1. INTRODUÇÃO
Na fixação da responsabilidade penal do médico, várias questões devem ser consideradas, tendo em vista as peculiaridades da ciência médica, sob pena de, ao adotar-se uma política de recrudescimento puro e simples da ação repressiva em nome do necessário combate à impunidade, acabar-se provocando o efeito de desestimular a também necessária ousadia e assunção de riscos, inerentes à atuação do médico.
De fato, os riscos fazem parte do exercício da medicina e, embora devam ser calculados, avaliados pelo profissional, quando opta por determinada conduta (comissiva ou omissiva) no trato do paciente, nem sempre tem-se um absoluto controle do resultado almejado. O insucesso faz parte da atividade médica.
Neste sentido, diz-se que a medicina não é uma ciência exata, em que o cientista tem sob seu controle absoluto tanto a ação por ele praticada quanto os resultados que decorrerão desta ação. Se compararmos o trabalho do engenheiro, ao construir um edifício, com o do médico, ao diagnosticar e tratar um paciente, temos que o insucesso do engenheiro, se o edifício por ele construído ruir, acarreta indiscutivelmente sua responsabilização. Já o insucesso do médico, se o paciente vier a falecer, não enseja automaticamente a responsabilização do profissional.
O profissional da medicina não trabalha com a promessa de êxito. Não se pode desconsiderar fatores externos, tais como a reação de cada paciente ao tratamento, as circunstâncias em que foi solicitada sua intervenção, os meios de que dispunha para intervir, etc. Antônio Evaristo de Morais Filho observa que "a medicina encontra-se em estado permanente de experimentação, não se podendo dela exigir que sempre triunfe sobre algumas leis fatais da natureza" [01]
Consigne-se ainda lição de Lafayette Pondé, citado por Paulo Affonso Leme Machado:
"Na relação entre o médico e o doente, aquele tem a seu cargo uma obrigação de diligência ou de meios, e não uma obrigação determinada ou de resultado. Pelo fato de tratar o doente, o médico assume a obrigação de dar a este um tratamento adequado, isto é, um tratamento conforme os dados atuais da ciência, compatíveis com os recursos locais, de que possa dispor e com as condições específicas e pessoais do próprio cliente." [02]
Outro aspecto da ciência médica diz respeito à experimentação, à atividade de pesquisa necessária ao avanço da ciência. Assim, o uso de novas técnicas, cuja eficiência ainda não foi plenamente demonstrada deve ser precedido de consentimento do paciente. Paul Monzhein [03] assenta o problema na necessária contraposição entre "o direito de tentar", entendido como uma liberdade fundamental do médico e "o direito do paciente de não ser transformado em objeto de experiência".
A informação ao cliente, de modo que ele possa dar "um consentimento simultaneamente livre e esclarecido", é de importância fundamental para a exclusão da responsabilidade do médico em caso de dano. Observe-se que a plena informação do paciente a respeito do "diagnóstico, prognóstico, riscos e objetivos do tratamento" é direito assegurado no código de ética médica, aprovado pelo Conselho Federal de Medicina, no uso de suas atribuições legais (Resolução CFM 1246/88, de 8.1.88). É vedado ao médico, ademais, "negar ao paciente acesso ao seu prontuário médico, ficha clínica ou similar, bem como deixar de dar as explicações necessárias à sua compreensão, salvo quando ocasionar riscos para o paciente ou para terceiros" (arts. 59 e 70 do CEM).
A conduta do médico em absoluta consonância com o as normas que regem o exercício da medicina, somada à atuação conforme a lex artis [04], são geralmente apontadas como fatores suficientes para a exclusão da responsabilidade penal do médico. Não obstante, a questão de apurar-se no caso concreto tal responsabilidade não é tão simples quanto parece. Por um lado, porque definir o que seja conduta conforme a lex artis pode ensejar dificuldades e controvérsias, considerando-se as peculiaridades de cada caso. Por outro lado, é preciso enfrentar a situação inversa: o descumprimento dos regulamentos e da lex artis, por si só, autoriza, como conseqüência automática, tal responsabilização? Há culpa presumida, decorrente da má conduta, no moderno direito penal?
Procuraremos abordar, neste breve estudo, em uma primeira etapa, o conceito de culpa penal, seus requisitos, já que a culpa é pressuposto necessário à responsabilização penal. A seguir, veremos como identificar a culpa na conduta do médico, abordando a questão da atuação do médico conforme a lex artis, e ainda a responsabilidade penal decorrente do desrespeito aos regulamentos que devem nortear o exercício da medicina.
2. A CULPA COMO PRESSUPOSTO DA RESPONSABILIDADE PENAL
Para que haja um crime é necessário que alguém pratique uma conduta descrita em lei, a qual se atribua uma pena. A conduta penalmente relevante é aquela que decorre de determinado estado psicológico do agente, de modo que só há crime se estiver presente o elemento subjetivo previsto no tipo penal, agregado à conduta.
Assim, como condição primeira para que seja imputado a alguém um crime é necessário: 1. Uma conduta humana dolosa ou culposa; 2. Resultado (se for o caso, pois há crimes que se consumam somente com a conduta); 3. Nexo de causalidade entre a conduta e o resultado; 4. Perfeito enquadramento da conduta, do resultado e do nexo causal em uma norma que descreva um crime. A pena a ser aplicada é aquela prevista abstratamente como decorrente do crime descrito na lei. [05]
Presentes os elementos acima, temos um fato típico. A ocorrência de fato típico é condição necessária mas não suficiente para que haja um crime. É ainda necessário que a conduta seja ilícita, quer dizer, contrária ao Direito. Há casos em que o agente pratica a conduta dirigida à obtenção do resultado, o qual vem a ocorrer, e ainda assim não há crime, pois as circunstâncias que o levaram a agir são justificáveis, sendo considerada lícita a ação. O art. 23 do código penal diz que não há crime quando o agente pratica o fato em estado de necessidade, em legítima defesa, em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito, sendo que esta última hipótese de exclusão da ilicitude é relevante para o estudo da responsabilidade penal do médico.
