisão de carro em corridas automobilística;
  4. Legítima defesa: assaltante armado quer levar veículo. Condutor com medo e querendo defender-se sai em disparada acertando o agressor.
    Todas estas situações rompem o nexo de causalidade não havendo responsabilidade civil.
    Interpretando os dizeres de Maria Helena Diniz (2000) temos que o direito civil brasileiro estabelece que o princípio geral da responsabilidade civil, em direito privado, repousa na culpa. O agente provoca a lesão por uma ação direta que está vinculado intimamente ao fato.
    Isto não obstante, em alguns setores, como apresenta com propriedade o professor Antonio Lima (1963), acrescenta-se a teoria do risco. Assim é que a legislação sobre acidentes no trabalho é nitidamente objetiva; a que regula os transportes em geral (estradas de ferro, aeronáutica) invoca-a; mais recentemente a responsabilidade civil das instituições financeiras.
    Deste modo a responsabilidade civil desloca-se da noção estrita de culpa lato sensu para a idéia de risco, ora encarada como risco-proveito, ora como risco-atividade. O primeiro instituto se funda no princípio segundo o qual é reparável o dano causado a outrem em conseqüência de uma atividade realizada em benefício do responsável - o direito acredita que o empregado executa atividade que reverte benefício econômico para o empregador. A súmula 341 do Supremo Tribunal Federal presume culpa do patrão ou comitente pelo ato culposo do empregado ou preposto - (empregado de transportadora colide com veículo. Responsabilidade Civil da empresa. Empregado a serviço em proveito aos lucros do dono). O segundo instituto se traduz no princípio que dita que deve indenizar o dano causado por uma atividade que naturalmente pode lesar direito (Banco extravia documentos do correntista. Responsabilidade civil da instituição. Dever de sigilo).
    Reza o Código Civil no seu Art. 927 que:
Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.
    Na teoria do risco o agente indeniza não porque tenha culpa direta, mas porque a culpa é presumida já que ele é o proprietário do bem ou o responsável pela atividade que provocou o dano (GOMES, 1997). O exercício da atividade leva a um risco, o agente assume a responsabilidade resultante da atividade. A responsabilidade pode derivar, também, de ato próprio ou ato de terceiro que esteja sobre guarda do agente (Art. 936, 937 do Código Civil). Exemplo clássico é o dano causado por animal, neste caso a culpa do dono é presumida, chamada responsabilidade objetiva imprópria - responsabilidade do guardar a coisa inanimada.
    Fica evidente no Artigo 942 do Código Civil pátrio que descreve:
Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam sujeitos à reparação do dano causado; e, se a ofensa tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente pela reparação. Parágrafo único. São solidariamente responsáveis com os autores os co-autores e as pessoas designadas no art. 932 (Os pais, pelos filhos menores; tutor, pelos pupilos; empregador, pelo empregado).
    Outra denominação para esta circunstância é a presunção de culpa e responsabilidade solidária, nos casos que o agente responde por culpa de terceiro (empregado, filho) ou por ser dono (animais). Pode acontecer ainda, concurso de agentes na prática de ato ilícito, quando duas ou mais pessoas o praticam. Surge a solidariedade dos agentes (Art.932 Código Civil) entre pais e filhos menores, empregados e empresários. É por essa razão que a vítima pode acionar diretamente o empregador. Porque o empresário, o pai e o dono do animal concorrem juntamente com o sujeito ou coisa que causou o dano.
