domingo, 2 de julho de 2017

Violência no futebol e o Direito Desportivo

Resumo: A impunidade da aplicação da lei pelo judiciário a casos concretos de violência no esporte e a construção da anomia social. O combate ao sendo comum de que para se resolver a violência é necessário extinguir as torcidas organizadas. A garantia dos direitos sociais, no artigo  da constituição federal em face ao artigo 217º/CF.
Palavras-Chave: violência no futebol; anomia; impunidade judicial; direitos sociais; estatuto do desporto; torcida organizada;

Introdução

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Demonizar as torcidas organizadas e utiliza-las como alvo de críticas tornou-se praxe da conduta jornalística no Brasil, que sempre denota os brasileiros como protagonistas de grandes tumultos. Dessa maneira, a simples redução de que tais grupos somente fazem parte de brigas acaba se tornando um equívoco, pois o velho erro da generalização provém das mesmas TVs e jornais que, ao mesmo tempo em que censuram os grupos também veiculam com destaque fotos e imagens de belos espetáculos feitos por esses mesmos torcedores. O futebol estabelece rivalidades, donde lados antagônicos podem despertar o ódio, que leva ao desentendimento e, muitas vezes, a brigas. Se todo indivíduo tem um lado violento, em geral contido, existem aqueles que, de alguma forma, despertam essa característica quando encorajados pelo grupo a que estão situados, não sendo raro encontrar nas torcidas organizadas, pessoas de comportamento pacato que se transformaram e passam para um estado extremamente agressivo quando integradas. Isso explica, em parte, a atração que as facções despertam em seus novos integrantes, desde meados dos anos 1960.
Mas torcida organizada não é só violência, tampouco surgiram com esse objetivo. Como nos calorosos recebimentos das hinchadas argentinas quando seus times pisam o gramado, a entrada em campo se tornou um esperado espetáculo no Brasil. Entre os anos 1960 e 1970, num tempo em que milhares de torcedores iam ao estádio com bandeiras em punho, o show se tornou ainda mais bonito quando as facções se multiplicaram e passaram a investir naquele momento e naquele espetáculo. Não obstante, casos de violência entre torcidas organizadas são casos de policia, de segurança pública e não de excludente de um espetáculo que une famílias e indivíduos de forma solidária.

Estatuto do Torcedo; LEI No10.671, DE 15 DE MAIO DE 2003.

A Lei 10.671/03, que ficou popularmente conhecida como Estatuto do Torcedor, surgiu depois de diversos problemas que os torcedores (consumidores) do esporte sofriam.
Dentre seus principais objetivos, o Estatuto visa garantir ao torcedor segurança nos eventos esportivos; garantias de que o ingresso para o evento seja negociado com até setenta e duas horas antes do início do próprio evento; o acesso a um transporte seguro e organizado e direito à higiene e qualidade dos produtos alimentícios oferecidos nos eventos.
Depois de uma década em vigor, o Estatuto do Torcedor já reúne dados suficientes para uma avaliação mais efetiva de sua eficácia. Para facilitar essa análise, é bom lembrar que a lei, sancionada em 2003, queria reverter o quadro de flagrante desrespeito aos direitos do público que frequentava os estádios e os ginásios esportivos do Brasil.
A idolatria por um time de futebol, o apoio a determinado esporte amador ou a simples contemplação do espetáculo em uma arena esportiva sujeitava o torcedor à violência gratuita, a preços abusivos, ao desconforto e a outros problemas que eram compensados apenas pela paixão que muitos brasileiros cultivam pelo esporte.
Os resultados após mais de dez anos não são nem um pouco satisfatórios. A violência ainda persiste, dentro e fora dos estádios. O primeiro artigo resume praticamente todo o Estatuto.
“Art. 1o-A. A prevenção da violência nos esportes é de responsabilidade do poder público, das confederações, federações, ligas, clubes, associações ou entidades esportivas, entidades recreativas e associações de torcedores, inclusive de seus respectivos dirigentes, bem como daqueles que, de qualquer forma, promovem, organizam, coordenam ou participam dos eventos esportivos.”
É possível dizer que tal lei (estatuto) não teve eficácia na sociedade brasileira, onde a grande maioria das pessoas são ‘apaixonadas’ pelo futebol, tal paixão leva muitas vezes esses ‘apaixonados’ tomarem decisões que afetam todos em sua volta.
Ficha Limpa O presidente da Comissão de Turismo e Desporto da Câmara, deputado Romário (PSB-RJ), não se conforma, por exemplo, com o fato de dirigentes se perpetuarem à frente de clubes, federações e confederações esportivas. A ficha limpa, já em vigor, para os políticos, também deveria imperar no comando do esporte, segundo Romário.
"Alguns clubes têm um ciclo de três a cinco presidentes que ficam se revezando no poder. Eu tenho bastante consciência que, para melhorar definitivamente o futebol brasileiro, essa mudança tem que vir da entidade maior, que é a CBF”, ressaltou Romário.
A efetividade do Estatuto do Torcedor é acompanhada de perto pela Comissão de Turismo e Desporto da Câmara, inclusive com frequentes audiências públicas sobre o tema.
Os grandes detentores desses poderes possuem grande responsabilidade sobre os atos criminosos que ocorrem no meio esportivo, porém os mesmos não demonstram uma grande preocupação com a situação, até mesmo por questões de desvios éticos e financeiros, como o ex-presidente da CBF, Ricardo Teixeira, diversas vezes acusado de corrupção e constantemente mostrando inércia perante as situações de necessária atuação profissional.
A partir de tais fatos, chega-se a conclusão de que o esporte torna-se objetificado, como meio de relações financeiras, onde se objetiva o acúmulo de grandes quantias de dinheiro, decorrentes de acordos, ao invés de punir tais atos criminosos.
Portanto aqui não se observa uma anomia (ausência de normas) formal, uma vez que o Estatuto do Torcedor é claro quanto o cumprimento das normas referentes ao meio esportivo, mas sim uma ausência de um poder capaz de punir de forma concisa e justa os infratores. A efetividade do Estatuto do Torcedor é acompanhada de perto pela Comissão de Turismo e Desporto da Câmara, inclusive com frequentes audiências públicas sobre o tema.