O fato típico e ilícito caracterizam o crime. Mas para que seja efetivamente aplicada pena, a conduta deve ser reprovável, deve deflagrar a "reprovação social" [06], ou ainda a "censurabilidade". [07] A culpabilidade é pois pressuposto da aplicação da pena. São elementos da culpabilidade: imputabilidade, potencial consciência da ilicitude e exigibilidade de conduta diversa. Para nosso estudo, merece ser destacada a exigibilidade de conduta diversa na fixação da responsabilidade do médico.
Como vimos, a conduta do agente deve ser dolosa ou culposa para que haja crime e, por conseqüência, responsabilidade penal.
Preliminarmente, cabe distinguir o crime doloso do crime culposo, consignando-se que a responsabilização penal do médico, na maioria dos casos, refere-se à prática culposa de crimes. Ademais o crime doloso praticado pelo médico não oferece muita dificuldade, no que tange à sua caracterização.
Diz-se doloso o crime quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo (art. 18, I, do CP). E culposo, quando o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia (art. 18, II do CP).
Como adverte Nelson Hungria, para que se considere um fato como punível não basta a existência do vínculo causal objetivo entre a ação (ou omissão) e o resultado, nem o seu enquadramento formal num artigo da lei penal. É necessária a culpa (lato sensu) do agente, isto é,
"que tenha havido uma vontade a exercer-se, livre e conscientemente, para o resultado antijurídico ou apesar da representada probabilidade de que este ocorresse, ou, pelo menos, revele, ainda que sem previsão do resultado, inescusável inadvertência ou imponderação". [08]
Assim, o dolo pressupõe a representação do resultado e a vontade de produzi-lo (ou o consentimento do agente a que seja produzido o resultado, no dolo eventual). Ou seja, o agente deve querer a conduta e o resultado, sua vontade dirige-se não só à ação (ou omissão) mas também ao resultado típico. Quando a vontade se exerce por causa do resultado, o dolo é direto. Quando se exerce apesar do resultado previsto como possível, o dolo é eventual.
Há culpa (stricto sensu) quando a vontade do agente dirige-se apenas para a conduta. O resultado não é representado pelo agente, não é previsto pelo agente como possível, muito embora fosse previsível (para o homem comum). Se o agente houvesse norteado sua conduta observando as regras objetivas de cuidado (dever objetivo de cuidado), teria previsto a possibilidade do resultado, e por causa dessa previsão, teria deixado de agir. Na segunda hipótese (culpa consciente), o agente chega a representar o resultado, a prevê-lo, mas por faltar com as regras objetivas de cuidado, acredita sinceramente que ele não ocorrerá (não deseja o resultado e não consente com o resultado, pois acredita que ele não ocorrerá) [09].
Hungria consigna que a nota caracterizadora da culpa stricto sensu é a omissão do dever de cuidado:
"Há em todas estas hipóteses uma predominante nota comum: omissão do dever de precaução ou diligência, a que se está adstrito, na medida ordinária, para não ocasionar a lesão de bens ou interesses alheios. No crime doloso, o resultado antijurídico é conscientemente querido; no crime culposo, o resultado antijurídico não é jamais querido, ou não é querido como tal, mas o agente deixa de abster-se da ação (ou omissão) que, se tivesse procedido com a atenção ou cautela exigível do homo medius, teria reconhecido como conducente ao evento contrário ao direito". [10]
Na fórmula utilizada pelo Código, a violação do dever objetivo de cuidado expressa-se como imprudência, negligência e imperícia. A imprudência consiste em um comportamento ativo do sujeito (comissivo). Revela uma conduta temerária, audaciosa, não aconselhada pela experiência comum. A negligência consiste em deixar de fazer algo que a prudência impõe, portanto caracteriza-se por uma inação, pela omissão de precauções e cuidados tidos como necessários. Já a imperícia "é a inobservância, por despreparo prático ou insuficiência de conhecimentos técnicos, das cautelas específicas no exercício de arte, ofício ou profissão". [11]
A distinção entre cada um destes comportamentos nem sempre é fácil, o que não chega a trazer problemas para a identificação da culpa. Por exemplo, um médico que submete o paciente a uma cirurgia desnecessária e arriscada é imprudente. Um erro cometido na execução da cirurgia pode caracterizar imperícia. Não tomar os cuidados de assepsia necessários na preparação da intervenção cirúrgica evidencia negligência. Qualquer destas condutas ensejará responsabilidade penal. Entretanto, a apuração da imperícia exige cautela, pois o juiz terá que substituir-se ao médico na avaliação do comportamento conforme a lex artis. A imperícia nada mais é do que a atuação profissional contrária à lex artis, tema que desenvolveremos no próximo tópico.
Ao lado do dever objetivo de cuidado, a culpa não prescinde da previsibilidade.