    A Constituição Federal, promulgada em 05 de outubro de 1988, estabeleceu, no seu art. 37, 6°, que:
As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado, prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
    Fica clarividente que o legislador com este instituto de responsabilidade civil solidária, teoria do risco e culpa lato sensu quis privilegiar o agente com o direito lesado, ao permitir que este entre com a ação de reparação contra aquele que possui condições materiais para reparar a lesão. O legislador presumiu acertadamente que o empregador tem melhores condições de ressarcir o dano que o empregado, o mesmo dos pais com os filhos, nem se deve pronunciar sobre o dono e objeto inanimado. Este instituto serviu para dar maior agilidade ao processo e também permitiu ao direito restituir a normalidade ao mundo fático. Todavia, sabiamente, o legislador institui um instituto chamado de ação de regresso, no qual o empregador e o responsável legal poderão entrar com ação contra o empregado e tutelado, eliminando a possibilidade do empregado ou tutelado agirem dolosamente para prejudicar o empregador ou responsável legal. Para elucidar este princípio podemos pegar como exemplo o caso em que o empregado colide o carro da firma em outro num dia de folga. O terceiro entrará com ação contra o empregador, por permitir o sujeito a andar com o carro, não importando se era dia de folga. Cabe ao empregador entrar com ação de regresso contra o seu empregado. A jurisprudência tem adotado como princípio as condições do acidente, segue o padrão de negar ação de regresso se o empregado estava cumprindo ordens e tarefas para o empregador. A mesma linha de raciocínio serve para os responsáveis legais e os tutelados.
    Abordando a responsabilidade civil de maneira ampla podemos destacar que há obrigação de indenizar nas seguintes situações:
  1. Sujeito causar dano por ato ilícito (Art.927, caput, Código Civil);
  2. A atividade implica risco para direito alheio (Art. 927, parágrafo único, Código Civil);
  3. Representante legal quando o dano for causado por menor ou incapaz (Art. 928, Código Civil);
  4. Empresário quando dano for causado pelo empregado independentemente de culpa (Art. 931, Código Civil);
  5. Dono de animal (Art. 936, Código Civil).
    Escreve Silvio Rodrigues (2002b) que os pedidos de ressarcimento por dano confunde-se com o anseio de devolver a situação anterior à prática do ato ilícito, e, embora, na maioria das vezes essa possibilidade seja improvável, é a indenização2 a única solução adequada.

Interface do Direito Civil e do Direito Penal na responsabilidade civil
    Apesar de nossa discussão consistir em responsabilidade civil, muitas questões envolverão o direito penal e o civil conjuntamente, cabendo algumas colocações para a compreensão do tema.
    Clovis Beviláqua (1929, p.39) afirmava que:
O Direito Penal vê, por trás do crime, o criminoso e o considera um ente anti-social, ao passo que o Direito Civil vê, por trás do ato ilícito, não simplesmente o agente, mas principalmente a vítima, e vem em socorro dela, a fim de, tanto quanto lhe for permitido, restaurar seu direito violado, constituindo a eurritmia social refletida no equilíbrio dos patrimônios e das relações pessoais, que se formam no círculo do direito privado.
    Segundo o renomado jurista Carlos Gonçalves (2002) algumas questões são fundamentais para compreender a separação do plano civil com o penal. Um ato ilícito, por exemplo, pode ser civil ou penal, em vista exclusivamente da norma jurídica violada pelo agente. Na responsabilidade penal o agente infringe uma norma penal de direito público. O interessado lesado é o direito da sociedade. Na responsabilidade civil, o interesse diretamente lesado é o privado. No furto a sociedade quer que o sujeito seja punido em prol da paz social e o lesado quer ressarcir o dano. Incide a norma tanto no direito civil como no criminal.
    A responsabilidade penal é pessoal e intransferível. A responsabilidade civil é patrimonial podendo transferir a terceiros. Caso do motorista da empresa que atropela transeunte. No penal apenas o motorista será réu. No civil o empregador será responsabilizado.
    No civil qualquer pessoa pode ser indiciada desde que assistida. No criminal apenas o imputável. Caso do menor que furta. No civil o responsável legal responde pelos atos deste. No criminal ele será inimputável não cabendo sanção.
