Luís Roberto Barroso1*
Critérios de Ponderação. Interpretação Constitucionalmente adequada do Código Civil e da Lei de Imprensa
Sumário: Introdução: Colocação do problema. Parte I: Alguns aspectos da moderna interpretação constitucional. I. A interpretação jurídica tradicional. II. A nova interpretação constitucional: 1. O fenômeno da colisão de direitos fundamentais 2. A técnica da ponderação. Parte II: A liberdade de informação e expressão e os direitos da personalidade: ponderação de bens e valores constitucionais. III. A questão sob a ótica constitucional: 1. Direitos constitucionais da personalidade. 2. Liberdades constitucionais de informação e de expressão e a liberdade de imprensa. 3. Parâmetros constitucionais para a ponderação na hipótese de colisão. IV. A questão sob a ótica infraconstitucional. Parâmetros criados pelo legislador para a ponderação na hipótese de colisão: 1. Interpretação constitucionalmente adequada do art. 21, § 2º da Lei de Imprensa (Lei nº 5.250/67). 2. Interpretação constitucionalmente adequada do art. 20 do novo Código Civil. V. Solução da ponderação na hipótese em estudo. Conclusões.
Introdução
colocação do problema
O estudo que se segue tem por objeto a análise da legitimidade da exibição, independentemente de autorização dos eventuais envolvidos, de programas ou matérias jornalísticas nos quais (i) sejam citados os nomes ou divulgada a imagem de pessoas relacionadas com o evento noticiado ou (ii) sejam relatados e encenados eventos criminais de grande repercussão ocorridos no passado.
Como intuitivamente se constata, está em jogo a disputa, inevitável em um estado democrático de direito, entre a liberdade de expressão e de informação, de um lado, e os denominados direitos da personalidade, de outro lado, em tal categoria compreendidos os direitos à honra, à imagem e à vida privada. Cuida-se de determinar se as pessoas retratadas, seus parentes ou herdeiros, podem impedir a exibição de tais programas ou pretender receber indenizações por terem sido neles referidos.
O equacionamento do problema e a apresentação da solução constitucionalmente adequada dependem da discussão de algumas das teses centrais relacionadas com a nova interpretação constitucional: colisão de direitos fundamentais, ponderação de valores, discricionariedade judicial e teoria da argumentação. Após a exposição dos conceitos essenciais na matéria e definição dos elementos relevantes de ponderação, a questão se torna surpreendentemente simples.
Veja-se a análise que se segue.
Parte I
Alguns aspectos da moderna interpretação constitucional
I. A interpretação jurídica tradicional
Um típico operador jurídico formado na tradição romano-germânica, como é o caso brasileiro, diante de um problema que lhe caiba resolver, adotará uma linha de raciocínio semelhante à que se descreve a seguir. Após examinar a situação de fato que lhe foi trazida, irá identificar no ordenamento positivo a norma que deverá reger aquela hipótese. Em seguida, procederá a um tipo de raciocínio lógico, de natureza silogística, no qual a norma será a premissa maior, os fatos serão a premissa menor e a conclusão será a conseqüência do enquadramento dos fatos à norma. Esse método tradicional de aplicação do direito, pelo qual se realiza a subsunção dos fatos à norma e pronuncia-se uma conclusão, denomina-se método subsuntivo.
Esse modo de raciocínio jurídico utiliza, como premissa de seu desenvolvimento, um tipo de norma jurídica que se identifica como regra. Regras são normas que especificam a conduta a ser seguida por seus destinatários. O papel do intérprete, ao aplicá-las, envolve uma operação relativamente simples de verificação da ocorrência do fato constante do seu relato e de declaração da conseqüência jurídica correspondente. Por exemplo: a aposentadoria compulsória do servidor público se dá aos setenta anos (regra); José, serventuário da Justiça, completou setenta anos (fato); José passará automaticamente para a inatividade (conclusão). A interpretação jurídica tradicional, portanto, tem como principal instrumento de trabalho a figura normativa da regra.
A atividade de interpretação descrita acima utiliza-se de um conjunto tradicional de elementos de interpretação, de longa data identificados como gramatical, histórico, sistemático e teleológico. São eles instrumentos que vão permitir ao intérprete em geral, e ao juiz em particular, a revelação do conteúdo, sentido e alcance da norma. O Direito, a resposta para o problema, já vêm contidos no texto da lei. Interpretar é descobrir essa solução previamente concebida pelo legislador. Mais ainda: o ordenamento traz em si uma solução adequada para a questão. O intérprete, como conseqüência, não faz escolhas próprias, mas revela a que já se contém na norma. O juiz desempenha uma função técnica de conhecimento, e não um papel de criação do direito.
A interpretação jurídica tradicional, portanto, desenvolve-se por um método subsuntivo, fundado em um modelo de regras, que reserva ao intérprete um papel estritamente técnico de revelação do sentido de um Direito integralmente contido na norma legislada.
II. A nova interpretação constitucional
A idéia de uma nova interpretação constitucional liga-se ao desenvolvimento de algumas fórmulas originais de realização da vontade da Constituição. Não importa em desprezo ou abandono do método clássico – o subsuntivo, fundado na aplicação de regras – nem dos elementos tradicionais da hermenêutica: gramatical, histórico, sistemático e teleológico. Ao contrário, continuam eles a desempenhar um papel relevante na busca de sentido das normas e na solução de casos concretos. Relevante, mas nem sempre suficiente.
Mesmo no quadro da dogmática jurídica tradicional, já haviam sido sistematizados diversos princípios específicos de interpretação constitucional, aptos a superar as limitações da interpretação jurídica convencional, concebida sobretudo em função da legislação infraconstitucional, e mais especialmente do direito civil2. A grande virada na interpretação constitucional se deu a partir da difusão de uma constatação que, além de singela, sequer era original: não é verdadeira a crença de que as normas jurídicas em geral – e as constitucionais em particular – tragam sempre em si um sentido único, objetivo, válido para todas as situações sobre as quais incidem. E que, assim, caberia ao intérprete uma atividade de mera revelação do conteúdo pré-existente na norma, sem desempenhar qualquer papel criativo na sua concretização.
De fato, a técnica legislativa, ao longo do século XX, passou a utilizar-se, crescentemente, de cláusulas abertas ou conceitos indeterminados, como dano moral, justa indenização, ordem pública, melhor interesse do menor, boa-fé. Por essa fórmula, o ordenamento jurídico passou a transferir parte da competência decisória do legislador para o intérprete. A lei fornece parâmetros, mas somente à luz do caso concreto, dos elementos subjetivos e objetivos a ele relacionados, tal como apreendidos pelo aplicador do Direito, será possível a determinação da vontade legal. O juiz, portanto, passou a exercer uma função claramente integradora da norma, complementando-a com sua própria valoração.