"Existe previsibilidade quando o agente, nas circunstâncias em que se encontrou podia, segundo a experiência geral, ter-se representado, como possíveis, as conseqüências do seu ato. Previsível é o fato cuja possível superveniência não escapa à perspicácia comum. Por outras palavras: é previsível o fato, sob o prisma penal, quando a previsão do seu advento no caso concreto, podia ser exigida do homem normal, do homo medius, do tipo comum de sensibilidade ético-social. (...) A previsibilidade deve ser apreciada objetivamente, isto é: não do ponto de vista individual do agente, mas do ponto de vista do homem comum, em face da lição da experiência relativa ao que freqüentemente acontece". [12]
Importante salientar que o fato que não foi previsto, porque não era em absoluto previsível, não pode ser atribuído ao agente para fim de apuração de responsabilidade penal. Não basta pois um vínculo causal entre o evento danoso e a conduta. Necessário um vínculo subjetivo (dolo ou culpa) entre o agente e resultado.
Tal rigor, traduzido pela indispensabilidade da culpa para imposição de pena, sofre temperamentos em sede de responsabilidade civil [13]. Em muitos casos, a responsabilidade civil tem sido aceita prescindindo-se da apuração de culpa, especialmente no que tange à responsabilidade do estabelecimento hospitalar, hoje apurada com base no art. 14 do Código de Defesa do Consumidor. No regime deste Código, "a responsabilidade do hospital se aperfeiçoa, sem questionamento de culpa, mediante o concurso de três pressupostos: a) defeito do serviço; b) evento danoso; c) relação de causalidade". [14]
E mesmo quanto à responsabilidade do médico, como profissional liberal, há situações no âmbito do direito civilem que a culpa é presumida, havendo autores inclusive que defendem que o médico possa ser compelido a indenizar o dano que causou com fundamento na teoria do risco (independentemente de ter agido com culpa) [15]. Também sob o fundamento de que a responsabilidade civil do médico é de natureza contratual, entende-se que ele deva indenizar dano causado por sua equipe, independentemente de constatação de culpa na escolha dos membros e na coordenação dos trabalhos.
Yungano, Lopez Bolado, Poggi e Bruno, ao discorrerem sobre os aspectos civis da responsabilidade médica consignam haver responsabilidade objetiva do médico por erros cometidos por sua equipe, incluindo-se aí outros médicos por ele convidados para intervir e auxiliares (enfermeiros, instrumentadores, etc.), em razão do caráter contratual da assistência médica.
"En estos casos habría un doble presupuesto de valoración: subjetivo - culpa del colaborador, auxiliar o dependiente que realizó el acto del que se derivó el daño - y objetivo - responsabilidad del médico por los actos de aquéllos -; com respecto a esta responsabilidad ya se descarta el criterio de la culpa en la elección de los colaboradores o en la vigilancia de la conducta de éstos, pues de hecho resulta difícil el control acabado de todos los actos, aceptándose en cambio, que aquella responsabilidad resulta del contrato mismo o bien (...) de una obligación de garantía que es esencial en el cumplimiento integral de cualquier contrato, todo ello sin perjuicio de que la falta del auxiliar pudo originarse en una falta del médico - instrucción incorrecta; omisión en cuanto a la suspensión de un tratamiento - en cuyo caso la responsabilidad de aquél será valorada en función de la culpa existente." [16]
Jurandir Sebastião [17] sustenta a responsabilidade solidária da equipe, com base no art. 31 do código de ética médica, o qual veda ao médico "deixar de assumir responsabilidade sobre procedimento médico que indicou ou do qual participou, mesmo quando vários médicos tenham assistido o paciente." Sustenta o autor ser inadmissível atribuir-se ao paciente o ônus de determinar a conduta de cada um dos componentes da equipe médica, motivo pelo qual a responsabilidade não deve ser individualizada.
A atribuição de responsabilidade civil ao médico cirurgião que chefia uma equipe decorreria tão somente de sua condição de "chefe da equipe", ou do fato de ter sido contratado e de ter, por sua conta e risco, escolhido os membros de sua equipe. Assim, erros cometidos por outros médicos (mesmo que não sejam seus subordinados) poderiam ensejar sua responsabilização quanto à necessária reparação do dano. A respeito, o Superior Tribunal de Justiça decidiu que "o médico chefe é quem se presume responsável, em princípio, pelos danos ocorridos em cirurgia, pois, no comando dos trabalhos, sob suas ordens, é que executam-se os atos necessários ao bom desempenho da intervenção." Com base em tal premissa reconheceu a responsabilidade civil do cirurgião por erro do anestesista, só pelo fato de tê-lo convidado para participar da intervenção cirúrgica [18].
Tais soluções não são aplicáveis entretanto na apuração da responsabilidade penal do médico. O direito penalnão prescinde da culpa comprovada para a aplicação da pena. No caso de dano praticado por equipe médica, a conduta de cada um e a culpa de cada um deve estar perfeitamente caracterizada. A respeito do tema ensina Antônio Evaristo de Morais Filho:
"o entendimento dominante curva-se diante do principio de que a responsabilidade penal é pessoal e intransferível, não respondendo o médico, em regra, pelos erros cometidos por colegas ou auxiliares, aos quais delegou a realização de parte das atividades, confiando na correção da conduta técnica dos mesmos, com assento no denominado princípio da confiança." [19]
Não se está aqui afirmando que a responsabilidade penal do chefe da equipe médica está sempre excluída quando um membro da equipe causa dano. Mas no direito penal a culpa jamais é presumida. Para atribuir-se ao chefe da equipe prática de crime culposo em face de dano causado por conduta imprudente de outrem, é preciso identificar-se na sua própria conduta inequívoca inobservância do dever objetivo de cuidado. Ou seja, é preciso que tenha havido imprudência do médico chefe da equipe em convidar um profissional que deveria saber não estar plenamente capacitado para exercer aquela função. Ou ainda, negligência em não ter checado se a capacitação ou especialização daquele profissional eram adequadas e suficientes para o bom desempenho de sua função. Se aquele que provocou o dano era um jovem médico, ou um enfermeiro, ou um instrumentador, que só poderia desempenhar seu encargo sob orientação e comando permanentes do chefe da equipe, sua culpa penal pode consistir em negligenciar no desempenho de seu papel de orientação e comando.