Casos concretos

À medida que as brigas entre as torcidas organizadas ganham o aspecto de fato social, é essencial a descrição e análise de alguns casos concretos para que se retirem consequências do ocorrido, para importância acadêmica, sociológica e explicativa.
Eis os casos:

A Guerra do Pacaembu

O primeiro ponto é chamar atenção para o substantivo no qual descreve o fato: guerra. Quando esta palavra caracteriza o evento, o conflito e ódio propagados foram dos mais perversos.
Foi no dia 20 de Agosto de 1995, decisão da 2a Supercopa São Paulo de Futebol Júnior entre São Paulo e Palmeiras e consequentemente das duas das mais temidas torcidas organizadas no Brasil até os dias de hoje: a Independente e a Mancha Verde, respectivamente. Neste dia, o espetáculo virou tragédia. As duas torcidas desencadearam o maior conflito entre torcidas no Brasil. O que era pra ser comemoração de um título conquistado por jovens atletas, virou caos entre jovens também, nesse caso, torcedores.
Tudo começou quando o atacante Rogério, do Palmeiras, marcou o gol da consagração na morte súbita. Exaltada, a torcida verde invadiu o campo sem a menor consideração e começou a provocar a torcida rival. Recebendo as hostilidades, a torcida são paulina começou a se movimentar para chegar até os palmeirenses. Foi ai que entra o detalhe no mínimo curioso: o estádio do Pacaembu estava passando por reformas em sua estrutura e um canteiro de obras cheio de materiais de construção estava à disposição para ser usado como armas, como se fosse um arsenal a céu aberto. Preparada para a batalha, os são paulinos quebram o alambrado do estádio e começa o caos.
O campo que traz alegria popular virou um campo de guerra e de vergonha. A selvageria com que se agrediam era colossal. Mesmo os que ficaram feridos, não desistiram e foram para cima. A polícia demorou a agir e a chegada de reforços foi tardia. O resultado, segundo dados da Polícia Militar, foi: 102 feridos (80 torcedores e 22 policiais) e a morte de um torcedor do São Paulo de 16 anos de idade.
Qual é a relevância sociológica e antropológica em analisar esse caso? Todas as possíveis. Vemos que todos os elementos perduram até hoje no esporte mais querido do Brasil: a força das torcidas organizadas é muito grande; canções que incitam a hostilidade ainda são cantadas; o fanatismo gerando a violência e agressão ao próximo pela camisa que o outro veste; a falta de preparo da polícia que não sabe lidar com a situação de maneira resolutiva e a ineficácia jurídica quanto ao agravo social.
Um fato social que destrói um esporte é uma situação agravante, pois é um meio de cidadania muito forte. Famílias são raramente vistas nos estádios, alguns deles quase vazios. O que a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) fez de lá pra cá? Recebeu mais dinheiro de patrocinadores ganhando uma fortuna, enquanto o futebol está às lascas no país todo.