Na seqüência histórica, sobreveio a ascensão dos princípios, cuja carga axiológica e dimensão ética conquistaram, finalmente, eficácia jurídica e aplicabilidade direta e imediata. Princípios e regras passam a desfrutar do mesmo status de norma jurídica, sem embargo de serem distintos no conteúdo, na estrutura normativa e na aplicação. Regras são, normalmente, relatos objetivos, descritivos de determinadas condutas e aplicáveis a um conjunto delimitado de situações. Ocorrendo a hipótese prevista no seu relato, a regra deve incidir, pelo mecanismo tradicional dasubsunção: enquadram-se os fatos na previsão abstrata e produz-se uma conclusão. A aplicação de uma regra se opera na modalidade tudo ou nada: ou ela regula a matéria em sua inteireza ou é descumprida. Na hipótese do conflito entre duas regras, só uma será válida e irá prevalecer3.
Princípios, por sua vez, expressam valores a serem preservados ou fins públicos a serem realizados. Designam, portanto, “estados ideais"4, sem especificar a conduta a ser seguida. A atividade do intérprete aqui será mais complexa, pois a ele caberá definir a ação a tomar. E mais: em uma ordem democrática, princípios freqüentemente entram em tensão dialética, apontando direções diversas. Por essa razão, sua aplicação deverá se dar mediante ponderação: o intérprete irá aferir o peso de cada um, à vista das circunstâncias, fazendo concessões recíprocas. Sua aplicação, portanto, não será no esquema tudo ou nada, mas graduada à vista das circunstâncias representadas por outras normas ou por situações de fato5.
Com as mesmas características normativas dos princípios – na verdade, como uma concretização do princípio da dignidade da pessoa humana – colocam-se boa parte dos direitos fundamentais, cuja proteção foi alçada ao centro dos sistemas jurídicos contemporâneos. Princípios e direitos previstos na Constituição entram muitas vezes em linha de colisão, por abrigarem valores contrapostos e igualmente relevantes, como por exemplo: livre iniciativa e proteção do consumidor, direito de propriedade e função social da propriedade, segurança pública e liberdades individuais, direitos da personalidade e liberdade de expressão. O que caracteriza esse tipo de situação jurídica é a ausência de uma solução em tese para o conflito, fornecida abstratamente pelas normas aplicáveis.
Veja-se, então: na aplicação dos princípios, o intérprete irá determinar, in concreto, quais são as condutas aptas a realizá-los adequadamente. Nos casos de colisão de princípios ou de direitos fundamentais, caberá a ele fazer as valorações adequadas, de modo a preservar o máximo de cada um dos valores em conflito, realizando escolhas acerca de qual interesse deverá circunstancialmente prevalecer. Um intérprete que verifica a legitimidade de condutas alternativas, que faz valorações e escolhas, não desempenha apenas uma função de conhecimento. Com maior ou menor intensidade, de acordo com o caso, ele exerce sua discricionariedade. Para que não sejam arbitrárias, suas decisões, mais do que nunca, deverão ser racional e argumentativamente fundamentadas.
A moderna interpretação constitucional diferencia-se da tradicional em razão de alguns fatores: a norma, como relato puramente abstrato, já não desfruta de primazia; o problema, a questão tópica a ser resolvida passa a fornecer elementos para sua solução; o papel do intérprete deixa de ser de pura aplicação da norma preexistente e passa a incluir uma parcela de criação do Direito do caso concreto. E, como técnica de raciocínio e de decisão, a ponderação passa a conviver com a subsunção. Para que se legitimem suas escolhas, o intérprete terá de servir-se dos elementos da teoria da argumentação, para convencer os destinatários do seu trabalho de que produziu a solução constitucionalmente adequada para a questão que lhe foi submetida. Por sua relevância para o estudo, os tópicos seguintes ocupam-se de forma específica dos fenômenos da colisão dos direitos fundamentais e da ponderação como técnica de decisão jurídica.
1. O fenômeno da colisão de direitos fundamentais6
Os critérios tradicionais de solução de conflitos normativos – hierárquico, temporal e especialização (v. supra, nota 3) – não são aptos, como regra geral, para a solução de colisões entre normas constitucionais, especialmente as que veiculam direitos fundamentais. Tais colisões, todavia, surgem inexoravelmente no direito constitucional contemporâneo, por razões numerosas. Duas delas são destacadas a seguir: (i) a complexidade e o pluralismo das sociedades modernas levam ao abrigo da Constituição valores e interesses diversos, que eventualmente entram em choque; e (ii) sendo os direitos fundamentais expressos, freqüentemente, sob a forma de princípios, sujeitam-se, como já exposto (v. supra), à concorrência com outros princípios e à aplicabilidade no limite do possível, à vista de circunstâncias fáticas e jurídicas.
Como é sabido, por força do princípio da unidade da Constituição inexiste hierarquia jurídica entre normas constitucionais. É certo que alguns autores têm admitido a existência de uma hierarquia axiológica, pela qual determinadas normas influenciariam o sentido e alcance de outras, independentemente de uma superioridade formal. Aqui, todavia, esta questão não se põe. É que os direitos fundamentais entre si não apenas têm o mesmo status jurídico como também ocupam o mesmo patamar axiológico7. No caso brasileiro, desfrutam todos da condição de cláusulas pétreas (CF, art. 60, § 4°, IV).
A circunstância que se acaba de destacar produz algumas conseqüências relevantes no equacionamento das colisões de direitos fundamentais. A primeira delas é intuitiva: se não há entre eles hierarquia de qualquer sorte, não é possível estabelecer uma regra abstrata e permanente de preferência de um sobre o outro. A solução de episódios de conflito deverá ser apurada diante do caso concreto. Em função das particularidades do caso é que se poderão submeter os direitos envolvidos a um processo de ponderação pelo qual, por meio de compressões recíprocas, seja possível chegar a uma solução adequada.
A segunda implicação relevante do reconhecimento de identidade hierárquica entre os direitos fundamentais diz respeito à atuação do Poder Legislativo diante das colisões de direitos dessa natureza. Nem sempre é singela a demarcação do espaço legítimo de atuação da lei na matéria, sem confrontar-se com a Constituição. No particular, há algumas situações diversas a considerar. Há casos em que a Constituição autoriza expressamente a restrição de um direito fundamental8. Aliás, mesmo nas hipóteses em que não há referência direta, a doutrina majoritária admite a atuação do legislador, com base na idéia de que existem limites imanentes aos direitos fundamentais9. Pois bem: em uma ou outra hipótese, ao disciplinar o exercício de determinado direito, a lei poderá estar evitando colisões.
Situação diversa se coloca, porém, quando o legislador procura arbitrar diretamente colisões entre direitos. Como se afirmou acima, uma regra que estabeleça uma preferência abstrata de um direito fundamental sobre outro não será válida por desrespeitar o direito preterido de forma permanente e violar a unidade da Constituição. O legislador, portanto, deverá limitar-se a estabelecer parâmetros gerais, diretrizes a serem consideradas pelo intérprete, sem privá-lo, todavia, do sopesamento dos elementos do caso concreto e do juízo de eqüidade que lhe cabe fazer. Mesmo nas hipóteses em que se admita como legítimo que o legislador formule uma solução específica para o conflito potencial de direitos fundamentais, sua validade em tese não afasta a possibilidade de que se venha a reconhecer sua inadequação em concreto.