Vê-se pois que, em matéria penal, o fato de o médico contratado ter escalado sua equipe, por sua conta e risco, não faz presumir que seja culpado por danos praticados por qualquer de seus membros. Mesmo quanto àqueles que mantêm com o médico relação hierárquica, subordinação, não se pode falar em culpa presumida. Muito menos no que tange aos médicos convidados em razão da necessária divisão de trabalho entre profissionais, cada qual com sua especialidade, em que a relação não é hierarquizada, como no caso acima citado envolvendo um cirurgião e um anestesista [20].
Aliás, a respeito do julgado do Superior Tribunal de Justiça acima mencionado, muito embora cuidar-se de responsabilidade civil, Sérgio Cavalieri Filho consigna que houve voto vista da lavra do Ministro Eduardo Ribeiro, expressando o mesmo entendimento que agora defendo, sobre a imprescindibilidade da apuração da culpa in concreto para imputação de responsabilidade:
"A responsabilidade solidária exige o reconhecimento da culpa de ambos, ou seja, do anestesista e de quem o indicou (no caso houve erro exclusivo do anestesista). O eventual erro do escolhido não leva necessariamente a ter-se como culpado o que efetuou a escolha. Essa pode ter sido feita com o maior critério e, por infelicidade, o profissional indicado, naquele dia, haver incidido em erro. Onde há culpa do cirurgião? Repito: o anestesista não é seu preposto. (...) se pode perfeitamente separar a responsabilidade de um e outro. Existirá essa, para o cirurgião, em decorrência dos atos que praticar, seja intervindo diretamente no paciente, seja na orientação que transmitir (...) Na medida em que errar, no comando dos trabalhos, poderá ser responsabilizado. Coisa diversa, entretanto, será pretender que, apenas por dirigir a intervenção cirúrgica, deva responder por eventuais falhas do anestesista, ligada a atos que digam especificamente com os misteres desse". [21]
Definida a culpa penal, passemos a examinar mais especificamente a fixação da culpa penal do médico, no exercício de atividade profissional.
3. RESPONSABILIDADE PENAL E DESCUMPRIMENTO DA LEX ARTIS
Vimos que há culpa, no sistema do Código Penal Brasileiro, quando o autor dá causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia. É a caracterização da imperícia na fixação da culpa do médico que oferece mais dificuldades ao juiz, tendo em vista a necessária investigação sobre o correto proceder técnico do profissional.
A lex artis - definida por Casabona como as regras que, em consonância com o estágio do saber atual de determinada ciência, ´´marcan las pautas dentro de las cuales han de desenvolverse los profisionales´´ [22] - serve de parâmetro, não só para a verificação da imperícia no caso concreto (correção da escolha do meio mais adequado para atingimento do fim perseguido + perquirição da previsibilidade do evento danoso), mas também para exame de outros elementos formais do crime, por exemplo, se o agente agiu no exercício regular de um direito (o que exclui a ilicitude, apesar do dano; onde ´´regular´´ = ´´conforme a lex artis´´); ou ainda se, tendo em vista as circunstâncias que envolveram o evento (informações obtidas do paciente, equipamentos disponíveis, condições de salubridade do local, situação de emergência), o médico conduziu-se como lhe poderia ser exigido, considerando-se mais uma vez a lex artis (verificação de eventual inexigibilidade de conduta diversa, excludente da culpabilidade).
Em artigo intitulado "a culpabilidade do médico e a lex artis", Gilberto Baumann de Lima [23] observa que, a rigor, toda intervenção cirúrgica importa em lesão corporal. Mas tal lesão não será ilícita se praticada pelo profissional no exercício regular do direito de exercer a medicina. Ao contrário, caracterizada estará a ilicitude se a lesão não estiver "abrangida nos casos aconselhados pela arte médica".
Quanto à exigibilidade de conduta diversa, observa o autor que (além dos aspectos já acima mencionados) é de ser considerado o perfil do médico envolvido, uma vez que "o leque de opções que se abre ao médico formado por uma sofisticada faculdade de medicina é significativamente maior do que se apresenta ao facultativo diplomado por uma instituição modesta de ensino médio". O tema é interessante pois envolve a noção de previsibilidade subjetiva, conceito necessário à apuração da culpabilidade.
De fato, enquanto a existência da culpa pressupõe a previsibilidade objetiva, verificada a partir do comportamento esperado do homem médio, a culpabilidade decorre da previsibilidade subjetiva, a qual é "apurada considerando-se as características individuais do agente, segundo suas aptidões pessoais e na medida de seu poder individual de prever o resultado" [24] A questão é controversa, tendo como contraponto a apuração da responsabilidade penal do profissional dotado de excepcional capacidade e reputação. Quanto a este profissional, há responsabilidade penal se deixa de realizar, no caso concreto, uma intervenção muito superior que a que seria esperada do profissional médio, mas compatível, por outro lado, com a sua reputação? [25]
Ainda sobre os critérios que devem nortear o juiz no exame da adequação da conduta do médico à lex artis, observa Evaristo que, quando o ato lesivo em julgamento pelo tribunal decorrer de práticas que sejam objeto de discussões acadêmicas ou científicas, os magistrados devem abster-se de proferir uma condenação.