    Ainda utilizando os ensinamentos de Carlos Gonçalves (2002), para a responsabilidade civil o direito penal serve muitas vezes como indicativo da culpa do agente, quando julgado uma ação penal esta vale para o civil, ficando a lide civil apenas com o processo de designar a quantia da indenização. O contrário não é verdadeiro, se o réu for inocentado no penal pode ser culpado no civil. Este artifício é denominado sentença do absolutório, onde o réu absolvido pode ser condenado a reparar dano a terceiro. Segundo o renomado jurista Silvio de Salvo Venosa (2002c), isto ocorre porque as excludentes de culpabilidade e exclusão da ilicitude são muito amplas no direito penal, devido, principalmente, a política criminal. Exemplo disso é o Estado de Necessidade, servindo como exclusão da ilicitude no campo penal. Mesmo excluído a ilicitude o sujeito deve reparar o dano na esfera civil. Caso do sujeito que sobe no carro para fugir de cão raivoso. No plano penal haverá exclusão de ilicitude (destruição de coisa alheia), porém no plano civil o agente deverá ressarcir o prejuízo ao possuidor do carro. Podendo o réu entrar com ação de regresso contra o dono do animal.

Situações fáticas que geram responsabilidade civil do profissional de educação física
    O tema responsabilidade civil gera grande dificuldade para os doutrinadores e aplicadores do direito, não nos seus conceitos teóricos, como apresentado neste texto, mas sim quando a responsabilidade incide a uma profissão particularizada, ou ação específica. Apesar do direito ser positivo e objetivo, ele tem um componente interpretativo fundamental, sendo uma das bases do magistrado para proferir a sentença.
    Por isso, a interpretação, nestes casos, torna-se complexa, justamente por não haver elementos para conhecer o comportamento dos agentes na relação jurídica no caso concreto.
    Para isso utilizar-se-á duas abordagens, a primeira consiste em construir hipóteses fáticas a partir da letra da lei, colocando situações cotidianas que o profissional se depara no exercício da sua profissão e apresentando possíveis soluções dos conflitos supostos. A segunda abordagem é comparativa, isto é comparar-se-á a responsabilidade civil do médico com a do profissional de educação física. Este artifício metodológico será utilizado por dois motivos, o primeiro pela proximidade das profissões no campo jurídico, porque ambos: (a) têm uma relação jurídica com pessoas e não com coisas; (b) atuam determinantemente na área da saúde; (c) prestam serviços a terceiros; (d) exercem atividade que podem causar dano a direito alheio. O segundo motivo é de ordem prática, porque existem muitos textos acadêmicos que versam sobre a responsabilidade civil do médico. Existem inúmeros casos e textos científicos que tratam as diferentes ações do médico no seu exercício da medicina a partir da responsabilidade civil. Pegar-se-á as situações que mais aproximam os objetos, para depois compará-las.
    Guardado a devida proporção com a medicina, sabe-se que a educação física é uma área em expansão, logo virão os primeiros casos julgados sobre a atuação do profissional, os limites, os erros no exercício profissional, enfim, quanto mais a sociedade utiliza um determinado ofício, mais ela conhece seus direitos e deveres - segundo Hermes Rodrigues Alcântara (1971) foi o caso da relação direito e medicina. Deste modo, cabem aos educadores físicos conhecer o direito. Já que é inescusável como alegação jurídica do réu, o desconhecimento da lei.
    Para iniciarmos a análise da primeira abordagem podemos estudar a responsabilidade civil do encarregado do menor. Um dos grandes casos da responsabilidade civil é a guarda do menor deferida a terceiro. O grande doutrinador Silvio de Salvo Venosa (2002a) aponta que para efeitos jurídicos torna-se este o único responsável por seus atos, ficando exonerados os pais. Episódio de educação física escolar. O profissional de educação física juntamente com o dono da escola concorrem para responsabilidade de vigilância do menor, seja se este comete ato contra terceiro, ou se o mesmo sofre alguma lesão. É o que reza o Art. 932, inciso IV do Código Civil:
São também responsáveis pela reparação civil: os donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos onde se albergue por dinheiro, mesmo para fins de educação, pelos seus hóspedes, moradores e educandos.