Um exemplo, respaldado em diversos precedentes judiciais, ilustrará o argumento. Como é de conhecimento geral, existem inúmeras leis que disciplinam ou restringem a concessão de tutela antecipada ou de medidas cautelares em processos judiciais. A postulação de uma dessas providências, initio litis, desencadeia uma colisão de direitos fundamentais, assim identificada: de um lado, o direito ao devido processo legal – do qual decorreria que somente após o procedimento adequado, com instrução e contraditório, seria possível que uma decisão judicial produzisse efeitos sobre a parte; e, de outro, o direito de acesso ao Judiciário, no qual está implícita a prestação jurisdicional eficaz: deve-se impedir que uma ameaça a direito se converta em uma lesão efetiva. Pois bem: a legislação não apenas estabelece requisitos específicos para esse tipo de tutela (fumus boni iuris e periculum in mora), como impõe, em muitos casos, restrições à sua concessão, em razão do objeto do pedido ou do sujeito em face de quem se faz o requerimento.
Nada obstante, o entendimento que prevalece é o de que a lei não pode impor solução rígida e abstrata para esta colisão, assim como para quaisquer outras. E ainda quando a solução proposta encontre respaldo constitucional e seja em tese válida, isso não impedirá o julgador, diante do caso concreto, de se afastar da fórmula legal se ela produzir uma situação indesejada pela Constituição. Há um interessante julgado do Supremo Tribunal Federal sobre o tema10. Em ação direta de inconstitucionalidade, pleiteava-se a declaração de inconstitucionalidade da Medida Provisória nº 173/90, por afronta ao princípio do acesso à justiça e/ou da inafastabilidade do controle judicial. É que ela vedava a concessão de liminar em mandados de segurança e em ações ordinárias e cautelares decorrentes de um conjunto de dez outras medidas provisórias, bem como proibia a execução das sentenças proferidas em tais ações antes de seu trânsito em julgado.
No julgamento da ação direta de inconstitucionalidade, o Supremo Tribunal Federal julgou improcedente o pedido. Vale dizer: considerou constitucional em tese a vedação. Nada obstante, o acórdão fez a ressalva de que tal pronunciamento não impedia o juiz do caso concreto de conceder a liminar, se em relação à situação que lhe competisse julgar não fosse razoável a aplicação da norma proibitiva11. O raciocínio subjacente é o de que uma norma pode ser constitucional em tese e inconstitucional em concreto, à vista das circunstâncias de fato sobre as quais deverá incidir.
Antes de prosseguir, cabe resumir o que foi exposto neste tópico. A colisão de direitos fundamentais é um fenômeno contemporâneo e, salvo indicação expressa da própria Constituição, não é possível arbitrar esse conflito de forma abstrata, permanente e inteiramente dissociada das características do caso concreto. O legislador não está impedido de tentar proceder a esse arbitramento, mas suas decisões estarão sujeitas a um duplo controle de constitucionalidade: o que se processa em tese, tendo em conta apenas os enunciados normativos envolvidos, e, em seguida, a um outro, desenvolvido diante do caso concreto e do resultado que a incidência da norma produz na hipótese. De toda sorte, a ponderação será a técnica empregada pelo aplicador tanto na ausência de parâmetros legislativos de solução como diante deles, para a verificação de sua adequação ao caso. O tópico seguinte, portanto, dedica algumas notas ao tema da ponderação.
2. A técnica da ponderação12
Parte II
A liberdade de informação e expressão e os direitos da personalidade: ponderação de bens e valores constitucionais
III. A questão sob a ótica constitucional
1. Direitos constitucionais da personalidade
O reconhecimento dos direitos da personalidade como direitos autônomos21, de que todo indivíduo é titular22, generalizou-se após a Segunda Guerra Mundial e a doutrina descreve-os hoje como emanações da própria dignidade humana, funcionando como “atributos inerentes e indispensáveis ao ser humano."23 Duas características dos direitos da personalidade merecem registro. A primeira delas é que tais direitos, atribuídos a todo ser humano24 e reconhecidos pelos textos constitucionais modernos em geral, são oponíveis a toda a coletividade e também ao Estado25. A segunda característica peculiar dos direitos da personalidade consiste em que nem sempre sua violação produz um prejuízo que tenha repercussões econômicas ou patrimoniais26, o que ensejará formas variadas de reparação, como o “direito de resposta”, a divulgação de desmentidos de caráter geral e/ou a indenização pelo dano não-patrimonial (ou moral, como se convencionou denominar).
Uma classificação que se tornou corrente na doutrina é a que separa os direitos da personalidade em dois grupos: (i) direitos à integridade física, englobando o direito à vida, o direito ao próprio corpo e o direito ao cadáver; e (ii) direitos à integridade moral, rubrica na qual se inserem os direitos à honra, à liberdade, à vida privada, à intimidade, à imagem, ao nome e o direito moral do autor, dentre outros. Neste estudo, interessam mais diretamente alguns direitos do segundo grupo, em especial os direitos à vida privada, à intimidade, à honra e à imagem. A Constituição de 1988 abrigou essas idéias, proclamando a centralidade da dignidade da pessoa humana e dedicando dispositivos expressos à tutela da personalidade, dentre os quais é possível destacar os seguintes:
“Art. 5º (...)
V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;
(...)
X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;”
De forma simples, os direitos à intimidade e à vida privada protegem as pessoas na sua individualidade e resguardam o direito de estar só27. A intimidade e a vida privada são esferas diversas28compreendidas em um conceito mais amplo: o de direito de privacidade. Dele decorre o reconhecimento da existência, na vida das pessoas, de espaços que devem ser preservados da curiosidade alheia, por envolverem o modo de ser de cada um, as suas particularidades. Aí estão incluídos os fatos ordinários, ocorridos geralmente no âmbito do domicílio ou em locais reservados, como hábitos, atitudes, comentários, escolhas pessoais, vida familiar, relações afetivas. Como regra geral, não haverá interesse público em ter acesso a esse tipo de informação.
Ainda no campo do direito de privacidade, a doutrina e a jurisprudência costumam identificar um elemento decisivo na determinação da intensidade de sua proteção: o grau de exposição pública da pessoa, em razão de seu cargo ou atividade, ou até mesmo de alguma circunstância eventual. A privacidade de indivíduos de vida pública – políticos, atletas, artistas – sujeita-se a parâmetro de aferição menos rígido do que os de vida estritamente privada. Isso decorre, naturalmente, da necessidade de auto-exposição, de promoção pessoal ou do interesse público na transparência de determinadas condutas. Por vezes, a notoriedade advém de uma fatalidade ou de uma circunstância negativa, como estar envolvido em um acidente ou ter cometido um crime. Remarque-se bem: o direito de privacidade existe em relação a todas as pessoas e deve ser protegido. Mas o âmbito do que se deve interditar à curiosidade do público é menor no caso das pessoas públicas29.