"Os penalistas contemporâneos mantêm este entendimento de que o médico possui a liberdade, desde que atue em consonância com a denominada lex artis, de adotar o método de tratamento, dentre os vários pertinentes, que entender adequado ao caso concreto, independentemente de ser um critério majoritário, ou não, já que ´´as normas democráticas poco valen en la ciencia´´ (Quintano Ripolles, apud Carlos Maria Romeo Casabona, "El medico y el Derecho Penal - La Actividad Curativa", 1981, p. 240/1). E ao juiz não cabe fazer apreciações, para fins condenatórios, ´´o en favor o en contra de una dirección de escuela´´, sob pena de vulnerar ´´la mencionada libertad de método´´ (Casabona, ob.cit., p. 240)" [26]
Vê-se que a exclusão da culpa penal do médico que age seguindo os comandos da lex artis não enseja dúvidas, muito embora possamos salientar que a conduta conforme a lex artis exclua tão somente a imperícia, sendo possível que a culpa advenha de imprudência ou negligência do médico, não ligadas diretamente à perícia profissional.
Discute-se outrossim a relevância penal do descumprimento pelo médico das normas regulamentares que regem a profissão. O descumprimento de regulamentos, por si só, autoriza a imputação de culpa penal?
Nelson Hungria observa que o Código Penal de 1940 não previu que a conduta de "não observar disposições regulamentares" ensejasse culpa. O Código Penal de 1890 admitia a culpa presumida iuris et de iure daquele que agisse com "inobservância de alguma disposição regulamentar", o que levava indiscutivelmente à responsabilidade penal objetiva. Para Hungria, a inobservância de disposição regulamentar pode fazer presumir a culpa, mas tal presunção é iuris tantum, ou seja, admite prova em contrário. Não obstante, o ônus de provar que, apesar de ter havido descumprimento de disposição regulamentar por parte do agente, tal descumprimento não foi causa do evento danoso, é da defesa: "o princípio a ser fixado é o seguinte: não vingará a presunção de culpa, se se provar que a inobservância da disposição regulamentar não foi causa, mas simples ocasião ao evento lesivo". [27]
Entendo que, tanto no que se refere ao descumprimento da lex artis, quanto à inobservância de regulamentos (incluídas aí as normas do Código de Ética Médica), o descumprimento pelo médico, apesar de ser indicativo de uma conduta ilícita, não enseja responsabilidade criminal, se não houver comprovado nexo de causalidade entre a conduta ilícita e o resultado lesivo [28]. Como consigna Hungria, a inobservância da disposição regulamentar, para ensejar a culpa penal, deve ser causa, e não simples ocasião ao evento lesivo. Discordo apenas do eminente jurista, quando desloca o ônus de provar a não-culpa para a defesa. O ônus de provar a ocorrência dos elementos do tipo penal, no caso concreto, é da acusação. Assim, não basta invocar descumprimento de disposição regulamentar para extrair presunção de culpa. Deve haver prova: 1. De que o réu agiu com imprudência, negligência ou imperícia; 2. De que a conduta culposa do réu causou o resultado danoso.
Examinemos, como exemplos de desrespeito às normas regulamentares da profissão médica, a não obtenção do consentimento livre e esclarecido do paciente e o exercício da medicina por profissional fora de sua área de especialização.
Já vimos que informar de maneira completa o paciente do diagnóstico e prognósticos referentes à moléstia, com o fim de obter seu necessário consentimento para a intervenção pretendida pelo médico, é dever imposto no Código de Ética Médica aprovado pelo Conselho Federal de Medicina.
Esta regra sofre temperamento, quando não for possível ao médico dar plena ciência dos fatos e obter consentimento, em situações de comprovada urgência, ou ainda se houver avaliação de que a informação poderá causar tal impacto psicológico no paciente que prejudique a evolução do tratamento [29].
Jorge Figueiredo Dias e Jorge Sinde Monteiro dão notícia de que, em Portugal, o art. 43 do Código Deontológico da Ordem dos Médicos só dispensa o médico de prestar esclarecimentos ao paciente e obter seu consentimento livre e consciente em face do "risco para a finalidade terapêutica". Determina ainda o Código que "o diagnóstico fatal só pode ser revelado ao doente com as precauções aconselhadas pelo exato conhecimento do seu temperamento e da sua índole moral", devendo nesse caso ser revelado ao familiar mais próximo, a não ser que o paciente o tenha expressamente proibido de fazê-lo [30].
É também neste sentido a lição de Paul Monzhein, discorrendo sobre a responsabilidade do médico no sistema francês:
"As reações psicológicas dos doentes, em presença de informação muito precisa, podem, com efeito, muitas vezes prejudicar uma possível recuperação. Em qualquer hipótese, pretender a todo o custo obter um consentimento esclarecido e perfeitamente consciente do doente resultaria em tornar ininterpretável o resultado do tratamento com a intromissão de um dado psíquico do qual se ignoram a manifestação e o valor. Na maioria dos casos, pode-se admitir que o médico assuma sozinho, com opinião de seus ajudantes e de sua equipe, a responsabilidade de informar mais ou menos completamente o doente (...) A perspectiva de uma evolução fatal de doença pode autorizar audácias que em outras circunstâncias seriam criminosas" [31].
Note-se que tanto em Portugal quanto na França a intervenção médica sem consentimento do paciente enseja responsabilidade penal no médico, independentemente de imperícia ou mesmo de resultado danoso. Em Portugal, a intervenção arbitrária, levada a cabo sem consentimento comprovadamente livre e esclarecido do paciente, constitui crime contra a liberdade, punível com prisão de até três anos e multa. Na França, a criminalização da conduta do médico que descumpre regra ética de dar ciência prévia ao paciente ou à família de suas decisões encontra assento no fato de que a "inobservância dos regulamentos" é equiparada à imprudência, negligência e imperícia, para aferição de culpa penal [32].
