segunda-feira, 9 de janeiro de 2017

Prazo prescricional e decadência para revisão de benefícios previdenciários

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RESUMO

O texto analisa o artigo 103 da Lei 8.213/91, que sofreu várias alterações ao longo do tempo.
Este dispositivo prevê o prazo de prescrição de 5 anos para revisão de benefícios previdenciários, a contar da data em que seria paga a primeira prestação.
No estudo são confrontadas as diversas redações dadas ao artigo com os mecanismos de aplicação da lei no tempo, bem como ao atendimento da segurança jurídica.
De fato, as sucessivas alterações do prazo quebram a confiabilidade no sistema jurídico vigente, tornando incerta a conduta a ser seguida pelos sujeitos de direito, pela falta de previsibilidade.
Assim, em atenção à segurança jurídica, caberia ao legislador criar regras transitórias regulando a situação daqueles que tiveram o regime jurídico modificado pela alteração legislativa.
Sublinhe-se que todos os atos normativos que trataram da criação e alteração do prazo previsto no artigo 103 para revisão do ato concessório previram a vigência do novo dispositivo na data da publicação, que passou, portanto, a ter obrigatoriedade imediata.
Conforme cediço, a lei, de forma genérica, incide sobre os atos a partir da sua criação, não podendo alcançar aqueles anteriormente praticados.
Questiona-se, por fim, a possibilidade de impedir a revisão de benefício previdenciário em razão do fato de que seu pagamento se perpetua no tempo.
Palavras-chave: artigo 103 da lei 8.213/91, prescrição, decadência

ABSTRACT

The paper analyzes the article 103 of Law 8.213/91, which has undergone several changes over time.
This device provides for a limitation period of five years for revision of pension benefits from the date on which the first installment should be paid.
In the study, the various versions of the article 103 are analyzed with the applications of law during time, and legal certainty.
In fact, the successive changes of the time of the statute of limitation interfere with the reliability in the legal system, making unclear the conduct to be followed by the subjects of law, due to the lack of predictability.
So, in keeping with legal certainty, it would be for the legislature to create transitional rules governing the situation of those who had the legal modification, by legislative amendment.
It should be noted that all acts of legislation that dealt with the creation and modification of the period laid down in Article 103 for review social security benefits established its initial term at the time of its publication, and, therefore, to have immediate requirement.
Indeed, the law, in general, focuses on the actions that happened before its creation, and, hereby, cannot achieve those acts previously performed.
One wonders, finally, the possibility of preventing the review of social security benefits due to the fact that its payment is perpetuated in time.
Keyword: article 103 of law 8.213/91, statute of limitation, loss of legal procedure

