quarta-feira, 4 de janeiro de 2017

Por um processo de registro na Anvisa mais transparente

Foi publicada hoje a Lei nº 13.411/2016, cuja origem é o Projeto de Lei nº 727/2015, de autoria do então senador José Serra, que altera a Lei nº 6.360, de 23 de setembro de 1976, e a Lei nº 9.782, de 26 de janeiro de 1999. A primeira Lei versa sobre a vigilância sanitária de produtos, como medicamentos e a outra sobre a definição do Sistema Nacional de Vigilância Sanitária e a criação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa.
Em síntese, quanto aos produtos sujeitos à vigilância sanitária e registro na Anvisa, pretende-se dar mais transparência a esse processo, de maneira que sejam fixados marcos temporais de análise e disponibilizadas informações sobre seu status nos diversos setores, bem como previsão do prazo de decisão final e fundamentos técnicos de cada uma das manifestações ao longo de seu deslinde naquela entidade.

Está previsto também o enquadramento da análise como “prioritária” ou “ordinária” para servir de critério de estabelecimento de prazos máximos para decisão final, registro ou alteração de pós-registro. Em todo o caso, esse prazo é de 365 dias, a contar da data do protocolo, mas pode ser prorrogado – mediante justificativa antes de 15 dias do término final – pelo prazo de 1/3 do original.
Além de combater o custo da burocracia desses processos, que impede o acesso rápido e seguro aos produtos por parte da população e prejudica significantemente o respectivo mercado com implicações na economia, a Lei nº 13.411/2016 favorece o que é mais prezado pela Democracia do país: a garantia da transparência pública, sem necessidade de peticionamento. Há, de igual forma, expressa consequência disciplinar aos servidores envolvidos.
A nova lei também discrimina parâmetros do contrato de gestão entre o Ministério da Saúde e a Anvisa, com efeitos em mandatos de dirigentes na hipótese de seu descumprimento.
Curiosamente, a proposta é de um parlamentar que já foi ministro da Saúde e participou, durante a sua gestão, da criação da Anvisa, entidade responsável pelo registro dos produtos sujeitos à vigilância sanitária. 
Sobre o tema, o Supremo Tribunal Federal – STF, em recente decisão, julgou improcedente reclamação constitucional ajuizada pelo estado do Rio de Janeiro contra decisão do Tribunal de Justiça daquele mesmo estado – TJ/RJ¹, que anulou edital de seleção para implantação de parcerias na saúde pública².
A ação trata da celebração de contratos de gestão com organizações sociais nas Unidades de Terapia Intensiva – UTI e Semi-Intensiva – USI nos hospitais Albert Schweitzer, Carlos Chagas e Getúlio Vargas.
Na decisão do TJ/RJ, o edital foi considerado inconstitucional devido à transferência de serviços típicos de saúde para a inciativa privada, o que, conforme o seu entendimento, contrariava o art. 196 da Constituição Federal.
O referido edital respaldava-se na Lei Estadual nº 6.043, de 19 de setembro de 2011, que, a seu turno, possibilita a qualificação de entidades sem fins lucrativos, mediante contrato de gestão, para atividades, entre outras, relacionadas à saúde.
A decisão do TJ/RJ foi proferida por órgão fracionário, o que, para o estado do RJ violou súmula vinculante do STF³, a qual determina que o afastamento de lei ou ato por sua inconstitucionalidade somente pode ser declarado pelo Pleno da Corte Estadual.
Em que pese o STF não ter acolhido a tese da reclamação, da qual pessoalmente discordo, fato curioso que tem demandado corriqueiramente os tribunais é a preocupação da participação complementar nos serviços de saúde pela iniciativa privada. É a “judicialização da gestão em saúde pública”.
Há algum tempo, o Estado tem envidado esforços para discutir a medida da judicialização de demandas pessoais por serviços e produtos de saúde, pois, a despeito do significante comprometimento dos recursos públicos e das alegações de impossibilidade de provisão, na maior parte das vezes, deferem-se as demandas do cidadão que aciona a jurisdição, em homenagem à universalidade e integralidade do Sistema Único de Saúde – SUS.
Mais recentemente, tem surgido outro escopo de judicialização, dessa feita para intervir na gestão pública da saúde, em especial, em relação ao movimento crescente de participação complementar no SUS pela iniciativa privada. Ao que se apura, as entidades profissionais, principalmente a médica, têm se insurgido contra esse modelo. Resta identificar os reais motivos.
Se se referem à perda ou diminuição da capacidade e competência de atendimento ao público, em oposição ao interesse da sociedade, a justificativa é plausível e merece total acolhimento do Estado.
Mas, se por outro lado, tem uma bandeira corporativista, de interesse de sindicatos e dos respectivos profissionais, em detrimento da melhoria de gestão e de resultado, mesmo quando a Constituição Federal consagra a participação complementar, a referida “judicialização” deve ser encarada com cautelas.
É princípio basilar do Estado Democrático de Direito a independência das funções dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. No caso, se a partir de estudos e indicativos o Executivo entende que a saúde pode ser incrementada pela participação complementar no SUS, é temerário que os tribunais e o Ministério Público intervenham naqueles atos, quando notadamente no país se anseia por mudanças estruturais e o modelo atual não tem correspondido à população, e não é papel deles definir gestão pública.
Com efeito, como exemplo, cita-se que um dos maiores problemas nos serviços públicos de saúde dos diversos entes federativos é a alta taxa de inassiduidade de profissionais, a falta de cumprimento da jornada de trabalho e a excessiva apresentação de atestados médicos, o que, para a atividade, é de sensível importância como resposta à sociedade para um bem que não pode esperar muito: sua saúde, como no caso de UTIs.   

NOTAS

[1] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RCL nº 15.733. Relatora: ministra Rosa Weber. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em: 29 dez. 2016.
[2] RIO DE JANEIRO. Secretaria de Estado de Saúde. Edital de Seleção nº 04/2012. Disponível em: <http://www.prosaude.org.br/static/1447698047.pdf>. Acesso em: 29 dez. 2016.
[3] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula Vinculante nº 10. “Viola a cláusula de reserva de plenário (CF, artigo 97) a decisão de órgão fracionário de tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público, afasta sua incidência, no todo ou em parte”.

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