No Brasil, não havendo tipo penal específico a respeito da intervenção médica sem consentimento do paciente, o chamado "tratamento médico arbitrário" poderá ser tipificado como constrangimento ilegal (art. 146 do Código Penal). A previsão de excludente de tipicidade do art. 146, § 3o, I, autoriza a interpretação de que a contrario sensu, ou seja, se não houver o iminente perigo de vida, a intervenção médica ou cirúrgica sem o consentimento do paciente caracteriza o ilícito descrito no caput do mesmo artigo. De qualquer modo, o crime em análise pressupõe que o agente tenha constrangido a vítima mediante violência, grave ameaça, ou redução de sua capacidade de resistência por qualquer outro meio (v.g., ministrando-lhe narcóticos).
López Bolado defende que a intervenção médica, ainda que desconsidere a recusa explícita do paciente, não é necessariamente ilícita. Se o médico tem o ânimo de cura, e se de fato o resultado de sua intervenção é benéfico, a violação do bem jurídico ´´liberdade do paciente´´ justifica-se pela proteção ao bem jurídico mais valioso ´´vida ou saúde´´. [33] Em contrapartida Nelson Hungria defende que, no sistema do código penal brasileiro, só é lícita a intervenção que se apresente "necessária, urgente, inadiável, para conjurar a iminência da morte do paciente." Consigna ainda o autor que intervenções cirúrgicas não autorizadas podem tipificar, não o tipo de constrangimento ilegal, mas o de lesão corporal dolosa, podendo ser citado o exemplo da ligadura de trompas não autorizada pela paciente, levada a efeito pelo médico durante a cesariana [34].
Finalmente, ainda no tocante ao consentimento do paciente, cumpre ressaltar que não constitui o mesmo causa excludente de ilicitude que isente o médico dos efeitos penais decorrentes da prática de um crime. Cite-se os exemplos do aborto, eutanásia, auxílio ao suicídio, eugenia, etc.
Já quanto ao exercício da medicina fora da área de especialização do médico, tal conduta caracteriza em si crime de exercício ilegal de medicina, previsto no art. 282 do Código Penal Brasileiro: "exercer, ainda que a título gratuito, a profissão de médico, dentista ou farmacêutico, sem autorização legal ou excedendo-lhe os limites".
A par disso, o Código de Ética Médica veda que o profissional anuncie "especialidade para o qual não esteja qualificado" (art. 135). O crime de exercício ilegal de medicina na modalidade de "exceder os limites" é próprio dos médicos (ou dentistas ou farmacêuticos), pressupõe habitualidade e é crime de perigo, o que significa que sua consumação independe de dano efetivo praticado pelo médico no exercício irregular da profissão. [35] Assim, o resultado positivo da intervenção médica não impede a consumação do crime, muito embora eventual situação de urgência que justifique a intervenção do médico não habilitado, ainda que habitual, o exclua (por caracterizar estado de necessidade). Por exemplo, um único médico que resida em uma cidade do interior e preste atendimento à população carente, atuando fora de sua especialidade.
Não obstante isso, é de se perquirir se o dano provocado no exercício da medicina pelo profissional não especializado naquela área lhe pode ser atribuído independentemente da investigação de culpa no caso concreto. Entendo que não. Como já defendi acima, o mero descumprimento de normas regulamentares que regem a medicina não autoriza presunção de culpa por evento danoso provocado pela conduta médica. Ainda que o exercício da medicina fora da especialização ou por médico não registrado regularmente nos órgãos competentes ou mesmo com o registro profissional suspenso (crime previsto no art. 359 do Código Penal) possam caracterizar crimes autônomos, não são suficientes para responsabilização penal do médico pelo eventual resultado lesivo de sua conduta, independentemente de comprovação da culpa no caso concreto (violação de dever de cuidado + previsibilidade do resultado danoso).
Pode-se sustentar que o fato de o médico estar atuando na área em que não é especializado aponta para uma maior possibilidade de que tenha agido com imperícia. Mas tal afirmação não dispensa a demonstração de que o profissional, no caso concreto, foi imperito.
4. CONCLUSÃO
Sem a preocupação de esgotar o tema, procurou-se neste breve estudo, suscitar algumas questões que merecem reflexão no estudo da responsabilidade penal do médico pelo insucesso de sua intervenção.
A constatação de que muitas vezes o corporativismo da classe médica impede a apuração e punição de profissionais que cometem crimes no exercício da medicina, tanto no âmbito do Conselho, quanto no campo jurídico-penal, já que o juiz depende de perícia técnica para a apuração da culpa, não pode levar à adoção de uma política de repressão que não leve em conta as peculiaridades da ciência médica.
Eventual flexibilização da apuração da culpa in concreto na esfera da responsabilidade civil, adotando-se a teoria do risco ou da culpa presumida para impor ao profissional a responsabilidade de reparas os danos que causou, não pode ser transplantada para o campo do direito penal, já que a caracterização da responsabilidade penal parte de premissas diversas das que norteiam a responsabilidade civil.
Assim, é preciso não abandonar uma postura equilibrada na responsabilização penal do médico, que por um lado considere a imensa responsabilidade com que deve conduzir-se este profissional, pois lida com a integridade física e com a vida das pessoas, e por outro os riscos inerentes ao exercício da medicina. A solução está, ao meu ver, na aplicação dos conceitos básicos do direito penal moderno: não presunção de culpa e não desconsideração das circunstâncias em que, no caso concreto, atua o profissional.
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA:
Antônio Evaristo de Moraes Filho: Aspectos da Responsabilidade Penal do Médico, in Revista da Faculdade de Direito da UERJ, Rio de Janeiro, n. 4, 1996.
