quarta-feira, 9 de agosto de 2017

A regulação por medida provisória de distrato e arrependimento em contratos imobiliários

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I – O FATO

Noticiou o jornal O Globo, em sua edição de 4 de agosto de 2017, que O governo já fechou as linhas gerais da Medida Provisória (MP) que tratará do distrato de imóveis, situação em que o consumidor desiste ou não consegue pagar um imóvel ainda em construção e quer devolver o bem. Além de estabelecer as condições e os valores que poderão ser retidos pelas construtoras nesses casos, a MP deve fixar o direito de arrependimento em sete dias na compra de imóveis. 
A medida prevê que, em casos de inadimplência superior a seis prestações, a construtora terá direito a reter 50% do valor pago pelo imóvel. Para atrasos entre três e seis parcelas, esse percentual cai para 30%. A retenção está limitada a 10% do valor do imóvel, quando residencial, e a 5% em casos de imóveis de interesse social.
Quando a desistência ocorrer por iniciativa do consumidor, a retenção é de 50%, também limitado a 10% do valor do imóvel. A empresa terá um prazo de 90 dias para devolver o valor do imóvel, sob risco de multa de 0,5% em caso de atraso. Os órgãos de defesa do consumidor não abriram mão de que os passivos judiciais fiquem de fora dessa metodologia. O entendimento é que esses casos já estão na Justiça entre consumidores e construtoras e, assim, deverão ser tratados separadamente.
A MP deve prever também que, caso a construtora atrase o reembolso por mais de seis meses, o consumidor tem direito a romper o distrato e ir para a Justiça. O distrato é uma das medidas com as quais o governo conta para tentar recuperar a economia. O setor da construção é um forte gerador de empregos, mas tem demorado a esboçar uma reação.
Afirma-se que o  grande número de “devoluções” de imóveis pelos pretensos compradores, desfazendo negócios que, pela lei especial, seriam irretratáveis, tem levado o setor imobiliário a pedir a elaboração de uma medida provisória, sem que seja necessário um maior aprofundamento de discussões na sociedade civil, pretendendo impor regra que autorize a “retenção de até 80% dos valores pagos pelos adquirentes”.

II -  PRINCÍPIOS DO CDC

São princípios consagrados no CDC, dentre outros:
a) O principio da precaução: ele está implícito no CDC e tem por objetivo resguardar o consumidor de riscos desconhecidos e relativos a produtos e serviços colocados no mercado de consumo;
b) O principio da dimensão coletiva: ele se encontra inserido no artigo 4º do CDC e dos institutos ali mencionados.
c) O principio da boa-fé: isso significa que nas relações de consumo as partes devem proceder com probidade, lealdade, solidariedade e cooperação nas suas relações. Veja-se o que dispõe o artigo 4º, IIII, do CDC;
d) O principio da boa-fé objetiva: trata-se de cláusula geral, regra padrão de conduta das partes. Diante disso o artigo 51, IV, do CDC determina que são nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade;
e) O princípio da proteção: este principio está estampado no artigo 6º, do CDC seja protegendo a incolumidade física(direito à vida, saúde e segurança do consumidor em relação aos riscos oferecidos considerados perigosos ou nocivos), a incolumidade psíquica(o direito à liberdade na escolha e nas contratações), a incolumidade econômica(protege o consumidor contra práticas abusivas, produtos e serviços nocivos a ele. Este princípio tem base no artigo 5º, XXXII da CF;
f) O princípio da confiança: prepondera a necessidade de que o fornecedor aja com lealdade para com o consumidor;
g) O princípio da transparência: o fornecedor tem obrigação de informar o consumidor quanto aos riscos do negócio, para que o consumidor tenha inteira consciência do negócio que faz;
h) O princípio da vulnerabilidade: a vulnerabilidade é o requisito essencial para a caracterização de uma pessoa como consumidora. Essa vulnerabilidade deverá ser jurídica, fática, socioeconômica, informacional;
i) O princípio da informação: isso porque o consumidor tem o direito subjetivo de receber a informação adequada, eficiente e precisa sobre o produto ou serviço, bem como ainda as especificações de forma correta;
j) O Princípio da facilitação da defesa: esse princípio que está de forma indissolúvel ligado ao da vulnerabilidade acarreta na inversão do ônus da prova, isso porque o consumidor reclama em juízo e o fornecedor deve provar o contrário;
k) O princípio da revisão de cláusulas contratuais: isso porque o consumidor tem o direito de manter a proporcionalidade do ônus econômico que tem com o fornecedor, em sua relação jurídico material, de modo que as prestações não poderão ser desproporcionais, podendo o consumidor estabelecer e restabelecer a proporcionalidade via revisão das cláusulas contratuais de forma a conservar os contratos celebrados;
l) O princípio da solidariedade: todos os envolvidos responsáveis respondem pela ofensa cometida à vítima;
m) O princípio da igualdade: exige o permanente equilíbrio das partes.

III – A QUESTÃO DO DISTRATO NOS CONTRATOS DE COMPRA DE IMÓVEIS

Observemos o caso do distrato nos contratos para compra de imóveis
Na esteira das discussões para definição de uma regra para a devolução de um imóvel comprado na planta –o chamado distrato–, incorporadoras também querem uma regulamentação das penalidades para o atraso na entrega de imóveis.