I. HISTÓRICO LEGISLATIVO

O artigo 103 da Lei 8.213/91, em sua redação original, dispunha acerca da prescrição em cinco anos das prestações não reclamadas na época própria, ressalvando-se, todavia, o direito ao benefício.
O dispositivo reproduzia a redação constante no artigo 98 da CLPS/84[1], que serviu para disseminar a noção de que o fundo de direito nunca decai, mantendo-se sempre íntegro. Apenas as rendas mensais ou quantias devidas em período anterior ao quinquênio deixarão de ser devidas[2].
Assim, dado o caráter alimentar dos benefícios previdenciários, assentou-se o entendimento de que o direito ao seu recebimento nunca seria perdido pelo titular que houvesse implementando todas as condições legais para sua fruição. As prestações mensais, todavia, ficariam prescritas, decorridos cinco anos contados da data em que o benefício seria devido.
O referido artigo 103 sofreu inúmeras alterações, passando a tratar não mais do fundo de direito e da prescrição das parcelas mensais, conteúdo que foi deslocado para seu parágrafo único, mas sim do direito do segurado de revisão do ato de concessão.
Assim, com o advento da Lei 9.528 de 10 de dezembro de 1997, o dispositivo passou a constar com a seguinte redação:
Art. 103. É de dez anos o prazo de decadência de todo e qualquer direito ou ação do segurado ou beneficiário para a revisão do ato de concessão de benefício, a contar do dia primeiro do mês seguinte ao do recebimento da primeira prestação ou, quando for o caso, do dia em que tomar conhecimento da decisão indeferitória definitiva no âmbito administrativo.
Parágrafo único. Prescreve em cinco anos, a contar da data em que deveriam ter sido pagas, toda e qualquer ação para haver prestações vencidas ou quaisquer restituições ou diferenças devidas pela Previdência Social, salvo o direito dos menores, incapazes e ausentes, na forma do Código Civil.
Conforme se denota, o caput do artigo trata de duas situações distintas: uma referente ao ato de revisão do benefício concedido em valor aquém daquele que seria efetivamente devido; outra referente ao benefício erroneamente indeferido pela Autarquia.
Sublinhe-se que a Lei 9.528/97 foi precedida pela MP 1.596-14, que reeditou o mesmo conteúdo desde a MP 1.523-9, de 27 de junho de 1997.
Desta forma, conforme reconhecido pelo INSS através da IN 57, art. 508, I, não há que se falar em prazo de decadência para revisão do ato concessório, anteriormente a esta data[3].
Conforme se denota da redação do artigo, o prazo para revisão do ato concessório seria de 10 anos, contados do primeiro dia do mês seguinte ao do recebimento da primeira prestação ou, quando o caso, do dia do conhecimento da decisão que indeferiu o benefício.
Entretanto, a redação do caput do dispositivo em comento sofreu nova alteração com o advento da MP 1663-15, publicada em 23 de outubro de 1998, convertida na Lei 9.711 de 20 de novembro de 1998, reduzindo o prazo para 5 anos.
O atual conteúdo do artigo advém da MP 138 de 20 de novembro de 2003, que re-estabeleceu o prazo de 10 anos para a revisão do ato concessório, nos seguintes termos:
Art. 103. É de dez anos o prazo de decadência de todo e qualquer direito ou ação do segurado ou beneficiário para a revisão do ato de concessão de benefício, a contar do dia primeiro do mês seguinte ao do recebimento da primeira prestação ou, quando for o caso, do dia em que tomar conhecimento da decisão indeferitória definitiva no âmbito administrativo.
Resumidamente, podemos dispor a alteração dos referidos prazos da seguinte forma:
Até 26.06.97: não havia prazo.
Entre 27.06.97 a 22.10.98: prazo de 10 anos.
Entre 23.10.98 a 19.11.03: prazo de 5 anos.
Após 20.11.03: prazo de 10 anos.
Cumpre, antes de analisarmos mais detidamente o dispositivo, entender os conceitos dos institutos da decadência e da prescrição.
A decadência pode ser definida como “o perecimento do direito, em razão do seu não exercício em um prazo predeterminado”. O seu fundamento é, pois, não ter o titular utilizado de um poder de ação, dentro dos limites temporais estabelecidos[4].
Por seu turno, a prescrição tem sua definição extraída do artigo 189 do Código Civil que assim dispõe:
Art. 189. Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206.
Conforme se denota, “para resguardar seus direitos, o titular deve praticar atos conservatórios, como: protesto, retenção (CC, art. 1.219), arresto, seqüestro, caução fidejussória ou real, interpelações judiciais para constituir o dever de mora. E quando sofrer ameaça ou violação do direito, o direito subjetivo será protegido por ação judicial. Nasce, então, para o titular, a pretensão que se extinguirá nos prazos prescricionais arrolados nos arts. 205 e 206[5]”.
A prescrição difere da decadência, pois enquanto na primeira o direito preexiste à ação e só aparece com a sua violação, na segunda a ação e o direito têm origem comum[6].
O caput do artigo 103, portanto, trata na verdade de prazo prescricional, pois relacionado à violação do direito do titular da pretensão previdenciária (achar juris nesse sentido).

II. APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO

Nos termos do artigo 1º da Lei de Introdução ao Código Civil, “salvo disposição contrária, a lei começa a vigorar em todo o País 45 (quarenta e cinco) dias depois de oficialmente publicada”.
A lei a que se refere o artigo em comento é aquela devidamente constituída em acordo com o devido processo legal e que, portanto, resulta do processo legislativo.
A promulgação, por seu turno, será o ato emanado do Poder Executivo e que dará força executória à lei, que depois de ser publicada tornará obrigatória a todos[7], ressalvado o período de vacatio legis tratado no artigo mencionado, ou outro prazo expressamente disposto no texto legal.
No presente estudo, todos os atos normativos que trataram da criação e alteração do prazo previsto no artigo 103 para revisão do ato concessório previram a vigência do novo dispositivo na data da publicação, que passou, portanto, a ter obrigatoriedade imediata.
A lei, de forma genérica, incide sobre os atos a partir da sua criação, não podendo alcançar aqueles anteriormente praticados.
É o que, ademais, decorre do artigo 6º da Lei de Introdução do Código Civil que dispõe[8]:
Art. 6º A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada.
O artigo 2º do mesmo diploma, por seu turno, regula as hipóteses de cessação de vigência da norma que, em linhas gerais, são duas:
a) vigência temporária, conforme condição estabelecida na própria lei;
b) lei posterior que a revogue ou modifique.
A revogação torna, pois, sem efeito o ato normativo, retirando sua obrigatoriedade. Poderá ser expressa, quando o novo ato declarar a revogação de determinados dispositivos, ou tácita, quando houver incompatibilidade entre a nova lei e a antiga.
No caso do artigo 103, verifica-se que a revogação tácita pela previsão de prazo incompatível com aquele previamente fixado. Ademais, em todas as alterações previa-se a nova redação a ser dada ao artigo 103 da Lei 8.213/91, o que implica em reconhecer que a forma anterior não mais existia no mundo jurídico.
Portanto, nos termos da evolução legislativa, verifica-se que em cada momento em que o artigo 103 foi alterado operou-se a revogação tácita do dispositivo, passando a viger, a partir da publicação da nova lei, o novo prazo estipulado.
Assim, a cada revogação, nova situação jurídica é criada, devendo ser analisada dentro dos efeitos que produzirá dali para frente, conforme regra geral estatuída na Lei de Introdução do Código Civil.
Ademais, prestando-se a lei a regular situações futuras, não há como se aplicar o prazo decadência previsto no artigo 103 para sujeitos que tiveram benefícios concedidos anteriormente a sua vigência[9].
É o que pode ser extraído pela natureza de direito material dos institutos da decadência e da prescrição, de sorte que concedido o benefício sob a égide de legislação que não aventava a possibilidade de operar-se a prescrição para a revisão do ato concessório, não poderá essa situação ser modificada por lei posterior[10].
Ademais, o termo inicial do prazo previsto no artigo 103 será contado:
do primeiro dia do mês seguinte ao do recebimento da primeira prestação ou, quando for o caso, do dia em que tornar conhecimento da decisão indeferitória definitiva no âmbito administrativo.
Não há, pois, como se demarcar o início da contagem do prazo para aqueles que se aposentaram antes da vigência da lei que criou o prazo decadencial em debate, pois, para estes, o primeiro pagamento deu-se antes da criação da nova redação do artigo 103.
Ad argumentandum tantum, poder-se-ia sustentar a fixação do termo inicial com base no primeiro pagamento realizado depois da vigência da lei. Desta forma, teríamos, exemplificativamente, para o caso da MP 1523-9, a seguinte situação:
a) para os benefícios concedidos a partir de 27.06.97, inclusive, o início do prazo será fixado no primeiro dia do mês seguinte ao do recebimento da primeira prestação.
b) para os benefícios concedidos antes desta data, o início do prazo seria o do primeiro dia do mês seguinte ao do recebimento da primeira prestação dentro da vigência da lei.
Nesta segunda hipótese, vigendo a MP a partir de 27.06.97, o primeiro pagamento realizado sob sua égide deu-se em julho de 1997, iniciando-se o prazo decadencial em 1º de agosto de 1997.
Sublinhe-se, todavia, que este critério não se encontra previsto em lei e a sua aplicação feriria a segurança jurídica, pois o titular do direito, que não se encontrava adstrito a qualquer entrave para exercê-lo, ficaria sujeito à aplicação do prazo de decadência criado depois que seu direito se concretizou.