    Tal dispositivo não tem haver com pagamento, as escolas públicas estão sob o mesmo dispositivo. Se o dano é causado pelo aluno contra terceiros responde o educador pelos prejuízos. Podendo ter ação regressiva, como já discutido, contra o aluno que puder efetuar o ressarcimento, porém os pais não têm obrigação de fazê-lo, pelo fato de o dever de vigilância transferir-se para o estabelecimento de ensino no período de aula. Segundo a jurisprudência (Revista dos Tribunais, 597: 173, 612:44): "Se ocorrer algo com o aluno tem este ação contra o estabelecimento". Assim, no período em que os alunos se encontram no estabelecimento de ensino o dever de vigilância passa ao educandário, mesmo que o regime não seja de internato, ficando isento os pais. No caso de lesão corporal leve o educador indenizará o aluno das despesas de tratamento (dano emergente) e dos lucros cessantes até o fim da convalescença, além de algum outro prejuízo que o ofendido pode haver sofrido. A revista dos tribunais (554: 148; 579: 119) apresentou jurisprudência que vão neste sentido.
    Esta mesma responsabilidade civil existe nos trabalhos desenvolvidos pelos graduandos em educação física na recreação em hotéis. Ao proporcionar uma atividade qual seja: andar a cavalo, bicicleta, jogos desportivo, atividades físicas. O recreacionista (monitor) torna-se responsável civil pelos atos dos menores que não estiverem com os pais. Respondendo civilmente em concordância com o artigo 932 do código civil. Fica evidente para o direito e jurisprudência que quando um sujeito assume a guarda, mesmo que momentânea, de um incapaz (seja por idade, seja por retardamento mental) responsabiliza-se pelos atos deste. Portanto um alerta desde já para aqueles que trabalham neste campo, muitas vezes promovem atividades que põem em risco o menor, principalmente em acampamentos de férias. Para o direito não são válidos os contratos assinados pelos pais isentando o acampamento de qualquer responsabilidade perante o menor, a responsabilidade é subjetiva e tem efeito erga omnes, não podendo declarar isenção. Os exemplos são inúmeros, como: andar em via de trânsito com hóspede menor que por descuido atravessa a rua colidindo com automóvel. Dever de indenização do responsável no momento da ação (monitor). Concorrem com a culpa o monitor, o dono da agência de monitores e o dono do hotel por ter contratado o serviço. Podendo o dono de hotel entrar com ação de regresso caso configurar-se culpa do monitor.
    Deixando claro que há a responsabilidade civil ampla e presumida daquele que guarda o menor, devemos explorar o tema para outros sujeitos.
    Como ensina Carlos Gonçalves (2002) a responsabilidade civil presumida só existe com relação aos menores e incapazes, cabendo outros quesitos com relação aos capazes civilmente.
    A atuação dos recreacionistas nos hotéis também ocorre com os capazes. Na doutrina a única forma de responsabilidade típica do profissional - digo típica porque devemos excluir todas aqueles deveres objetivos, como: respeito a integridade física, a vida, a honra, ao nome, ao corpo, a liberdade - seria a de causar perigo a direito alheio, como fazer caminhada em local que há animais peçonhentos, ou com perigo de desabamento, todas as situações que o profissional tem o dever de cuidado.
    O mesmo dever de cuidado deverá ser tomado nas práticas físicas, tanto o treinador pessoal como os professores nas academias, incluso os donos, devem se preocupar com a saúde do praticante, não colocar em risco a integridade física com os aparelhos de musculação, atentar para a busca da saúde e não permitir o consumo de substâncias anabólicas. No plano da responsabilidade civil o profissional que não cumprir a ética profissional incide as regras deste instituto. Como é uma profissão que oferece serviço deve ter o dever de zelar pelas pessoas que cofiam no seu conhecimento profissional.