Na ausência de regras claras, a Justiça é quem tem dado a palavra final. Por isso, as decisões variam caso a caso, o que cria insegurança jurídica, afirmam os defensores de uma regulamentação.
Atualmente, os tribunais têm entendido que as incorporadoras podem atrasar até 180 dias a entrega das chaves do imóvel sem terem a obrigação de pagar multa ou indenização ao consumidor.
É comum que esse prazo conste no contrato de compra, para proteger as empresas de fatores de força maior que podem atrasar a obra, como falta de material e condições climáticas ruins.
Passados os 180 dias, o comprador pode ir para a Justiça. As decisões dos tribunais têm variado de acordo com cada caso.
Além de aplicação de multa (já definida no contrato), juízes também têm determinado que as incorporadoras compensem o cliente que comprou o imóvel para alugar para terceiros, por exemplo, ou paguem danos morais a quem acabou adiando um casamento em razão do atraso.
Será a cláusula que insere esse prazo de carência considerada abusiva?
Anota-se que toda cláusula contratual abusiva, cuja tipificação e elenco se encontram no artigo 51 do CDC, afora outros artigos esparsos (artigos 52 e 53), é nula.
Observe-se que a expressão usada na Lei (artigo 51, caput) é clara. Nunca tem eficácia, não convalescendo nem pela passagem do tempo e nem pelo fato de não serem julgadas. O juiz deve pronunciá-las de ofício que as conhecer, não são suprimíveis e a declaração de nulidade retroage ao início do contrato, ex tunc.
Veja-se o artigo 51, IV,  do CDC:
Art. 51 - São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade
O artigo 51, parágrafo segundo do CDC, deixa ainda resolvida a questão da aplicação dessa cláusula abusiva ao contrato como um todo ou parte dele. Diz a norma que “a nulidade de uma cláusula contratual abusiva não invalida o contrato, exceto quando de sua ausência." 
Além das cláusulas abusivas arroladas no artigo 51, existem outras. Nos contratos que objetivarem o fornecimento de produtos e serviços, havendo crédito ou financiamento ao consumidor, são abusivas as cláusulas que, ou prevejam, face ao atraso no pagamento pelo consumidor, multas de mora superiores a dez por cento do valor da prestação ou vedem a liquidação total ou parcial do devido, sem a proporcional redução de juros e demais acréscimos. Essas cláusulas são abusivas e por isso são nulas, sendo indicadas indiretamente nos parágrafos primeiro e segundo do artigo 52 da lei de proteção ao consumidor.
A nulidade detectada, segundo a lição de Tupinambá Miguel Castro do Nascimento (Comentários ao Código do Consumidor, vide pág. 69) se resolve por substituição, assim, as cláusulas infringentes não ingressam no mundo jurídico.
O artigo 53 do CDC considera nula a cláusula que preceitua a perda das prestações já pagas.
No caso o Judiciário, na discussão da materia já alertava:
Ementa
COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA - PRAZO DE TOLERÂNCIA – 180 DIAS – LEGALIDADE – ENTREGA DAS CHAVES NO PERÍODO COMPREENDIDO PELO PRAZO DE TOLERÂNCIA – AUSÊNCIA DE MORA DA CONSTRUTORA – AÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE – INCOFORMISMO DA AUTORA - DESCABIMENTO.
A natureza complexa e grandiosa da construção de prédio de apartamentos e sua sujeição a vários fatores externos que não se sujeitam ao controle da construtora torna razoável e não abusiva a cláusula de 180 dias de prazo de tolerância para a conclusão da obra, não havendo mora da construtora, quando esta entrega as chaves durante o período compreendido pelo prazo de tolerância. Sentença mantida. COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA – PREÇO – PARCELAMENTO – CORREÇÃO MONETÁRIA – INCC – IGP-M – JUROS COMPENSATÓRIOS – ADMISSIBILIDADE. Deve ser reconhecida a legalidade de as parcelas contratadas para o pagamento do preço de compromisso de compra e venda de imóvel em construção, pelo regime da incorporação, sofrerem atualização monetária pela variação dos índices INCC (durante a construção) e IGP-M (após a conclusão da obra) e concomitante acréscimo de juros compensatórios à taxa de 12% ao ano. Precedentes.  RESULTADO: apelação desprovida.
Por sua vez, o Tribunal de Justiça do DF, na Apelação Civil 20140111567825, assim decidiu:
EMENTA
Contrato de promessa de compra e venda de imóvel em construção. Atraso na entrega. Prazo de tolerância. Força maior. Lucros cessantes. Multa contratual.
1 - Cláusula que estipula prazo de tolerância de cento e oitenta dias úteis após o previsto para conclusão da obra é válida. Não acarreta desequilíbrio contratual.
2 - Falta de mão de obra do setor da construção civil não caracteriza força maior. Essa ocorrência, previsível, não afasta a obrigação da construtora ou empreendedora de entregar o imóvel no prazo estipulado no contrato.
3 - Havendo atraso na entrega de imóvel por culpa da construtora, é devida indenização a título de lucros cessantes da data em que a construtora incorreu em mora até averbação do habite-se.
4 - Não é acumulável indenização a título de lucros cessantes e multa contratual. Ambas têm caráter indenizatório.