Também se entende que não há ofensa à privacidade – isto é, quer à intimidade, quer à vida privada – se o fato divulgado, sobretudo por meios de comunicação de massa, já ingressou no domínio público, pode ser conhecido por outra forma regular de obtenção de informação ou se a divulgação limita-se a reproduzir informação antes difundida30. Nesse caso, não se cogita de lesão à privacidade nem tampouco ao direito de imagem (v. supra). Confira-se, nesse sentido, a seguinte ementa de acórdão, relatado pelo Desembargador José Carlos Barbosa Moreira, no qual se discutia se peça teatral que retratava a vida de determinados personagens históricos (Olga Benário e Luiz Carlos Prestes) violava sua intimidade:
“Verificada a inexistência de ofensa à honra, tampouco se reconhece violação da privacidade, uma vez que os fatos mostrados são do conhecimento geral, ou pelo menos acessíveis a todos os interessados, por outros meios não excepcionais, como a leitura de livro para cuja redação ministrara informações o próprio titular do direito que se alega lesado."31
A honra é igualmente um direito da personalidade previsto constitucionalmente. Por ele se procura proteger a dignidade pessoal do indivíduo, sua reputação diante de si próprio e do meio social no qual está inserido32. De forma geral, a legislação, a doutrina e a jurisprudência estabelecem que o direito à honra é limitado pela circunstância de ser verdadeiro o fato imputado ao indivíduo33; nessa hipótese, não se poderia opor a honra pessoal à verdade. Excepcionalmente, porém, a doutrina admite (e a legislação de alguns países autoriza34) que se impeça a divulgação de fatos verdadeiros mas detratores da honra individual: é o que se denomina de “segredo da desonra"35. Os fatos que comportam essa exceção envolvem, de forma geral, circunstâncias de caráter puramente privado, sem repercussão sobre o meio social, de tal modo que de forma muito evidente não exista qualquer interesse público na sua divulgação36.
Para os fins relevantes ao presente estudo, é importante registrar que o conflito potencial entre a proteção à honra dos acusados e a divulgação de fatos criminosos ou de procedimentos criminais (no momento de sua apuração ou posteriormente) tem sido examinado com freqüência pela doutrina e jurisprudência. E, a propósito, existe amplo consenso no sentido de que há interesse público na divulgação de tais fatos, sendo inoponível a ela o direito do acusado à honra37. Vejam-se alguns dos elementos que conduzem a essa conclusão: (i) a circunstância de os fatos criminosos divulgados serem verdadeiros e a informação acerca deles haver sido obtida licitamente (mesmo porque o processo é um procedimento público) afasta por si só a alegação de ofensa à honra; (ii) não se aplica a exceção do “segredo da desonra” porque fatos criminosos, por sua própria natureza, repercutem sobre terceiros (na verdade, sobre toda a sociedade), e tanto não dizem respeito exclusivamente à esfera íntima da pessoa que são considerados criminosos; (iii) ademais, há o interesse público específico na prevenção geral própria do Direito Penal, isto é, a divulgação de que a lei penal está sendo aplicada tem a função de servir de desestímulo aos potenciais infratores38.
É oportuno, neste passo, fazer um breve registro sobre o famoso e controvertido caso Lebach, julgado em 1973 pelo Tribunal Constitucional Federal alemão. Em linhas gerais, tratava-se de decidir se um canal de televisão poderia exibir documentário sobre um homicídio que havia abalado a opinião pública alemã alguns anos antes, conhecido como “o assassinato de soldados de Lebach”. A questão foi suscitada por um dos condenados, então em fase final de cumprimento de pena, sob o fundamento de que a veiculação do programa atingiria a sua honra e, sobretudo, configuraria sério obstáculo ao seu processo de ressocialização. A primeira instância e o tribunal revisor negaram o pedido de liminar formulado pelo autor, que pretendia obstar a exibição. O fundamento adotado foi o de que o envolvimento no fato delituoso o tornara um personagem da história alemã recente, o que conferia à divulgação do episódio interesse público inegável, prevalente inclusive sobre a legítima pretensão de ressocialização.
Diante disso, o autor interpôs recurso constitucional (Verfassungsbeschwerde) perante o Tribunal Constitucional, alegando, em síntese, violação ao princípio da dignidade da pessoa humana, que abrigaria em seu conteúdo o direito à reinserção social. Após proceder à oitiva de representantes do canal de televisão interessado, da comunidade editorial alemã, de especialistas nos diversos ramos do conhecimento pertinentes, do Governo Federal e do Estado da Federação onde o condenado haveria de se reintegrar, o Tribunal reformou o entendimento dos juízos anteriores, concedendo a liminar para impedir a veiculação do programa, caso houvesse menção expressa ao interessado.
A decisão é controvertida na própria Alemanha e dificilmente seria compatível, em tese, com as opções veiculadas pelo poder constituinte originário de 1988. Também do ponto de vista dos traços do caso concreto, que acabaram por determinar a decisão do Tribunal Constitucional, o caso Lebach não serve de paradigma para este tipo de conflito, dadas as grandes especificidades que o cercaram, sobretudo a coincidência temporal entre a iniciativa de exibição do documentário e a soltura de um dos apenados. De parte isto, o temor ao precedente da interdição prévia à veiculação de fatos ou programas não assombra o imaginário político alemão com a intensidade que ocorre no Brasil.
O direito à imagem protege a representação física do corpo humano ou de qualquer de suas partes, ou ainda de traços característicos da pessoa pelos quais ela possa ser reconhecida39. A reprodução da imagem depende, em regra, de autorização do titular. Nesse sentido, a imagem é objeto de um direito autônomo, embora sua violação venha associada, com freqüência, à de outros direitos da personalidade, sobretudo a honra. Note-se, porém, que a circunstância de já ser público o fato divulgado juntamente com a imagem afasta a alegação de ofensa à honra ou à intimidade, mas não interfere com o direito de imagem, que será violado a cada vez que ocorrerem novas divulgações da mesma reprodução40. A doutrina e a jurisprudência, tanto no Brasil como no exterior, registram alguns limites ao direito de imagem41. Atos judiciais, inclusive julgamentos, são públicos via de regra (art. 93, IX da Constituição Federal42), o que afasta a alegação de lesão à imagem captada nessas circunstâncias. Igualmente, a difusão de conhecimento histórico, científico e da informação jornalística constituem limites a esse direito43.
Com as notas acima procurou-se delinear os traços gerais dos direitos da personalidade mais relevantes para a hipótese de conflito em exame. A seguir, será feito um estudo semelhante acerca das liberdades de expressão e de informação, bem como da chamada liberdade de imprensa.
2. Liberdades constitucionais de informação e de expressão e a liberdade de imprensa.
A doutrina brasileira distingue as liberdades de informação e de expressão44, registrando que a primeira diz respeito ao direito individual de comunicar livremente fatos45 e ao direito difuso de ser deles informado; a liberdade de expressão, por seu turno, destina-se a tutelar o direito de externar idéias, opiniões, juízos de valor, em suma, qualquer manifestação do pensamento humano. Sem embargo, é de reconhecimento geral que a comunicação de fatos nunca é uma atividade completamente neutra: até mesmo na seleção dos fatos a serem divulgados há uma interferência do componente pessoal46. Da mesma forma, a expressão artística muitas vezes tem por base acontecimentos reais. Talvez por isso o direito norte-americano47, o Convênio Europeu de Direitos Humanos (art. 10.1) e a Declaração Universal dos Direitos do Homem (art. 1948) tratem as duas liberdades de forma conjunta.