    Cabe um alerta sobre as atividades ligadas aos esportes de aventura. Na jurisprudência brasileira, como apontado nos itens que discutem a doutrina, há presunção de responsabilidade civil para aqueles que exercem atividade lucrativa que podem gerar perigo ao direito alheio. A lição do renomado jurista Sílvio Salvo Venosa (2002b) aponta claramente para a interpretação deste instituto como sendo parte substancial da teoria do risco. O agente ao exercer a atividade assume civilmente os abusos de direito que seu trabalho possa cometer. Deste modo, não é demais afirmar que quando praticamos rafting, bung jump, mergulho, com empresas profissionalizadas, há presunção de responsabilidade civil destas, via teoria do risco, se ocorrer violação de direito subjetivo. Não existe a possibilidade de isenção da culpa, através de subterfúgios como declarações de responsabilidade do cliente. Logicamente existem exceções, apenas no caso concreto com o julgo correto do juiz a lide se findará, mas devemos ter claro que a presunção de culpa da empresa é fundamental para este caso. Na situação fática apontada incide o artigo 187 do Código Civil que reza: "Também comete ato ilícito o titular de um direito que ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes".
    Antes de compararmos a doutrina e a jurisprudência da responsabilidade civil do médico com o profissional de educação física devemos deixar claro que nem todas as lesões nas atividades físicas, com incapazes ou capazes, são passíveis de indenização. Segundo Mirabete (2002, p.190) as atividades desportivas possuem forte inserção social e as lesões sofridas em muitas delas fazem parte do próprio esporte, como este é uma construção social, a lesão é aceita socialmente. No pugilismo se aceita a lesão corporal, no basquete o contato, no futebol as faltas, dentro dos limites das regras, havendo excessos existe responsabilidade. Na doutrina e na legislação o princípio que permite este tipo de atividade chama-se exercício regular de direito. Um artigo muito elucidativo sobre o tema foi escrito pelo Juiz de direito Leônidas Moldes "O direito penal, o direito esportivo e seus interesses para os profissionais de educação física", no qual faz diversas analogias da prática esportiva e o limite do abuso de direito. No caso concreto o magistrado deve estar atento para os limites do exercício regular do direito, os abusos e, no caso do presente artigo, a responsabilidade civil do educador físico que conduz a atividade.

Análise comparativa da responsabilidade civil dos profissionais: médico e educador físico
    Esta parte deste artigo aproximará a jurisprudência e a doutrina que abordam exclusivamente a responsabilidade civil do médico com a atuação do profissional de educação física. Para isso descrever-se-á num primeiro momento os ensinamentos dos autores sobre a responsabilidade civil no exercício da medicina - logicamente os temas foram selecionados para servir de modelo comparativo, deixando claro que esta discussões não representam a complexidade da responsabilidade civil dos médicos -, depois disso far-se-á a ponte com a educação física.
    Segundo ensinamentos de Alcântara (1971) a responsabilidade civil do médico sempre provocou várias controvérsias, não apenas pela sua inclusão ora no campo contratual, ora no campo extracontratual; mas, principalmente, pela maneira mais circunstancial em que a profissão é exercida. Existem duas visões predominantes na responsabilidade civil do médico, a primeira se apóia na teoria do risco, onde qualquer dano causado a direito alheio deve ser indenizado não importando culpa, e a teoria subjetiva que tem como bases a culpa do agente para apoiar a reparação civil e o princípio que desvincula o médico do resultado. Dentre as principais discussões do primeiro grupo, podemos levantar o princípio político-econômico, tendo como princípio mais aceito o da reparação dos danos, caracterizado por uma exigência econômica em decorrência da qual qualquer dano deve ser reparado. O que se pretende na responsabilidade civil - quase ilimitada - é tão somente assegurar o equilíbrio social, quando um prejuízo produzido poderia causar dano a um dos membros do grupo.