5 – Apelação provida em parte.
ACORDÃO
CONHECIDO. PROVIDO PARCIALMENTE. UNÂNIME.
Por outro lado, trago a colação a decisão que segue:
TJ-SP – APL: 10193407120148260114 SP 1019340-71.2014.8.26.0114, Relator: José Aparício Coelho Prado Neto, Data de Julgamento: 26/05/2015, 9ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 03/06/2015)
2 – Vistos, relatados e discutidos estes autos do Apelação nº 0198645-79.2011.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que é apelante/apelado MAURO ANTONIO MIELE, é apelado/apelante GAFISA S. A.. ACORDAM, em 7ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento em parte aos recursos, vencido o relator que dava em maior extensão, que mantem o acórdão.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores MIGUEL BRANDI (Presidente) e WALTER BARONE. Venda e compra de imóvel Atraso na entrega – imóvel pela construtora Alegação de força maior. Falta de prova que motiva a rejeição da excludente. Verificado o inadimplemento pela ré, é devida indenização pela impossibilidade de o comprador fruir de seu bem. Nulidade da cláusula de tolerância Reconhecimento -Danos morais Inocorrência A alegação de que a falta de mão de obra e as condições climáticas não foram adequadas, ou mesmo a demora pelos órgãos públicos para a concessão de alvará, não podem ser utilizadas para caracterizar uma situação excepcional. A prática que parece ter se tornado um hábito em empreendimentos do mesmo tipo, prevendo um prazo para conclusão da obra e entrega da unidade e um outro inserto na cláusula de “carência”, normalmente de 180 dias, indica clara abusividade e, se um dia justificou posição jurisprudencial mais benevolente, não parece justificável nos dias atuais. Assim, verificado o inadimplemento pela ré, é devida indenização pela impossibilidade de o comprador fruir de seu bem. É correta a fixação do termo inicial para a fixação dos danos materiais a partir de abril de 2010, desconsiderado o prazo de tolerância, até maio de 2011, quando efetivamente entregue as chaves. Recursos providos em parte.
1. Trata-se de apelações interpostas contra sentença que julgou procedentes em parte os pedidos formulados em ação de indenização por danos materiais e morais. Alega o apelante Mauro Antônio Miele: a) o imóvel só foi entregue em 30 de junho de 2011, três meses após o habite-se e, apenas após a instalação do condomínio; b) o prazo de tolerância é ilegal e a cláusula que o estabeleceu deve ser declarada nula; c) em razão da privação do uso do imóvel a ré deve ser condenada ao pagamento de indenização por lucros cessantes que são devidos desde abril de 2010; d) o atraso na entrega – imóvel ocasionou-lhe danos morais; e) requer a condenação da ré ao pagamento das custas e despesas processuais e que os honorários advocatícios sejam arbitrados em 20% do valor da causa. Alega a apelante Gafisa S. A.: a) a sentença decidiu fora dos limites da lide, impôs ônus não assumido na promessa de venda e compra não incorporado no pedido e fixou pagamento de juros moratórios não inseridos na inicial; b) o atraso decorreu da crônica falta de mão de obra e das intempéries; c) com o julgamento antecipado foi impedida de produzir provas; d) o projeto foi alterado em razão de determinação da Prefeitura Municipal e a expedição do alvará de aprovação levou cerca de um ano; e) não houve comprovação dos danos morais e não é admissível a criação de cláusula penal inexistente no processo; f) o autor deve ser condenado a arcar com os ônus da sucumbência e os honorários devem ser arbitrados em percentual sobre o valor da causa. Em contrarrazões pugna a ré Gafisa S. A. Pelo não recebimento do pedido de declaração de nulidade da cláusula porque realizado somente por ocasião da apelação, No recurso a autora passou a dizer que o pedido de indenização por danos morais é motivado pela privação da coisa, enquanto na inicial o pedido era fundado no qu e deixou de receber por eventual locação do bem. De acordo com o dispositivo da sentença a ré foi condenada “ao pagamento de juros moratórios de 1º de dezembro de 2010 a 11 de março de 2011 à razão de 1% ao mês sobre o valor do contrato atualizado pelo IGP-DI, corrigido pela tabela prática do Tribunal e acrescido de juros moratórios a partir da citação. Por conta da sucumbência parcial, condeno a ré ao pagamento de 30% das custas e despesas processuais e condeno o autor ao pagamento de honorários de advogado no valor de R$ 7.000,00, corrigidos desde a propositura da demanda e acrescido de juros de mora a partir do trânsito em julgado.” Na inicial, sustentou o autor que o término do prazo para entrega do bem se deu em maio de 2010, considerando-se a nulidade da cláusula de tolerância. Não há inovação em apelação. Também já constava da inicial a alegação de que a indenização por danos morais decorria da impossibilidade de fruição do bem. A prova constante dos autos é suficiente para o julgamento do feito não havendo cerceamento decorrente do julgamento antecipado. A ré, por sua vez, não indicou quais provas entendia necessárias para a demonstração de suas alegações. A alegação de que a falta de mão de obra e as condições climáticas não foram adequadas, ou mesmo a demora pelos órgãos públicos para a concessão de alvará, não podem ser utilizadas para caracterizar uma situação excepcional. Trata-se de um mero discurso retórico, genérico e vago, sem qualquer habilidade, pretendendo justificar seus próprios erros em fatos normais de sua atividade, que não parece minimamente aceitável. Não me parece também que o prazo de tolerância de 180 dias, previsto nos termos contratuais, possa ser aceito sem convincente motivação, unicamente porque inserido abusivamente no contrato, sem que se leve em conta o que está por trás da cláusula e da fórmula adotada. A prática que parece ter se tornado um hábito em empreendimentos do mesmo tipo, prevendo um prazo para conclusão da obra e entrega