É fora de dúvida que a liberdade de informação se insere na liberdade de expressão em sentido amplo49, mas a distinção parece útil por conta de um inegável interesse prático, relacionado com os diferentes requisitos exigíveis de cada uma das modalidades e suas possíveis limitações. A informação não pode prescindir da verdade – ainda que uma verdade subjetiva e apenas possível (o ponto será desenvolvido adiante) – pela circunstância de que é isso que as pessoas legitimamente supõem estar conhecendo ao buscá-la. Decerto, não se cogita desse requisito quando se cuida de manifestações da liberdade de expressão50. De qualquer forma, a distinção deve pautar-se por um critério de prevalência: haverá exercício do direito de informação quando a finalidade da manifestação for a comunicação de fatos noticiáveis, cuja caracterização vai repousar sobretudo no critério da sua veracidade51.
Além das expressões liberdade de informação e de expressão, há ainda uma terceira locução que se tornou tradicional no estudo do tema e que igualmente tem assento constitucional: a liberdade de imprensa. A expressão designa a liberdade reconhecida (na verdade, conquistada ao longo do tempo) aos meios de comunicação em geral (não apenas impressos, como o termo poderia sugerir) de comunicarem fatos e idéias, envolvendo, desse modo, tanto a liberdade de informação como a de expressão.
Se de um lado, portanto, as liberdades de informação e expressão manifestam um caráter individual, e nesse sentido funcionam como meios para o desenvolvimento da personalidade, essas mesmas liberdades atendem ao inegável interesse público da livre circulação de idéias, corolário e base de funcionamento do regime democrático, tendo portanto uma dimensão eminentemente coletiva52, sobretudo quando se esteja diante de um meio de comunicação social ou de massa. A divulgação de fatos relacionados com a atuação do Poder Público ganha ainda importância especial em um regime republicano, no qual os agentes públicos praticam atos em nome do povo e a ele devem satisfações. A publicidade dos atos dos agentes públicos, que atuam por delegação do povo, é a única forma de controlá-los.
Na verdade, tanto em sua manifestação individual, como especialmente na coletiva, entende-se que as liberdades de informação e de expressão servem de fundamento para o exercício de outras liberdades53, o que justifica uma posição de preferência – preferred position – em relação aos direitos fundamentais individualmente considerados. Tal posição, consagrada originariamente pela Suprema Corte americana, tem sido reconhecida pela jurisprudência do Tribunal Constitucional espanhol54 e pela do Tribunal Constitucional Federal alemão55. Dela deve resultar a absoluta excepcionalidade da proibição prévia de publicações, reservando-se essa medida aos raros casos em que não seja possível a composição posterior do dano que eventualmente seja causado aos direitos da personalidade56. A opção pela composição posterior tem a inegável vantagem de não sacrificar totalmente nenhum dos valores envolvidos, realizando a idéia de ponderação57.
A Constituição de 1988 traz diversas normas sobre o tema das liberdades de informação, de expressão e de imprensa. Sobre as duas primeiras, de forma geral, podem ser destacados os seguintes dispositivos:
“Art. 5º. (...)
IV – é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;
(...)
V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral, ou à imagem;
(...)
IX – é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica ou de comunicação, independentemente de censura ou licença;
(...)
XIV – é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional;”
Para tratar dos meios de comunicação social e da liberdade de imprensa, a Constituição empregou artigo próprio, que confere àqueles tratamento privilegiado, nos seguintes termos:
“Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.
§ 1º Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV.
§ 2º É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística."58
Como se observa das transcrições, a chamada liberdade de imprensa (na verdade, dos meios de comunicação) recebeu um tratamento específico no art. 220. Há quem sustente, aliás, que o § 1º do artigo, ao afirmar que “Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço...”, restringe a ponderação ao julgamento dos casos concretos, afastando a possibilidade de o legislador a realizar em abstrato59. Segundo seus defensores, a tese não importaria a negação da existência de limites imanentes60, mas tão-somente afirmaria que a parte inicial do parágrafo proíbe a restrição legislativa, delegando essa tarefa integralmente ao órgão judiciário encarregado da apreciação dos conflitos concretos individualizados. Ao exercer essa função, o órgão jurisdicional estaria – ele sim – adstrito às hipóteses de limitação enumeradas na parte final do dispositivo (incisos IV, V, X, XIII e XIV do art. 5º da própria Constituição)61.
Independentemente da tese que se acaba de registrar, é evidente que tanto a liberdade de informação, como a de expressão, e bem assim a liberdade de imprensa, não são direitos absolutos, encontrando limites na própria Constituição. É possível lembrar dos próprios direitos da personalidade já referidos, como a honra, a intimidade, a vida privada e a imagem (arts. 5º, X e 220, § 1º), a segurança da sociedade e do Estado (art. 5º, XIII), a proteção da infância e da adolescência (art. 21, XVI62); no caso específico de rádio, televisão e outros meios eletrônicos de comunicação social, o art. 221 traz uma lista de princípios que devem orientar sua programação.
Além desses limites explícitos na Constituição, há outros que podem ser, com facilidade, considerados imanentes. Em relação à liberdade de informação, já se destacou que a divulgação de fatos reais, ainda quando desagradáveis ou mesmo penosos para determinado(s) indivíduo(s)63, é o que a caracteriza. Da circunstância de destinar-se a dar ciência da realidade, decorre a exigência da verdade – um requisito interno, mais do que um limite64 –, já que só se estará diante de informação, digna de proteção nesses termos, quando ele estiver presente65. Lembre-se, porém, que a verdade aqui não corresponde, nem poderia corresponder, a um conceito absoluto.
De fato, no mundo atual, no qual se exige que a informação circule cada vez mais rapidamente, seria impossível pretender que apenas verdades incontestáveis fossem divulgadas pela mídia66. Em muitos casos, isso seria o mesmo que inviabilizar a liberdade de informação, sobretudo de informação jornalística, marcada por juízos de verossimilhança e probabilidade. Assim, o requisito da verdade deve ser compreendido do ponto de vista subjetivo, equiparando-se à diligência do informado67, a quem incumbe apurar de forma séria os fatos que pretende tornar públicos68.
Fala-se ainda de um limite genérico às liberdades de informação e de expressão que consistiria no interesse público69. É preciso, no entanto, certo cuidado com essa espécie de cláusula genérica que, historicamente, tem sido empregada, com grande dissimulação, para a prática de variadas formas de arbítrio no cerceamento das liberdades individuais, na imposição de censura e de discursos oficiais de matizes variados. Mesmo porque, vale lembrar que o pleno exercício das liberdades de informação e de expressão constitui um interesse público em si mesmo, a despeito dos eventuais conteúdos que veiculem. O tema vale uma nota específica.