É claro que o médico, ao exercer suas atividades junto ao paciente, sua intenção é beneficiá-lo. Mesmo assim o dano pode surgir. Isso o obriga, pela teoria objetiva da responsabilidade, a reparar o prejuízo, pois uma vontade honesta e a mais cuidadosa das atenções não eximem o direito de outrem. O certo é que os tribunais até a algum tempo somente caracterizavam a responsabilidade médica diante de um erro grosseiro ou de uma forma indiscutível de negligência. Hoje a tendência é outra: apenas a inexistência de nexo de causalidade, de força maior, de atos de terceiros ou de culpa do próprio paciente isentariam o médico da responsabilidade. Infelizmente, a inclinação desses tribunais é retirar dos médicos uma série de privilégios seculares, mesmo sabendo-se que as regras abstratas da justiça nem sempre são de fácil aplicação nos complexos e intricados momentos do exercício da medicina. O médico passa a ser, a cada dia que passa, uma peça a mais, igual às outras, do organismo social (ALCÂNTARA, 1971, p.23).
    Pelo que se revela, a visão dos tribunais está se voltando para a reparação do dano, pouco importando que o resultado seja demonstrado por uma falha instrumental ou da ciência, quando a culpa do médico não chegou a ser comprovada. Esta responsabilidade do médico está presa pelo aspecto contratual que faz da relação médico-paciente um contrato de locação de serviços. Os julgadores não estão muito preocupados em examinar profundamente as razões subjetivas da culpa, senão apenas em reparar o dano.
    Assim, como preleciona o mestre Carlos Gonçalves (2002, p.45) "não se exige que a culpa do médico seja grave, para responsabilizá-lo. Para tanto basta a culpa levíssima, desde que haja o dano".
    A teoria do risco, ou, objetiva, tem como idéia base que todo o dano é indenizável e deve ser ressarcido por quem a ele se associa por um liame de causalidade, desprezando, nesse posicionamento, a tradicional idéia de culpa, e a clássica teoria da culpa subjetiva ou teoria subjetiva ou aquiliana. Já a teoria subjetiva tem como base teórica a idéia de culpa do médico. No mesmo sentido, a decisão da Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais:
sendo a obrigação do médico de meio e não de resultado, é ele responsável pelo insucesso de uma cirurgia apenas quando fica provada sua imprudência ou negligência. Sem a prova de elemento subjetivo da responsabilidade civil, tudo há de ser debitado ao infortúnio. Não se apurando, na instrução do processo, nada que possa comprovar o inadimplemento da obrigação de propiciar assistência médica adequada, não há lugar para imputar-se responsabilidade indenizatória, seja ao respectivo médico assistente do paciente ou da própria organização onde o mesmo se acha hospitalizado.
    Isso significa que, a despeito de não se obrigar a curar o paciente, ele (o médico) tem o dever de prestar seus serviços de maneira adequada, com imaculada dedicação de seus esforços e conhecimentos no tratamento da enfermidade, atuando com o indispensável zelo e, conforme as circunstâncias, utilizando-se dos recursos científicos postos à sua disposição.
    Logo, o médico, antes de tudo, deve proceder de acordo com o que ordena o Código de Ética Médica, devendo agir com diligência e cuidado no exercício de sua profissão, para que assim, não seja responsabilizado por algum de seus atos.
    A partir destes elementos colocados podemos fazer agora as aproximações devidas sobre a atuação do profissional de educação física e suas peculiaridades. Apontando a teoria que melhor se adequar a função, os motivos para esta adequação e seus fundamentos.