da unidade e um outro inserto na cláusula de “carência”, normalmente de 180 dias, indica clara abusividade e, se um dia justificou posição jurisprudencial mais benevolente, não parece justificável nos dias atuais. Eventuais situações extraordinárias não precisariam de cláusulas específicas para serem reconhecidas. Em outras palavras, em eventos inesperados e fora da normalidade da atividade, cujo atraso se dê por fato não imputável à vendedora, a prorrogação do prazo de entrega por tantos dias quantos forem os atos de retardamento causados por estes eventos, não dependeria de previsão específica em contrato. Alegar, como se realizou, de forma genérica que houve no período escassez de mão de obra qualificada e de materiais como se a apelada não conhecesse o mercado brasileiro ou estivesse aqui experimentando sua primeira obra, somente demonstra que ela estaria despreparada para a atividade que escolheu, provavelmente privilegiando seus próprios lucros em detrimento de uma estrutura com experiência na condução da solução destas questões rotineiras a serem administradas. Mesmo que a ré não tenha promovido maior especificação, não é possível que ignorasse eventuais dificuldades para o desenvolvimento do empreendimento, a que se dedica há anos e com o qual já deveria estar mais do que acostumada, evitando equívocos ou retardamentos por falta de adequado planejamento e acompanhamento. O que parece estar por trás destas “cláusulas de carência” não é a complexidade da atividade que, especialmente hoje em dia, é um risco de qualquer atividade privada e, como tal, a ser suportada pelo empreendedor, que faz livremente suas escolhas e não pode simplesmente transferir este risco, que é próprio da atividade por ele escolhida, aos interessados na aquisição de unidades mas a tentativa de se isentar por política agressiva de venda, que sabendo de antemão ser incapaz de entregar em condições normais, assim bem entendida aquela necessária para a condução habitual de seus negócios as mesmas unidades no prazo que assinala, em grande destaque, em seus panfletos e folders para entrega aos interessados, mantém este prazo porque lhe interessa diferenciar seus produtos como passíveis de entrega em prazo menor do que aquele que seria necessário. Em outras palavras, como sabe a ré que o prazo de entrega das unidades é uma informação de fundamental importância aos interessados na aquisição, importando, não seria exagero afirmar, em modificação na vida da maioria deles, cuja data passa a ser levada em conta para a maioria de suas opções de vida, seja pela intenção de se livrar do aluguel, alcançando o sonho da residência própria, seja pelo valor que poderia ser auferido com a utilização onerosa do bem que será entregue, preferem manter um prazo inferior ao que saberia ser necessário para a entrega das unidades com a estrutura que pensa em investir para tanto, alcançando vantagem competitiva em relação às demais ofertas do mercado, sem aumento dos investimentos ou do risco em relação à escolha que estariam fazendo. Deveria a ré que sabe de eventuais complexidades da atividade que escolheu apresentar prazo de entrega factível em relação aos investimentos que desejava fazer, o que inclui levar em consideração todas as complexidades normais de sua atividade. Se, pelo acompanhamento diligente que vier a realizar, puder entregar as unidades antes do prazo estabelecido, receberia os louros deste trabalho realizado, alcançando prestígio institucional que será apregoado de forma unânime pelos próprios adquirentes. Em resumo, esta cláusula evidencia de forma indisfarçável uma técnica de venda inaceitável, com indicação de informação fundamental ao interessado (prazo para entrega do bem) que saberia de antemão seria difícil de cumprir com os investimentos que a ré pretendeu destinar ao empreendimento. Por isto, entendo que o posicionamento jurisprudencial mais benevolente, ainda que pudesse ter sido justificável no passado, cujos métodos eram menos conhecidos, não parecem justificar a sua manutenção nos dias de hoje. Também não poderia ser usado em favor da ré suposta alteração do projeto, por determinação da Prefeitura Municipal, cuja expedição do alvará teria levado “cerca de uma ano”, pois a par da ausência de prova de que a mora pudesse ser imputada ao ente público, a circunstância somente demonstra que a ré comercializou unidades antes mesmo de ober a necessária e cabal aprovação do projeto, o que, por óbvio, somente agrava a postura comercial da ré. Assim, verificado o inadimplemento pela ré, é devida indenização pela impossibilidade de o comprador fruir de seu bem. Nesse sentido, já decidiu esta Câmara: Compra e venda – Atraso na entrega – imóvel – Responsabilidade objetiva sobre atraso (art. 18 CDC)- Força maior não provada – Impedimento de fruição do bem indenizável mediante pagamento de valor locativo – Dano moral – Descabimento Recursos improvidos. (Apelação nº 0020219-17.2011.8.26.0562, rel. Luiz Antônio Costa, j. 24.4.2013) É correta a fixação do termo inicial para a fixação dos danos materiais a partir de abril de 2010, desconsiderado o prazo de tolerância, até maio de 2011, quando efetivamente entregue as chaves. A sentença comporta alteração também quanto à fixação dos danos materiais que deve se adequar ao pedido formulado com seu arbitramento em aluguéis. Assim, deve a ré pagar indenização equivalente a um aluguel por mês de atraso, dada a impossibilidade de fruição do bem, correspondente a 0,5% do valor de venda do bem. O atraso na entrega – imóvel, embora tenha acarretado inegável desconforto e aborrecimento, não implicou lesão a direito da personalidade. Em razão da alteração da sentença, por serem as partes vencedoras e vencidas, reconheço a sucumbência recíproca, compensados os honorários advocatícios.  3. Ante o exposto e tudo mais que dos autos consta, DOU PROVIMENTO PARCIAL ao recurso do autor e ao da ré.