Quando se faz referência à necessidade de se atender ao requisito do interesse público no exercício da liberdade de informação e de expressão, na verdade se está cuidando do conteúdo veiculado pelo agente. Isto é: procura-se fazer um juízo de valor sobre o interesse na divulgação de determinada informação ou de determinada opinião. Ocorre, porém, que há um interesse público da maior relevância no próprio instrumento em si, isto é, na própria liberdade, independentemente de qualquer conteúdo. Não custa lembrar que é sobre essa liberdade que repousa o conhecimento dos cidadãos acerca do que ocorre à sua volta70; é sobre essa liberdade, ao menos em Estados plurais, que se deve construir a confiança nas instituições e na democracia. O Estado que censura o programa televisivo de má qualidade pode, com o mesmo instrumental, censurar matérias jornalísticas “inconvenientes"71, sem que o público exerça qualquer controle sobre o filtro que lhe é imposto.
A conclusão a que se chega, portanto, é a de que o interesse público na divulgação de informações – reiterando-se a ressalva sobre o conceito já pressupor a satisfação do requisito da verdade subjetiva – é presumido. A superação dessa presunção, por algum outro interesse, público ou privado, somente poderá ocorrer, legitimamente, nas situações-limite, excepcionalíssimas, de quase ruptura do sistema. Como regra geral, não se admitirá a limitação de liberdade de expressão e de informação, tendo-se em conta a já mencionada preferred position de que essas garantias gozam.
Um último aspecto do conflito potencial entre as liberdades de informação e de expressão e seus limites envolve não as normas em oposição, mas as modalidades disponíveis de restrição, mais ou menos intensas, de tais liberdades. Como referido inicialmente, a ponderação deverá decidir não apenas qual bem constitucional deve preponderar no caso concreto, mas também em que medida ou intensidade ele deve preponderar. A restrição mais radical, sempre excepcional e não prevista explicitamente pelo constituinte em nenhum ponto do texto de 1988, é a proibição prévia da publicação ou divulgação do fato ou da opinião. Essa é uma modalidade de restrição que elimina a liberdade de informação e/ou de expressão. Em seguida, a própria Constituição admite a existência de crimes de opinião (art. 53, a contrario sensu), bem como a responsabilização civil por danos materiais ou morais (art. 5º, V e X), ou seja: o exercício abusivo das liberdades de informação e de expressão poderá ocasionar a responsabilização civil ou mesmo criminal. Por fim, a Constituição previu ainda o direito de resposta (art. 5º, V) como mecanismo de sanção.
3. Parâmetros constitucionais para a ponderação na hipótese de colisão
A partir das notas teóricas estabelecidas no tópico anterior, é possível desenvolver um conjunto de parâmetros que se destinam a mapear o caminho a ser percorrido pelo intérprete, diante do caso concreto. São elementos que devem ser considerados na ponderação entre a liberdade de expressão e informação (especialmente esta última, pois é a que mais diretamente interessa ao estudo), de um lado, e os direitos à honra, à intimidade, à vida privada e à imagem, de outro. Os parâmetros apurados até aqui seguem enunciados abaixo.
IV. a questão sob a ótica infraconstitucional. parâmetros criados pelo legislador para a ponderação na hipótese de colisão
Encerrado o exame da questão sob a ótica constitucional, cabe agora verificar se há normas infraconstitucionais que postulam aplicação ao caso. A resposta é afirmativa. Como se sabe, e a grande quantidade de obras publicadas sobre o assunto dá conta76, a colisão ou a aparente colisão entre as liberdades de informação e de expressão e os direitos à honra, à intimidade e à imagem são relativamente freqüentes, a maior parte das vezes envolvendo os meios de comunicação. Não é de surpreender, portanto, que o legislador fosse atraído pela idéia de criar soluções gerais para o tema. Relembre-se, no entanto, como já assinalado, que uma lei que pretenda arbitrar uma colisão de direitos fundamentais de forma rígida e abstrata enfrentará dois óbices principais e interligados – a unidade da Constituição e a ausência de hierarquia entre os direitos –, que levam à mesma conseqüência: a ausência de fundamento de validade para a preferência atribuída a um direito em detrimento de outro em caráter geral e permanente.
Em particular, no que diz respeito à liberdade de informação reconhecida aos meios de comunicação, o espaço reservado ao legislador sofre ainda a restrição categórica do § 1º do art. 220 de que“Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística (...) observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV”. Como consignado anteriormente, há quem defenda a tese de que a disposição transcrita simplesmente proíbe a atuação do legislador na matéria (v. supra). Mesmo que assim não se entenda, é certo, no entanto, que os limites impostos à lei no que diz respeito à disciplina da colisão de direitos fundamentais em geral aplica-se à colisão dos direitos em questão.
Pois bem. Duas normas existentes hoje no ordenamento procuram arbitrar a colisão entre as liberdades de informação e expressão e os direitos à honra, à intimidade e à imagem: o art. 21 da Lei de Imprensa (Lei nº 5.250, de 09.02.67) e o art. 20 do novo Código Civil. Cabe agora examinar seu sentido e alcance, bem como sua compatibilidade com o exposto sobre os parâmetros constitucionais que devem orientar a solução dessa espécie de colisão.
1. Interpretação constitucionalmente adequada do art. 21, § 2º da Lei de Imprensa (Lei nº 5.250/1967)
A Lei nº 5.250/1967, conhecida como Lei de Imprensa, dedica uma seção inteira (arts. 12 a 28) ao tratamento “Dos Abusos no Exercício da Liberdade de Manifestação do Pensamento e Informação”. Não é preciso tecer maiores comentários sobre as circunstâncias históricas em que a norma foi editada – em plena ditadura militar –, mesmo porque a própria leitura do texto já revela sua inspiração. Apenas como exemplo, vale registrar que seu art. 16 considera crime, sujeito a detenção por até 6 meses, publicar “fatos verdadeiros truncados ou deturpados, que provoquem: I - perturbação da ordem pública ou alarma social; II - desconfiança no sistema bancário ou abalo de crédito de instituição financeira ou de qualquer empresa, pessoa física ou jurídica; III - prejuízo ao crédito da União, do Estado, do Distrito Federal ou do Município; IV - sensível perturbação na cotação das mercadorias e dos títulos imobiliários no mercado financeiro”. O art. 17, por sua vez, considera abusiva a manifestação de pensamento e de informação que ofenda a moral pública e os bons costumes, sujeitando o infrator a pena de detenção de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa de 1 (um) a 20 (vinte) salários-mínimos da região.
Pois bem. No rol de condutas abusivas foi incluído o art. 21, que tem a seguinte redação:
“Art. 21 - Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação:
Pena: Detenção de 3 (três) a 18 (dezoito) meses, e multa de 2 (dois) a 10 (dez) salários-mínimos da região.
§ 1º À exceção da verdade somente se admite:
a) se o crime é cometido contra funcionário público, em razão das funções ou contra órgão ou entidade que exerça funções de autoridade pública;
b) se o ofendido permite a prova.
§ 2º Constitui crime de difamação a publicação ou transmissão, salvo se motivada por interesse público, de fato delituoso, se o ofendido já tiver cumprido pena a que tenha sido condenado em virtude dele.”