Arturo Ricardo Yungano, Jorge D. López Bolado, Victor Luis Poggi e Antonio Horacio Bruno: Responsabilidad profesional de los médicos - cuestiones civiles, penales, médico-legales, deontológicas, Editorial Universidad, Buenos Aires, 1992, 2a Edição.
Damásio E. de Jesus: Direito Penal - Parte Geral, Ed. Saraiva, 1988, 13a Edição.
Damásio E. de Jesus, Código Penal Anotado, Ed. Saraiva, 1991, 2a Edição.
Elida Sá: Iatrogenia e o Erro Médico sob a Ótica Jurídica, in Revista dos Tribunais, 695/422)
Gilberto Baumann de Lima: Culpabilidade do Médico e a "lex artis", in Revista dos Tribunais, 695/422
João José Leal: Exercício da Medicina e Responsabilidade Criminal, in Revista dos Tribunais, 706/290.
Jorge Figueiredo Dias e Jorge Sinde Monteiro: Responsabilidade médica em Portugal, in Revista Forense, 289/53.
Jorge López Bolado: Los Médicos y el Código Penal, Editorial Universidad, Buenos Aires, 1987, 2a Edição.
Jurandir Sebastião: Responsabilidade médica civil, criminal e ética, Editora Del Rey, 1998, pag. 29.
Miguel Kfouri Neto: A responsabilidade civil do médico, in Revista dos Tribunais 654/57.
Paul Monzhein: A responsabilidade penal do médico - (Considerações sobre a responsabilidade do médico ao longo dos últimos decênios), traduzido por Alcides Amaral Salles, in Revista JUSTITIA, v. 35, n. 81, abr/jun. 1973.
Paulo Affonso Leme Machado: A Responsabilidade Médica Perante a Justiça, in Revista dos Tribunais, 494/245
Pedro de Alcântara da Silva Leme: O erro médico e suas implicações civis e penais, in Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, v. 1, n.1, jan/mar 1993.
Sérgio Cavalieri Filho: A responsabilidade médico-hospitalar à luz do Código do Consumidor, in Revista de Direito, 37/17.
Nelson Hungria, Comentários ao Código Penal, Ed. Forense, 1983, 6a Edição, volume I, tomo II.
Nelson Hungria, Comentários ao Código Penal, Ed. Forense, 1982, 5a Edição, volume VI.
Nelson Hungria, Comentários ao Código Penal, Ed. Forense, 1959, 2a Edição, volume IX., pag. 149
Notas
01
Antônio Evaristo de Morais Filho: Aspectos da Responsabilidade Penal do Médico, in Revista da Faculdade de Direito da UERJ, Rio de Janeiro, n. 4, 1996, pag. 293.
02
Paulo Affonso Leme Machado: A responsabilidade médica perante a justiça, in Revista dos Tribunais, 494/245, pag. 245. A jurisprudência tem se manifestado no sentido de que na cirurgia plástica estética há contrato de resultados, autorizando a responsabilização civil do médico pelo insucesso da intervenção cirúrgica (neste sentido: Jurandir Sebastião: Responsabilidade médica civil, criminal e ética, Editora Del Rey, Belo Horizonte, 1998, pag. 29; Elida Sá: Iatrogenia e o Erro Médico sob a Ótica Jurídica, in Revista dos Tribunais, 695/422)
03
Paul Monzhein: A responsabilidade penal do médico - (Considerações sobre a responsabilidade do médico ao longo dos últimos decênios), traduzido por Alcides Amaral Salles, in Revista JUSTITIA, v. 35, n. 81, abr/jun. 1973, pag. 79.
04
A lex artis é definida como conjunto de regras consagradas pela prática médica no estágio atual. A atuação médica conforme a lex artis é aquela considerada adequada, por corresponder à generalidade de condutas profissionais perante casos análogos. Neste sentido: Paul Monzhein, ob.cit., pag 73 e Gilberto Baumann de Lima, Culpabilidade do Médico e a "lex artis", in Revista dos Tribunais, 695/422, pag. 427.
05
Dispõe o art. 5o, inciso XXXIX da Constituição Federal de 1988 - "não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal". A respeito dos caracteres do crime sob o aspecto formal ver Dámasio E. de Jesus: Direito Penal - Parte Geral, Ed. Saraiva, 1988, 13a Ed., pag 135 e segs.
06
Damásio E. de Jesus, ob. cit., pag. 136.
07
Nelson Hungria, Comentários ao Código Penal, Ed. Forense, volume I, tomo II, 6a ed., 1983, pag. 152
08
Nelson Hungria, ob. cit., pag 89.
09
Hungria distingue o dolo eventual e a culpa consciente: "Sensível é a diferença entre essas duas atitudes psíquicas. Há, entre elas, é certo, um traço comum: a previsão do resultado antijurídico; mas, enquanto no dolo eventual o agente presta anuência ao advento desse resultado, preferindo arriscar-se a produzi-lo, ao invés de renunciar à ação, na culpa consciente, ao contrário, o agente repele, embora inconsideradamente, a hipótese da superveniência do resultado, e empreende a ação na esperança ou persuasão de que este não ocorrerá". (ob. cit., pag. 92).
10
Nelson Hungria, ob. cit., pag. 148.
11
Nelson Hungria, ob. cit., pag 163.
12
Nelson Hungria, ob. cit., pags. 151 e 153
13
Enquanto a prática de ilícito penal enseja punição do agente, o ilícito civil gera a obrigação de reparar o dano.
14
Sérgio Cavalieri Filho: A responsabilidade médico-hospitalar à luz do Código do Consumidor, in Revista de Direito, 37/17.