(TJ-SP – 7ª Câmara de Direito Privado – Desembargador LUÍS MÁRIO GALBETTI – Registro: 2013.0000696439 – ACÓRDÃO – 0198645-79.2011.8.26.0100 – Apelantes/Apelados: Mauro Antônio Miele – Gafisa S. A.)
Assim, apesar de alguns Juízes considerarem a legalidade de tal cláusula, consideramos sempre questionar tal prazo com base nas decisões e no que relatamos acima.
  • III – CABIMENTO DO PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS QUANDO OCORRER ATRASO NA ENTREGA – IMÓVEL.

    Em muitos casos o imóvel adquirido foi o sonho de toda uma vida, usualmente famílias fazem um grande planejamento para a compra do imóvel, por isso a incidência de indenização por danos morais também deverá incidir sobre aquele que teve sua legítima pretensão frustrada em razão da incompetência da construtora.
    A jurisprudência tem trazido decisões no sentido de que em casos de atraso na entrega do imóvel, o comprador pode pleitear, além do Dano Moral sofrido, o pagamento de Lucros Cessantes, pelo fato de que o comprador se viu impossibilitado de locar tal imóvel durante o período do atraso. Cabe destacar que não há a necessidade de se provar que o comprador iria de fato locar o imóvel, sendo que o lucro cessante decorre da impossibilidade de alugar ou não o imóvel comprado. Esta simples impossibilidade, que decorreu tão somente do atraso das obras, já é fato configurador do lucro cessante.
    Esta indenização por lucros cessantes visa compensar os meses em atraso do imóvel, sendo que este, durante o período do atraso, poderia estar sendo locado ou utilizado como fonte de renda.
    Neste sentido, podemos citar:
    Ante o exposto, julgo o pleito inicial PROCEDENTE, para, nos termos dos pedidos iniciais de fls. 40-41, condenar a ré ao pagamento da indenização por danos materiais a título de lucros cessantes no valor equivalente ao valor mensal da locação do imóvel até a data em que o imóvel foi entregue, qual seja o mês de abril de 2011, tomando-se por base o valor atual do imóvel no montante de R$ 260.000,00, com a aplicação do índice de mercado para a obtenção dos valores locatícios de 0,8 por cento, fixando o valor de tal unidade em R$ 2.080,00 (fls. 40, item c), deferindo-se também o postulado em fls. 40, item “c.1”. A ré é condenada ao valor requerido nos itens d e e de fls. 41, bem como o valor a título de reparação por danos morais no montante de R$ 27.250,00 (item f de fls. 41), em razão da gravidade e extensão dos danos causados, atualizado com juros legais de um por cento desde a data em que o imóvel deveria ter sido entegue na data do contrato (súmula 54 do C. STJ) e com correção monetária na forma legal, desde a data do presente arbitramento, à luz da súmula 362 do C. STJ. Condeno, por conseguinte, a parte ré ao pagamento das custas, despesas processuais e honorários advocatícios arbitrados em quinze por cento sobre o valor da causa, devidamente atualizado na forma legal, em vista da extensão e gravidade dos danos causados. P. R. I. São Paulo, 15 de agosto de 2012. MÁRIO CHIUVITE JÚNIOR Juiz de Direito
    Em decisão, proferida em fevereiro de 2015, o Tribunal de Justiça do Paraná entendeu que ”é prática comum entre as construtoras inserir em seus contratos cláusula prevendo um prazo de tolerância, a fim de que tenham uma margem temporal para se adequarem a eventuais imprevistos. Desse modo, desde que esteja clara e expressa no contrato, e que ambas as partes tenham ciência da possibilidade de sua aplicação, a cláusula de tolerância que traz um limite temporal fixo não pode ser considerada abusiva” .
    Neste caso, o Tribunal entendeu, assim como vem fazendo na maioria dos demais, que não há abusos na cláusula de tolerância para a entrega do imóvel, uma vez que está expresso no contrato firmado pelas partes, de forma clara e objetiva. O que fundamenta esse entendimento é o fato de que, no momento da contratação, esta condição é de conhecimento dos contratantes, ou seja, os compradores.
    Há o entendimento de que as cláusulas contratuais que estabelecem o prazo de tolerância para entrega do imóvel estão previstas no artigo 18, parágrafo 2º, do Código de Defesa do Consumidor, que indica que “poderão as partes convencionar a redução ou ampliação do prazo previsto no parágrafo anterior, não podendo ser inferior a sete nem superior a cento e oitenta dias”.