O exame da norma transcrita suscita dois problemas de ordem constitucional, um geral, relacionado com o caput, e um específico, envolvendo o § 2º. De acordo com o caput do artigo transcrito,constituiria crime de difamação (salvo nos casos em que se admite a exceção da verdade) imputar fato verdadeiro a alguém, caso tal fato seja ofensivo à reputação do indivíduo. Alguns exemplos ajudam na compreensão da dificuldade que a aplicação do dispositivo acarreta: jornalista que denunciasse fatos verdadeiros, obtidos licitamente, mas ofensivos, e.g., à reputação de candidatos a algum cargo público, cometeria crime de difamação77; o mesmo ocorrendo com a divulgação por um repórter de práticas antiéticas de empresários ou desportistas.
A espécie de restrição contida no caput, como se vê, é de difícil compatibilização com um Estado plural e democrático – já que só admitiria a divulgação de fatos que promovessem a louvação dos indivíduos78 –, por interferirem com as liberdades de imprensa, de crítica em geral e de investigação jornalística, especialmente protegidas pela Constituição de 1988. Ainda quando se pudesse admitir a validade desse dispositivo, ele só poderia ser aplicado quando se detectasse apenas o dolo de difamar, estando totalmente ausente o interesse público. Certo é, todavia, que o interesse público sempre se presume na divulgação de um fato verdadeiro.
Esta é, igualmente, a questão em jogo com relação ao § 2º do mesmo artigo, ao pretender tipificar a publicação ou transmissão de fato delituoso, se o ofendido já tiver cumprido pena a que tenha sido condenado em virtude dele. Aqui, a excludente representada pelo interesse público vem expressamente consignada. A esse propósito, impõem-se duas observações. A primeira é a de que, conforme já sublinhado, a Constituição de 1988 consagra as liberdades de informação e de expressão (aqui especificamente de informação) como valiosas em si mesmas, independentemente do conteúdo que veiculem, por serem garantias essenciais para a manutenção do status de liberdade, da democracia e do pluralismo.
A segunda é a de que nessa hipótese – a do § 2º do art. 21 da Lei n° 5.250/67 –, a divulgação se refere a fatos verdadeiros, assim reconhecidos pelos órgãos judiciais competentes. E mais: o conhecimento sobre eles pode ser obtido por via lícita, já que as informações constam de registros públicos. Portanto, à vista de todos esses elementos – papel da liberdade de expressão, verdade dos fatos e licitude dos meios –, o interesse público na divulgação se presume. De modo que a cláusula excludente constante do dispositivo constitui a regra, sendo que a presunção de legitimidade da divulgação somente cederá em hipóteses muito excepcionais, devidamente comprovadas, aptas a afastar o interesse público. Leitura diversa levaria à não recepção do dispositivo pela ordem constitucional de 1988.
Em suma: tanto no caso do caput do art. 21 como no do seu § 2°, a presença do interesse público na divulgação de fatos noticiáveis excluirá o crime. Tal interesse é presumido, só podendo ser afastado mediante demonstração expressa de sua ausência e do dolo de difamar.
2. Interpretação constitucionalmente adequada do art. 20 do novo Código Civil.
O novo Código Civil abriu um capítulo especial para tratar dos direitos da personalidade (arts. 11 a 21) e, ao fazê-lo, procurou prescrever uma fórmula capaz de solucionar os possíveis conflitos entre esses direitos e as liberdades de informação e de expressão. Esta a origem do art. 20, que tem a seguinte dicção:
“Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais.”
A interpretação mais evidente do dispositivo produz a seguinte conclusão: pode ser proibida, a requerimento do interessado, a utilização da imagem de alguém ou a divulgação de fatos sobre a pessoa, em circunstâncias capazes de lhe atingir a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, inclusive para fins jornalísticos (já que a norma não distingue). As exceções ao preceito são: (i) a autorização da pessoa envolvida ou a circunstância de a exibição ser necessária para (ii) a administração da justiça ou (iii) a manutenção da ordem pública. Ou seja: pode ser proibido tudo o que não tenha sido autorizado e não seja necessário à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública. Na sua leitura mais óbvia, a norma não resiste a um sopro de bom direito. Impõem-se, assim, algumas observações.
Em primeiro lugar, o dispositivo transcrito emprega dois estranhos conceitos – administração da justiça e manutenção da ordem pública –, que não constam do texto constitucional e são amplamente imprecisos e difusos. Que espécie de informação ou imagem de uma pessoa poderia ser necessária à administração da justiça? Fatos relacionados a condutas ilícitas, na esfera cível e criminal, talvez. E quanto à manutenção da ordem pública? Trata-se de conceito ainda mais indefinido. A divulgação de fotos de criminosos procurados pela polícia poderia enquadrar-se nesse parâmetro, e talvez até mesmo na idéia de administração da justiça. De toda sorte, a fragilidade constitucional desses conceitos pode ser facilmente percebida mediante um exercício simples: o teste de sua incidência sobre diversas hipóteses é capaz de produzir resultados inteiramente incompatíveis com a Constituição.
Suponha-se que uma alta autoridade da República seja atingida por um ovo arremessado por um manifestante e reaja com um insulto preconceituoso. A divulgação do episódio certamente traz uma exposição negativa de sua imagem. O evento, por sua vez, nada tem a ver com a administração da justiça ou com a manutenção da ordem pública. Pergunta-se: é compatível com a Constituição impedir a divulgação desse fato? Parece evidente que não. Imagine-se, agora, que um jornalista apure que determinado governador de Estado era, até pouco antes da posse, sócio em uma empresa de fachada, acusada de lavagem de dinheiro. Tampouco aqui pareceria legítimo proibir a divulgação da notícia, independentemente de prévia autorização ou de qualquer repercussão sobre a administração da justiça ou a ordem pública. Considere-se um exemplo inverso. Um servidor público é suspeito da prática de ato de improbidade. A autoridade que conduz a investigação decide publicar uma foto do investigado na imprensa, solicitando a todos os que tenham alguma informação relevante para incriminá-lo que se dirijam a determinada repartição. A providência poderia até ser útil para a administração da justiça, mas tal conduta certamente não se afigura legítima à luz da Constituição.
Como se vê, os critérios empregados pelo Código Civil não encontram qualquer amparo constitucional e, na prática, acabam por corresponder à velha cláusula do interesse público, que já serviu a tantos regimes arbitrários. É interessante notar, aliás, que embora o novo Código conte pouco mais de um ano de existência, esse dispositivo foi concebido entre o fim da década de 60 e o início da década de 70, pois já constava do Anteprojeto de Código Civil de 197279. O ambiente no qual nasceu provavelmente explica a inadequação da filosofia a ele subjacente bem como dos conceitos utilizados.
Na verdade, ainda há pouquíssimo material doutrinário produzido sobre o referido art. 20, o que não impediu Luis Gustavo Grandinetti Castanho de Carvalho de condenar o dispositivo como inconstitucional, nos seguintes termos:
“O artigo 20 do novo Código Civil, que representa uma ponderação de interesses por parte do legislador, é desarrazoado, porque valora bens constitucionais de modo contrário aos valores subjacentes à Constituição. A opção do legislador, tomada de modo apriorístico e desconsiderando o bem constitucional da liberdade de informação, pode e deve ser afastada pela interpretação constitucional."80
De fato, as leituras mais evidentes do art. 20 do novo Código o levam a um confronto direto com a Constituição: as liberdades de expressão e de informação são por ele esvaziadas; consagra-se uma inválida precedência abstrata de outros direitos fundamentais sobre as liberdades em questão; e as supostas válvulas de escape para essa regra geral de preferência são cláusulas que não repercutem qualquer disposição constitucional. Nada obstante essa primeira visão, parece possível adotar uma interpretação conforme a Constituição81 do dispositivo, capaz de evitar a declaração formal de inconstitucionalidade de seu texto. Confira-se o argumento.