15
Neste sentido: Pedro de Alcântara da Silva Leme: O erro médico e suas implicações civis e penais, in Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, v. 1, n.1, jan/mar 1993. Defendendo o ponto de vista de que o médico lucra com sua atividade e por isso deve arcar com os riscos que dela decorrem independentemente de culpa (na esfera cível), consigna o autor, citando Genival Veloso: "Os tribunais passaram a entender que a reparação do dano é um feito indiscutível. Já afirmaram que assim como é injusto o médico responder pela falibilidade da ciência ou da sua própria limitação, mais injusto seria deixar o paciente à sua própria sorte; quando buscando um bem encontrou um mal. Ou que se deixe abater sobre a vítima todo o peso do seu infortúnio."
16
Arturo Ricardo Yungano, Jorge D. López Bolado, Victor Luis Poggi e Antonio Horacio Bruno: Responsabilidad profesional de los médicos - cuestiones civiles, penales, médico-legales, deontológicas, Editorial Universidad, Buenos Aires, 1992, 2a Ed., pag. 139/140. A responsabilidade do médico contratado pelos atos praticados pela equipe, incluindo-se o anestesista, também existe no Direito CivilPortuguês, cf. Jorge Figueiredo Dias e Jorge Sinde Monteiro: Responsabilidade médica em Portugal, in Revista Forense, 289/53, pag. 65.
17
Jurandir Sebastião, ob. cit., pag. 51.
18
Sérgio Cavalieri Filho, ob. cit., pag. 23.
19
Antônio Evaristo de Morais Filho, ob.cit., pag. 296.
20
Pedro de Alcântara da Silva Leme (ob. cit., pag. 123) estabelece a divisão horizontal e vertical de trabalho (conforme haja ou não hierarquia entre os membros da equipe) como critério para apuração da responsabilidade do médico que chefie a equipe. Não considero esta a melhor distinção, pois como já consignado no texto, o que deve ser apurado é se a escolha em si do profissional caracterizou conduta culposa (se houve negligência ou imprudência em tal escolha e se o resultado danoso era previsível, considerando-se a notória inadequação do profissional escolhido).
21
Sérgio Cavalieri Filho, ob. cit., pag. 23.
22
Antônio Evaristo de Morais Filho, ob. cit., pag. 295. Ver ainda nota 4 a respeito de outras definições para a lex artis.
23
Gilberto Baumann de Lima, ob. cit., pag. 424/426.
24
Damásio E. de Jesus, Código Penal Anotado, Ed. Saraiva, 2a ed., 1991, pag. 52.
25
Em resposta à questão proposta, Evaristo de Morais Filho assinala que: "de um lado, em maioria, os estudiosos sustentam que o dever objetivo de cautela deve ser examinado com base, apenas, no cuidado exigível do profissional médio (Mir Puig, ´´Derecho Penal´´, 2a ed., 1995, p. 233). Em contraposição, penalistas de escol, como Stratenwerth, exigem que cada qual esgote, integralmente, a especial capacidade técnica de que, porventura, seja dotado, sob pena de responder a título de culpa". (ob.cit., pag. 296)
26
Antônio Evaristo de Morais Filho, ob.cit., pag. 292.
27
Nelson Hungria, ob. cit., pag. 89
28
Corroborando a tese de que o descumprimento da lex artis não enseja automática responsabilização do médico, veja-se o seguinte julgado do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul: "Responsabilidade do anestesista, diante do evento morte, por ter-se ausentado, por duas vezes, da sala cirúrgica e por alegado estar praticando anestesias em operações simultâneas - o ato puro da ausência breve da sala, por si só, conquanto possa retratar negligência no lato sensu, sem a relação de causa e efeito entre o ato comissivo e o resultado letal, não configura responsabilidade civil, desde que esta não pode prescindir da etiologia entre o fato e o dano." Apud Miguel Kfouri Neto: A responsabilidade civil do médico, in Revista dos Tribunais 654/57.
29
O art. 70 do Código de Ética Médica brasileiro, após prever o dever do médico de dar acesso ao paciente ao seu prontuário e às informações necessárias para compreensão do mesmo, consigna: "salvo quando ocasionar riscos para o paciente ou para terceiros".
30
Jorge Figueiredo Dias e Jorge Sinde Monteiro, ob. cit., pag. 73.
31
Paul Monzhein, ob.cit., pag. 81.
32
Paul Monzhein, ob.cit., pag. 73: "A tendência para o agravamento da repressão encontra-se em algumas decisões proferidas em que se imputou ao médico o grave fato de não haver obtido do doente "um consentimento esclarecido", vale dizer, não ter logrado um acordo depois do doente haver recebido todas as explicações úteis sobre a natureza do seu mal, os meios de o remediar, e sem que lhe tenham sido desvendados os riscos da terapêutica recomendada. Isso se manifestou, notadamente, em um julgado da Câmara de Acusação de Rouen, datado de 16 de abril de 1949, que carregou à conta da responsabilidade do cirurgião a circunstância de haver intervindo em um tumor cervical, corretamente operado aliás, sem ter associado a família do doente às suas decisões, já que as regras éticas impunham-lhe essa obrigação e sendo a expressão ´´regulamentos´´ do Código Penal, tomada em seu sentido amplo, a inobservância das regras profissionais devia ser assimilada à da violação de ´´regulamentos´´".
33
Jorge López Bolado: Los Médicos y el Código Penal, Editorial Universidad, 1987, 2a Ed., pag. 279.
34
Nelson Hungria, Comentários ao Código Penal, Ed. Forense, 1982, 5a Edição, volume VI., pag. 179.
35
Neste sentido, Nelson Hungria, Comentários ao Código Penal, Ed. Forense, 1959, 2a Edição, volume IX., pag. 149
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