    Há  inúmeras decisões dos tribunais que consideram legal o prazo de tolerância de 180 dias, independente de apresentação das razões do atraso, desde que esteja previsto em contrato de forma clara.
    Nessa discussão lanço à memória a súmula 543 do STJ:
    Verbete 543 STJ: “Na hipótese de resolução de contrato de promessa de compra e venda de imóvel submetido ao Código de Defesa do Consumidor, deve ocorrer a imediata restituição das parcelas pagas pelo promitente comprador - integralmente, em caso de culpa exclusiva do promitente vendedor/construtor, ou parcialmente, caso tenha sido o comprador quem deu causa ao desfazimento”.

    IV - MEDIDAS PROVISÓRIAS E SEUS PRESSUPOSTOS

     O Código de Defesa do Consumidor elencou a proteção contra métodos comerciais coercitivos e desleais (artigo 6º, IV). Regra-se que "na cobrança de débitos o consumidor inadimplente não será exposto ao ridículo nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça" (artigo 42). 
    Trata-se de hipótese em que o Poder Executivo produz lei material.
    No âmbito do direito constitucional brasileiro, medida provisória (MP) é um ato unipessoal do presidente da República, com força imediata de lei, sem a participação do Poder Legislativo, que somente será chamado a discuti-la e aprová-la em momento posterior. O pressuposto da MP, de acordo com o artigo 62 da Constituição Federal é urgência e relevância, cumulativamente. Nem sempre o Executivo respeita esse critério de relevância e urgência quando edita uma MP.
    Segundo Bandeira de Mello(Curso de direito administrativo), de acordo com a nova redação do artigo 62 dada pela Emenda Constitucional 32/2001, medidas provisórias são "providências (como o próprio nome diz, provisórias) que o Presidente da República poderá expedir, com ressalva de certas matérias nas quais não são admitidas, em caso de relevância e urgência, e que terão força de lei, cuja eficácia, entretanto, será eliminada desde o início se o Congresso Nacional, a quem serão imediatamente submetidasnão as converter em lei dentro do prazo - que não correrá durante o recesso parlamentar - de 60 dias contados a partir de sua publicação prorrogável por igual período nos termos do Art.62 §7º CRFB.  
    É vedada a edição de medidas provisórias sobre matéria:
    I- relativa:
    a) nacionalidade,cidadania, direitos políticos, partidos políticos e direito eleitoral;
    b) direito penal, processual penal e processual civil;
    c) organização do Poder Judiciário e do Ministério Público, a carreira e a garantia de seus membros;
    d) planos plurianuais, diretrizes orçamentárias, orçamento e créditos adicionais e suplementares ressalvado o previsto no art. 167 parágrafo 3º.
    II- que vise a detenção ou sequestro de bens, de poupança popular ou qualquer outro ativo financeiro;
    III- reservada a lei complementar
    IV- já disciplinada em projeto de lei aprovada pelo Congresso Nacional e pendente de sanção ou veto do Presidente da República.
    Essas matérias residem na competência do Poder Legislativo.
    Essa atribuição legislativa não está subordinada apenas aos princípios constiucionais de dimensão substantiva, que indicam o conteudo e o sentido do direito legislado.
    Há mecanismos processuais que são dedutiveis da redação do artigo 2º da Constituição Federal que determina que “são poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.”
    Se por um lado, a Constituição atribuiu ao Executivo a competência legislativa, ele ampliou, de outro lado, as possibilidades de controle sobre atos(controle juriscional e parlamentar).
    Do ponto de vista material, a matéria, abrangida na órbita do direito do consumidor, pode ser objeto de atuação pelo Executivo.
    Alega-se que há relevância para tal. Haveria urgência?
    O pressuposto da urgência admite relativa precisão conceitural. O conceito de urgência é relacional. Não existe urgência se a eficácia da disposição só puder se materializar após um lapso do processo legislativo, em algumas forma disciplinadas pela Constituiçãio. Urgente, como disse Clèmerson Merliln Clève(Atividade Legislativa do poder executivo no estado contemporâneo e na Constituição de 1988, pág. 163), deve ser não apenas a vigência da norma editada como, igualmente, sua incidência. Por isso,não é admissível editar medida provisória para produzir efeitos apenas após o determinado lapso temporal, como avisou Pablo Santolaya Machetti.
    A edição de medida provisória deve ser suficiente motivada.
    José Levi Mello do Amaral Júnior destaca que “é próprio da decretação de urgência não ter âmbito temático pré-definido ou tê-lo definido de modo negativo (pela exclusão de determinadas matérias do seu campo material). Isso porque se destina a dar respostas a situações que escapam à previsibilidade — independentemente da matéria — e que exigem solução urgente” (Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo, Saraiva/Almedina, 2013, p. 1152).
    Atualmente tramita no Congresso Nacional o projeto de lei 178/2011, que regulamenta o prazo de tolerância nos contratos de compromisso de compra e venda de imóveis, confirmando a validade de cláusula que o prevê. No projeto, há a previsão de que "o construtor não será penalizado por atrasos no término da obra no prazo de até 180 dias da data prevista em contrato para a entrega das chaves".