A interpretação que se entende possível extrair do art. 20 referido – já no limite de suas potencialidades semânticas, é bem de ver – pode ser descrita nos seguintes termos: o dispositivo veio tornar possível o mecanismo da proibição prévia de divulgações (até então sem qualquer previsão normativa explícita) que constitui, no entanto, providência inteiramente excepcional. Seu emprego só será admitido quando seja possível afastar, por motivo grave e insuperável, a presunção constitucional de interesse público que sempre acompanha a liberdade de informação e de expressão, especialmente quando atribuída aos meios de comunicação
Ou seja: ao contrário do que poderia parecer em uma primeira leitura, a divulgação de informações verdadeiras e obtidas licitamente sempre se presume necessária ao bom funcionamento da ordem pública e apenas em casos excepcionais, que caberá ao intérprete definir diante de fatos reais inquestionáveis, é que se poderá proibi-la. Essa parece ser a única forma de fazer o art. 20 do Código Civil conviver com o sistema constitucional; caso não se entenda o dispositivo dessa forma, não poderá ele subsistir validamente.
V. Solução da ponderação na hipótese em estudo
Antes de aplicar ao tipo de colisão objeto deste estudo o conjunto de argumentos doutrinários e normativos que se vem de expor, não se pode deixar de localizar a teoria jurídica no tempo, no espaço e na história, sem o que ela perderia boa parte de seu sentido. Como se sabe, a história da liberdade de expressão e de informação, no Brasil, é uma história acidentada. Convive com golpes, contra-golpes, sucessivas quebras da legalidade e pelo menos duas ditaduras de longa duração: a do Estado Novo, entre 1937 e 1945, e o Regime Militar, de 1964 a 1985. Desde o Império, a repressão à manifestação do pensamento elegeu alvos diversos, da religião às artes. As razões invocadas eram sempre de Estado: segurança nacional, ordem pública, bons costumes. Os motivos reais, como regra, apenas espelhavam um sentido autoritário e intolerante do poder.
Durante diferentes períodos, houve temas proibidos, ideologias banidas, pessoas malditas. No jornalismo impresso, o vazio das matérias censuradas era preenchido com receitas de bolo e poesias de Camões. Na televisão, programas eram proibidos ou mutilados. Censuravam-se músicas, peças, livros e novelas. O Ballet Bolshoi foi proibido de apresentar-se no Brasil, sob a alegação de constituir propaganda comunista. Um surto de meningite teve sua divulgação vedada por contrastar com a imagem que se queria divulgar do país.
Em fases diferentes da experiência brasileira, a vida foi vivida nas entrelinhas, nas sutilezas, na clandestinidade. A interdição compulsória da liberdade de expressão e de informação, por qualquer via, evoca episódios de memória triste e dificilmente pode ser vista com naturalidade ou indiferença. É claro que uma ordem judicial, precedida de devido processo legal, não é uma situação equiparada à da presença de censores da Polícia Federal nas redações e nos estúdios. Mas há riscos análogos. E o passado é muito recente para não assombrar.
Feita a digressão, e retornando ao ponto, cabe examinar as duas situações descritas no início deste estudo, que envolvem a legitimidade ou não da exibição, independentemente de autorização dos eventuais envolvidos, de programas ou matérias jornalísticas nos quais: (i) seja citado o nome ou divulgada a imagem de pessoas relacionadas com o evento noticiado ou (ii) sejam relatados e encenados eventos criminais de grande repercussão ocorridos no passado.
Examine-se em primeiro lugar a segunda circunstância, mais específica quanto aos fatos, que diz respeito à divulgação de eventos e procedimentos criminais de grande repercussão ocorridos no passado. Ora, todos os parâmetros listados no tópico III.3. indicam a legitimidade constitucional da divulgação desses fatos.
om efeito, trata-se em primeiro lugar de fatos verdadeiros, não apenas do ponto de vista subjetivo como também, em alguns dos casos, com a objetividade decorrente de decisões judiciais transitadas em julgado. Ademais, o conhecimento dos fatos foi obtido por meio lícito, pois foram noticiados nos veículos de imprensa da época, assim como constam de registros policiais e judiciais. As pessoas envolvidas tornaram-se personalidades públicas, em razão da notoriedade que o seu envolvimento com os fatos lhes deu. Crimes são fatos noticiáveis por natureza, não podendo ser tratados como questões estritamente privadas. E, por fim, há evidente interesse público na sua divulgação, inclusive como fator inibidor de transgressões futuras.
Quanto aos fatos noticiáveis em geral, a mesma presunção milita com intensidade ainda maior. Aqui, não se trata apenas da liberdade de veicular novamente fatos passados, já conhecidos do público ou históricos, mas de informar propriamente, isto é, de levar ao conhecimento da população eventos contemporâneos ou em curso. Pretender que programas ou matérias jornalísticas apenas possam exibir imagens ou fazer referência a pessoas mediante prévia autorização dos interessados corresponde a inviabilizar de forma drástica a liberdade de informação ou de expressão. Afora a impossibilidade física de tal providência, bastaria ao indivíduo que está sendo alvo de críticas ou investigações negar a suposta autorização e assim tornar impossível ao jornalista exercer o seu ofício e ao meio de comunicação desempenhar o seu papel institucional.
A regra, portanto, em sede de divulgação jornalística, é a de que não há necessidade de se obter autorização prévia dos indivíduos envolvidos em algum fato noticiável (verdadeiro subjetivamente e tendo fonte lícita) e que venham a ter seus nomes e/ou imagens divulgados de alguma forma. Eventuais abusos – e.g. negligência na apuração ou malícia na divulgação – estarão sujeitos a sanções a posteriori, como já assinalado. Mas como regra, não será cabível qualquer tipo de reparação pela divulgação de fatos verdadeiros, cujo conhecimento acerca de sua ocorrência tenha sido obtido por meio lícito, presumindo-se, em nome da liberdade de expressão e de informação, o interesse público na livre circulação de notícias e idéias.
Conclusões
7. É legítima a exibição, independentemente de autorização dos eventuais envolvidos, de programas ou matérias jornalísticas nas quais: (i) sejam citados os nomes ou divulgada a imagem de pessoas relacionadas com o evento noticiado; ou (ii) sejam relatados e encenados eventos criminais de grande repercussão ocorridos no passado, e que tenham mobilizado a opinião pública. Presentes os elementos de ponderação aqui estudados, não se admitirá: (a) a proibição da divulgação, (b) a tipificação da veiculação da matéria ou do programa como difamação e (c) a pretensão de indenização por violação dos direitos da personalidade.