A Tragédia de Heysel

A final da Taça dos Campeões Europeus de 1985 foi disputada na Bélgica, no dia vinte e nove de maio, no estádio Heysel, em Bruxelas. O jogo, disputado entre Liverpool (ING) vs. Juventus (ITA), ficou em segundo plano. O que tomou as manchetes de todos os jornais europeus foi a briga generalizada entre os hooligans ingleses e os ultras italianos.
A possibilidade de confronto entre os adeptos de ambas as equipes foi, desde o inicio, ponderada pelas autoridades belgas. Com isso, uma serie de medidas foram tomadas: proibição de vendas de bebidas alcoólicas nas regiões próximas ao estádio; revista a todos os espectadores à entrada no jogo; mil e quinhentos policiais recrutados para servir de segurança no local do estádio.
Os distúrbios começaram ainda fora do estádio, com ingleses e italianos trocando provocações. Por volta das 19h, faltando pouco mais de uma hora para o início do jogo, uma grande parte dos espectadores já se encontrava dentro do estádio. Contrariamente ao previsto pela polícia, o lado norte do estádio estava partilhado por torcedores dos dois times, separados apenas por uma pequena barreira e alguns policiais.
Meia hora mais tarde, os britânicos lançaram o primeiro “ataque” e os distúrbios começaram a ganhar proporções incontroláveis. As grades que separavam as arquibancadas cederam à pressão humana e deram lugar à tragédia. Dezenas de espectadores italianos foram violentadas por hooligans, que usavam barras de ferro para bater nos rivais. Com a pressão dos espectadores em pânico, o muro caiu, arrastando na queda mais algumas dezenas de pessoas.
A expectativa em relação ao jogo era grande e a UEFA, entidade máxima do futebol europeu e organizadora do torneio em questão, decidiu pela realização do mesmo. O balanço final da tragédia apontou 39 mortos e um numero indeterminado de feridos. A polícia não efetuou nenhuma prisão.
Os hooligans ingleses foram responsabilizados pelo incidente, o que resultou na proibição das equipes britânicas participarem em competições europeias por um período de cinco anos.
Hoje, o futebol britânico conseguiu resolver o grave problema de hooliganismo que sofria a trinta anos, punindo exemplar e sistematicamente quem levava a violência aos estádios e impedindo os hooligans de comparecerem aos espetáculos esportivos. No Brasil, está instalado em torno do futebol um clima de absoluta impunidade, em que as pessoas pacatas se transfiguram, por acharem que, naquele ambiente, tudo lhes é permitido.
A menos que a Legislação, a policia, governo e CBF queiram esperar por mais uma Guerra do Pacaembu ou por um Heysel brasileiro, é urgente que sejam criadas e aplicadas leis mais duras para os torcedores violentos.