    V - A INCONSTITUCIONALIDADE DA MEDIDA

    O distrato contratual, seja ele de imóveis adquiridos na planta ou de terceiros, é definido como o ato que encerra uma relação jurídica estabelecida entre as partes – comprador e vendedor.
    Caberá o  distrato quando o comprador não possuir mais condições de arcar com o empreendimento ou se não pretender mais sua aquisição antes do período de entrega das chaves.
    É caso, pois, de resolução, que é a revogabilidade, que não trata de um vício de imperfeição a abrir caminho à impugnação, mas trata-se de um caráter específico que apresenta o negócio jurídico e que consiste em que a vontade do indivíduo, posto que devidamente manifestada e capaz de produzir os seus efeitos próprios, continua ainda a pertencer ao sujeito, o qual pode assim retomá-la e impedir que produza o efeito a que se destinava: o declarante tem um ius poenitendi. Há negócios jurídicos que, pela sua própria natureza, são essencialmente revogáveis, o que depende do fato da vontade; posto que manifestados por formas legítimas, não são capazes de criar um direito subjetivo mas, quando muito, uma simples expectativa.
    O texto que se quer dar à medida provisória afronta jurisprudência do STJ na matéria: Verbete 543 STJ: “Na hipótese de resolução de contrato de promessa de compra e venda de imóvel submetido ao Código de Defesa do Consumidor, deve ocorrer a imediata restituição das parcelas pagas pelo promitente comprador - integralmente, em caso de culpa exclusiva do promitente vendedor/construtor, ou parcialmente, caso tenha sido o comprador quem deu causa ao desfazimento”.
    A medida provisória pode ser vista como inconstitucional. A uma porque não é de relevância para o consumidor, mas sim para os empresários da construção civil; a duas porque lhe falta urgência, uma vez que “é próprio da decretação de urgência não ter âmbito temático pré-definido ou tê-lo definido de modo negativo (pela exclusão de determinadas matérias do seu campo material). Isso porque se destina a dar respostas a situações que escapam à previsibilidade — independentemente da matéria — e que exigem solução urgente”.
    Pontue-se que o  artigo 53 do CDC veda cláusulas de decaimento, em que o consumidor perde todos (ou quase todos) os valores pagos para aquisição da casa própria, como a proposta em discussão pelo setor representante das construtoras/incorporadoras.
    A  matéria, com o devido respeito, deveria ser objeto de lei material e formal, sob o regime da reserva de Parlamento, e não por medida provisória.
    Afronta-se o principio da vulnerabilidade, dentre outros  como o da revisão de cláusulas contratuais.
    Trago a respeito jurisprudência do Tribunal de Justiça de São Paulo, exposta por Ivan Mercadante (rescisão contratual - imóvel na planta, Ius Navigandi): 
    "Um casal de compradores de unidade residencial na planta no empreendimento denominado Condomínio Viva Vista Araucária, na cidade de Sumaré, interior de São Paulo, perante a incorporadora ACS (o nome da SPE era: ACS Sumaré Empreendimentos Imobiliários Ltda.), obteve vitória total na Justiça paulista com a declaração de quebra do “Contrato de Compromisso de Venda e Compra de unidade autônoma” por culpa exclusiva da incorporadora, que não foi capaz de concluir as obras dentro do prazo máximo por ela estabelecido em contrato, obtendo a devolução à vista de 100% sobre os valores pagos em Contrato, tudo acrescido de correção monetária desde cada pagamento (correção retroativa) + juros de 1% ao mês.
    A aquisição do projeto de imóvel na planta ocorreu em dezembro de 2013, sendo certo que o prazo máximo para a entrega do imóvel era até o mês de novembro de 2016, mas o empreendimento ainda se encontrava na fundação naquele mês.
    Incrédulos pelo absurdo atraso para a conclusão das obras e fartos de esperar pela entrega do imóvel, os compradores formalizaram o pedido de distrato, mas a incorporadora limitava-se a informar que dos valores pagos em contrato, devolveria somente o equivalente a 70% (setenta por cento), obrigando-os a buscar auxílio perante o Poder Judiciário.
    O escritório MERCADANTE ADVOCACIA ingressou com uma Ação de Rescisão Contratual perante o Foro Central da Comarca de São Paulo, expondo a situação ao Juiz do caso e solicitando o desfazimento do negócio por culpa da incorporadora, bem como sua condenação na restituição integral dos valores pagos.
    O Juiz de Direito da 4ª Vara Cível, Dr. César Augusto Vieira Macedo, em sentença datada de 07 de março de 2017, JULGOU PROCEDENTE a ação para rescindir o Contrato por culpa da incorporadora, condenando-a na restituição à vista de 100% (cem por cento) dos valores pagos em Contrato, acrescido de correção monetária sobre cada um dos pagamentos e juros de 1% ao mês.
    O Juiz fundamentou sua decisão no sentido de que ultrapassado o prazo máximo previsto em contrato para a conclusão e efetiva entrega da unidade, surge para o comprador o direito de solicitar a rescisão do negócio e a consequente restituição integral dos valores pagos, sem qualquer chance de retenção de parte dos valores.