    A responsabilidade do profissional de educação física na área de atividade física das academias e treinadores pessoais é contratual porque o sujeito procura e é por ele atendido. Apesar de ser contratual, a obrigação que tais profissionais assumem é de meio, e não de resultado. Obriga-se a tratar o cliente com zelo, utilizando-se dos recursos adequados, não se comprometendo, contudo, a cumprir os desejos deste. Caso do sujeito que vai a academia para perder peso, o profissional de educação física deve oferecer o seu conhecimento para facilitar o cliente a atingir seu objetivo, mas ele não fica vinculado civilmente à busca do resultado. O profissional será responsabilizado se ficar comprovado a negligência ou imprudência no emprego desses recursos. Não há possibilidade de indenizar por falta de resultado porque existem muitas incógnitas subjetivas a serem desveladas, mas isto não impede que o profissional aja dolosamente prometendo resultados, fazendo o cliente comprar o serviço deste com erro ou vício. Neste caso pode-se falar de indenização. No entanto, ela não é por responsabilidade civil por falta do resultado, mas sim por dolo do agente.
    A teoria do risco de indenização quando houver dano, mesmo sem culpa, é aplicável nos casos de educação física. Caso do cliente que está no aparelho de musculação e se fere perdendo dias de trabalho, caso não haja culpa do cliente responde o profissional e a academia pelo dever de cuidado, No caso de lesão corporal leve a academia indenizará o cliente das despesas de tratamento (dano emergente) e dos lucros cessantes até o fim da convalescença, além de algum outro prejuízo que o ofendido pode haver sofrido. No caso concreto fica difícil a comprovação, porque apesar de haver um importante papel do profissional para indicar os melhores exercícios, técnicas e procedimentos, há uma participação do cliente que é fundamental para a execução da atividade. Não existe na atividade física a ação solitária do educador físico (como existe no médico), sempre ele indica uma atuação que o próprio cliente irá executar. Por este motivo fica muito difícil provar que houve erro do educador físico ou da academia nos casos e dano sem culpa.
    Tendo em vista as colocações anteriores, o princípio mais importante importado da doutrina e jurisprudência da responsabilidade civil do médico é a responsabilidade do meio e não do resultado. Podemos afirmar que o profissional de educação física, nas relações de consumo com seus clientes, não está obrigado a um resultado, pois entre eles existe um contrato de meios e não de fins. Seu compromisso é utilizar todos os meios e esgotar as diligências ordinariamente exercidas. Em suma: usar de prudência e diligenciar normalmente a prestação do serviço. Haverá inadimplência se a atividade for exercida de forma irregular, atípica ou imprudente, e se, na prestação do serviço, venha ocorrer um acidente de consumo, o profissional de educação física terá sua responsabilidade civil apurada dentro dos limites da má prática.
    Para facilitar a compreensão sobre o assunto, reporta-se Antonio Herman de Vasconcelos Benjamin (1991, p.80): "O Código é claro ao asseverar que só para a responsabilidade pessoal dos profissionais liberais é que se utiliza o sistema alicerçado em culpa". Logo, o profissional responderá apenas se tiver culpa.
    Pode também o prestador de serviços ser alcançado por responsabilidade civil em infrações previstas e tipificadas na lei. Dentre as ações mais comuns que visualizamos na atuação do profissional são:
  1. empregar produtos, espaços ou componentes em mal estado levando o usuário a alguma lesão. Ex: aparelhos de musculação danificados ou locais abafados, sujos e mal sinalizados; locais de caminhada que oferece algum perigo.
  2. fazer publicidade enganosa e abusiva, afirmação falsa, ou omitir informações relevantes sobre a natureza, gravidade e segurança dos serviços prestados. Ex: prometer perda de peso e corpo escultural; não orientar corretamente as pessoas de terceira idade ou com algum tipo de enfermidade sobre os riscos de determinados exercícios; não mostrar os riscos de alguns esportes como os de aventura.
  3. fazer ou promover publicidade capaz de induzir o usuário a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança. Ex: induzir, orientar ou permitir o consumo de anabolizantes3 pelos clientes para melhorar a performance física; motivar pessoa a atividades com alto apelo emocional sem analisar sua condição de cardíaco.