Anomia

Nos os primórdios da civilização, atividades como a caça predatória e a fuga de animais selvagens foram consideradas essenciais para a sobrevivência da espécie humana, sendo estas as primeiras manifestações esportivas da Terra. Tendo herdado essa prática, somada a ideologias religiosas, políticas e militares, o povo grego acabou por utilizar o esporte para poder mensurar sua força de domínio politico em face à generalização que se fazia pela capacidade dos atletas que pulavam mais alto, que corriam mais rapidamente ou que lutavam mais arduamente. Ainda na época clássica, os chineses utilizavam o esporte para honrar o imperador e mostrar a força dos feudos e seus exércitos particulares. No inicio da idade média, a pratica esportiva entra em declínio na Europa, somente sendo aceita se fosse destinada ao treinamento físico militar, servindo para as cruzadas organizadas pela igreja, pois esta pregava que o culto ao corpo e o exercício físico eram atividades profanas e que somente a alma deveria ser purificada. Somente no período Humanista é que a prática esportiva retoma forças, originando a primeira prática de diversas modalidades até hoje utilizadas, tais como o tênis e o futebol.
Imprescindível notar, que conforme ocorre a evolução da sociedade e das formas de poder, ora absolutistas ditatoriais, ora republicanas socialistas, o esporte acaba seguindo essas tendências servindo tanto de instrumento de dominação de massas, através da mídia e da econômia, quanto para promover eventos de cunho pacificador ou conciliador entre pessoas, instituições e nações. Assim, em um mundo cada vez mais globalizado, conforme crescem as populações, bem como o numero de casos para a prática esportiva, surge a inquestionável necessidade de o esporte ser regulamentado de pelo Estado, evitando situações que transgridam a ordem pública e os anseios sociais. Como são as relações humanas que iniciam um sistema de direitos e deveres sociais, assim também são no esporte, sendo necessária a intervenção estatal para o controle dessas relações que nem sempre estão harmonizadas, mas sim em conflito constante e violento. Uma vez que esses conflitos são inerentes ao estado de natureza humano, conforme explica Francisco C. Weffort em sua análise sobre a obra de Hobbes, “Leviatã”, o homem, ao não saber exatamente se o que o outro deseja e planeja bem como sua capacidade de atingir esse bem é semelhante a sua, acaba sendo forçado a agir para impedir que esse fim seja cumprido, instaurando a guerra e a violência no seu meio. No esporte, em especial no futebol, o desejo se caracteriza pela vitória do time a que o sujeito está filiado, do contrário, não atingindo a esse fim, o individuo se deixa levar pela racionalidade do estado de natureza e retoma as bases que o direito tanto luta para não retornar, do conflito e da insegurança social.
No Brasil atual, apesar de existir uma legislação desportiva que somente apareceu oficialmente na carta magna de 1988, no artigo 217, especificando que as práticas desportivas e seus sujeitos ativos e passivos estão sob a tutela do Estado, é notável que o conceito de desporto - conjunto dos meios para transcorrer agradavelmente o tempo: recreações, jogos etc., especialmente no futebol, acaba sendo muitas vezes danificado em face aos constantes episódios de violência dentro e fora dos gramados, que mesmo garantidos pela lei, continuam a ocorrer. A realidade desses conflitos, cada vez mais frequentes, ocorre pelo fato de a sociedade estar cada vez mais liquida, onde fazer parte de um grupo específico - no caso, de uma torcida organizada, e de possuir algo que somente é possivel através do consumo, fazendo com que os indivíduos busquem a integração e o reconhecimento cada vez mais por meios que transgridem o pensamento racional e o sistema do Direito, movendo-os, quando não atingem tal objetivo, pela natureza Hobbesiana, de conflito com o próximo, e também pela impunidade da lei e do sistema judiciário, que pode gerar a tão temida anomia social.
Há de ser conveniente citar a famosa obra de Durkheim, “O Suicídio”, ao discutir sobre a situação delicada e, ao mesmo tempo, deselegante que as torcidas organizadas vêm se encontrando nos dias presentes. Primeiramente, é necessária uma breve explicação da problemática de pesquisa escolhida por Durkheim, que é a fundamentação de que os suicídios ocorridos em todas as sociedades tornam-no um fato social, e que sua principal causa vem da própria sociedade. E então, Durkheim passa a relacionar o fato social suicida com a anomia. A anomia, no próprio conceito do sociólogo, é a falta ou ausência de normas, como o próprio nome diz, sejam elas normas afetivas ou normas socialmente impostas pelo Estado. Se se considera o homem um ser social e que, portanto, impossível de sobreviver com laços afetivos cortados e a necessidade de dar ênfase ao seu ingresso em determinada tribo, pode-se dizer que a ausência de afetividade pode matá-lo. Porém, Durkheim, não concluindo apenas isso, conclui também que a ausência de normas sociais mata o homem, pois este necessita de referenciais a serem seguidos, e são os próprios referenciais que o adequarão na tribo em que vive ou deseja viver.
Muitas vezes, os laços são fortemente vinculados de tal maneira que possibilita o homem a deixar de lado sua própria vida em detrimento de sua tribo. Durkheim tratou de chamar este fato de “Suicídio Altruísta”. O que essa classificação possui de peculiar é que pode ser contextualizada na proposta deste trabalho, relacionando-a com a perturbação existente dentro das torcidas organizadas. Até que ponto os torcedores para defenderem, através de um falso ideal, a honra do seu time do coração? Será que, simplesmente, não tem a ver com o fato de o homem não ser capaz, muitas das vezes, de abrir mão de seus ideais ou suas opiniões por considera-las boas demais ou até melhores que as daqueles que não compartilham destas?

Bibliográfia

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AIDAR, Carlos Miguel C. (Coord.). Curso de direito desportivo. São Paulo: Ícone, 2003. 478 p. ISBN 8586557196
MALDONADO, Roberto Joanilho. Código brasileiro de justiça e disciplina desportivas: de acordo com a lei Pelé. Curitiba: Juruá, 2004. 168 p. ISBN 857394319X
ATIK, Guilherme Antibas; CARVALHO, Milton Paulo de. Direito desportivo: conflitos e meios de solução. 2004. 207 f. Dissertação (Mestrado em Direito Político e Econômico) - Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2004.
MELO FILHO, Alvaro. O novo direito desportivo. São Paulo: Cultural Paulista, 2002. 155 p. ISBN 8586776165

Arthur Traballi da Silva, Fernando César B. Filho, Guilherme Gomes Ramos, José Vitor Marques Dias, Victor Rezende Bonora, Yuri Navajas de Carvalho Dias.
Alunos do 1º ano da Universidade Presbiteriana Mackenzie

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