    Nas palavras do magistrado:
    • “Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de promessa de compra e venda de unidades imobiliárias, quando uma das partes adquire como destinatário final o imóvel comercializado pela outra no mercado de consumo, como é o caso em tela.
    • O atraso, superior aos 180 dias, é incontroverso. A redação da cláusula que prevê prazo de tolerância para entrega da obra é clara e precisa no tocante aos direitos e deveres que confere a cada uma das partes, a saber, o prazo de tolerância para atraso na entrega do imóvel. Como não possui redação omissa, abusiva ou que gere dúvidas de interpretação, não há que se falar em nulidade.
    • Porém a ré não se desincumbiu de justificar o atraso superior a 180 dias, fornecendo apenas alegações genéricas a respeito de "necessidade de promover adaptações no projeto inicial perante a Prefeitura" e uma rápida greve de trabalhadores (fls. 91).
    • Assim, é compreensível que os autores tenham pretendido a rescisão contratual ante a demora excessiva da ré em cumprir o avençado. A ré não se opõe à rescisão contratual em si, mas pretende retenção parcial dos valores pagos com fundamento na cláusula 10.8 do contrato, no entanto esta se refere a devolução em caso de mora do comprador, o que não houve na situação em análise.
    • Ademais, se fosse mantida a referida cláusula, contemplando a perda substancial dos valores pagos, haveria afronta ao artigo 51, IV do Código de Defesa do Consumidor.
    • A jurisprudência é dominante em declarar a abusividade e nulidade de cláusulas contratuais que colocam o consumidor em desvantagem, em razão da retenção integral dos valores pagos ou de se fazê-lo em percentual que não se mostra razoável frente ao caso concreto (cf. AgRg no REsp 434945, Rel. Min. Ricardo Vilas Bôas Cueva, Terceira Turma, j. 1/12/2011; REsp 686865, Rel. Min. Aldir Pasarinho Junior, Quarta Turma, j. 28/08/2007; REsp 838516/RS, Rel.Min.  Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, j. 17/05/2011).
    • Devem ser aplicados ao caso os princípios da razoabilidade e da vedação ao enriquecimento ilícito. Considerando que o valor não é alto e não causa impacto na administração financeira da ré, bem como que os autores cumpriram integralmente a parte que lhes cabia, sendo a mora imputável exclusivamente à ré, de rigor o acolhimento do pedido inicial.
    • Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido, resolvendo a ação nos termos do art. 487, I do CPC, para declarar rescindido o contrato havido entre as partes, e condenar a ré à devolução da integralidade dos valores pagos pelos autores, com correção monetária pela tabela prática do TJ-SP desde a data do recebimento e juros de mora de 1% ao mês desde a citação.”
    Observe-se que a não devolução de 100% dos valores pagos, quando do distrato,  é forma abusiva de tratamento ao consumidor. 
    Não há urgência na medida pelos requisitos acima enunciados.
    Ademais, as prescrições deônticas trazidas na medida provisória são nitidamente favoráveis ao empresário da construção civil em detrimento do consumidor.  
    É abusiva, nitidamente, a hipótese endonormativa que prevê como consequência do distrato que,  em casos de inadimplência superior a seis prestações, que a construtora terá direito a reter 50% do valor pago pelo imóvel. Para atrasos entre três e seis parcelas, esse percentual cai para 30%. A retenção está limitada a 10% do valor do imóvel, quando residencial, e a 5% em casos de imóveis de interesse social. Trata-se de um alto valor a ser exigido do consumidor. Ademais, afrontando ao principio da vulnerabilidade e possibilitando a cláusula abusiva. Ademais, os passivos hoje existentes devem ficar fora dessa metodologia, sendo tratados de forma diferenciada.
    Outrossim, com o devido respeito, parece, a proposta noticiada não tem compromisso com o consumidor, cujos direitos são garantidos pela Constituição, em cláusula pétrea.
    Melhor será que o tema seja debatido pelo Congresso Nacional, onde ganhará a devida legitimidade no confronto das diversas ideias ali externadas. Se persistirem as afrontas ao direito do consumidor, a matéria poderá ser objeto de arguição ao Judiciário, pelas vias constitucionalmente permitidas.
    A medida provisória, da maneira que está sendo proposta, não pode ignorar o CDC e muito menos revogá-lo.
    Dir-se-ia que se trataria de respeito a autonomia da vontade.
    Ora, em um contexto em que os dogmas do individualismo como o princípio do pacta sunt servanda e da autonomia da vontade acabavam sendo cada vez mais questionados no contexto da sociedade de massa. Os princípios do CDC passam a integrar e reger todos os contratos, principalmente tendo em consideração o princípio da vulnerabilidade, da boa-fé objetiva, do equilíbrio contratual e da transparência tão caros ao Direito do Consumidor.
    Perceba-se que o fornecedor receberá de volta o bem, muitas vezes valorizado, livre e desembaraçado para negociar novamente no mercado pelo preço total. A regulamentação proposta tem em conta, ainda, revogar a súmula do Superior Tribunal de Justiça que determina a imediata devolução dos valores pagos pelo consumidor, para que os fornecedores efetuem essa devolução apenas no encerramento das obras. Mais uma vez, trata-se de transferência abusiva dos riscos para o consumidor.
  • Rogério Tadeu Romano

    Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

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