  4. deixar de organizar dados fáticos, técnico-científicos que dão base à publicidade para melhorar informação dos interessados. Ex: apesar de saber que a natação com cloro pode piorar condição de alérgico asmático não avisar par manter o cliente; não indicar melhor procedimento porque a academia não oferece aquele serviço.
  5. usar, na cobrança de dívidas, de ameaça, coação, constrangimento físico ou moral ou de qualquer outro procedimento que exponha o consumidor ao ridículo ou ao vexame. Ex: usar elementos sonoros na entrada do estabelecimento para delatar falta de pagamento; colocar avisos na academia com nome completo e situação de inadimplente.
  6. impedir ou dificultar o acesso do usuário às informações que sobre ele existam nas fichas e registros. Ex: não apresentar ou não deixar claro ao cliente o resultado dos testes físicos; esconder ou forjar informações que declarem que a atividade física não está contribuindo para o alcance do seu objetivo.
    As penas por tais infrações são aplicadas sem prejuízo das correspondentes às lesões corporais e à morte, sem o impedimento das ações civis e administrativas e das conseqüências delas decorrentes.

Considerações finais
    Dentre os vários institutos que regulam a responsabilidade civil no direito pátrio, os mais importantes que incidem com maior freqüência e tipificam as atividades profissionais do educador físico seriam: (a) a guarda do menor deferida a terceiro, tendo responsabilidade presumida não podendo alegar isenção - principalmente na educação física escolar, acampamentos de férias, hotéis, clubes, academias, enfim, em todos os locais que o terceiro se responsabiliza pelo cuidado do menor; (b) falta de cuidado no exercício da profissão - os profissionais de educação física devem ter o devido cuidado para na atividade não causar dano ao direito de outrem, caso das caminhadas, na prática da musculação, nos cuidados dos aparelhos; (c) teoria do risco - atividade que naturalmente gera perigo a direito alheio, melhor exemplo é o esporte de aventura; (d) exercício regular de direito - não responde por responsabilidade as lesões causadas no exercício regular de direito, lesionar-se em uma falta comum no futebol, ser atingido com um soco no pugilismo, devendo exercer nos limites das regras do jogo; (e) a área da educação física é contratual - o sujeito procura o serviço e contrata, estando correlatas as obrigações dos contratos no código civil; (f) contrato de meio e não de fim - o profissional tem que exercer com competência, não importando se atinja os objetivos do contratante.
    Estes foram os principais elementos deste estudo, pretendendo oferecer condições para o profissional de educação física conhecer seus direitos, deveres responsabilidades. Acredito que o profissional que compreende seus deveres e responsabilidades pode dar maior valor financeiro ao seu trabalho, não executando atividades que podem gerar dano e respeitando o direito alheio.

Notas
  1. Pretensão é o poder jurídico do pólo ativo de promover os meios para execução coativa da prestação quando ela não é cumprida espontaneamente, e essa providência realiza-se mediante uma ação judicial que é a garantia do cumprimento coativo da obrigação.
  2. A indenização corresponde ao ressarcimento do prejuízo imposto à vítima pela prática de ato ilícito de outrem.
  3. O uso dos hormônios esteróides anabolizantes data da década de 40 e teve início no esporte levantamento de peso. Estudos recentes nos Estados Unidos estimam que mais de 1 milhão de pessoas fazem uso de anabolizantes. A estimativa mundial é que mais de 3 milhões de pessoas façam uso de anabolizantes. Os anabolizantes são drogas compostas de hormônio masculino testosterona e que alguns atletas usam para aumentar a força em função da modalidade esportiva praticada tais como as corridas rasas, os saltos o halterofilismo e o levantamento de peso. Se por um lado os esteróides podem melhorar o rendimento em até 32%, por outro lado, o seu uso excessivo pode levar a problemas de esterilidade, dependência física e psíquica e até mesmo à morte. Essas drogas aumentam a pressão arterial, interferem no funcionamento dos rins e podem causar câncer no fígado.

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