III. DA NECESSIDADE DE REGRA DE TRANSIÇÃO

As sucessivas alterações do prazo quebram a confiabilidade no sistema jurídico vigente, tornando incerta a conduta a ser seguida pelos sujeitos de direito, pela falta de previsibilidade.
Em atenção à segurança jurídica e de lege ferenda, caberia ao legislador criar regras transitórias regulando a situação daqueles que tiveram o regime jurídico modificação, pela alteração legislativa.
Comparativamente, verificou-se situação semelhante com a introdução do novo Código Civil, que em seu artigo 2.028, prescreveu:
Art. 2.028. Serão os da lei anterior os prazos, quando reduzidos por este Código, e se, na data de sua entrada em vigor, já houver transcorrido mais da metade do tempo estabelecido na lei revogada.
Conforme se verifica, o legislador conferiu a atividade da lei anterior para certas situações, de sorte a não modificar a situação jurídica daqueles que haviam iniciado a contagem de determinado prazo estipulado no diploma anterior.
Sendo assim, se transcorrido mais da metade do prazo previsto no Código de 1916, por vontade expressa do legislador, ele não será alterado, desde que igualmente reduzido pela nova legislação.
Com isso, os sujeitos de direitos e obrigações mantêm a previsibilidade, sem alteração nas condições de criação ou postulação dos seus direitos.
Não se enquadrando na regra de transição prevista no artigo 2.028, o prazo será o do novo código, tendo seu termo inicial à vigência deste diploma em janeiro de 2003.
Sublinhe-se que a ausência de previsão nesse sentido, implicaria na revogação de todos os prazos anteriormente estabelecidos, com novo início de contagem a partir da vigência do novo diploma.

IV. DO ENUNCIADO 63 DAS TURMAS RECURSAIS DO JEF

Na tentativa de regulamentar o disposto no artigo 103 da Lei 8.213/91, as Turmas Recursais dos Juizados Especiais Federais da 2ª. Região formulou o Enunciado 63, publicado em 10.09.08, com o seguinte teor:
Em 01.08.2007 operou-se a decadência das ações que visem à revisão de ato concessório de benefício previdenciário instituído anteriormente a 28.06.1997[11], data de edição da MP nº 1.523-9, que deu nova redação ao art. 103 da Lei nº 8.213/91. Precedente: Processo nº 2007.51.51.018031-4/01.
O enunciado incluiu na contagem do prazo decadência, previsto no artigo 103, aqueles titulares que iniciaram o recebimento da prestação previdenciária anteriormente a vigência da MP 1.523-9. Conforme anteriormente debatido, esse entendimento fere a segurança jurídica e vai de encontro às disposições previstas na Lei de Introdução do Código Civil, que estabelece as regras de aplicação da lei no tempo.
Vai além, ao criar, para esses segurados, mecanismo próprio para fixação do termo inicial do prazo decadencial como sendo o primeiro dia do mês subsequente ao primeiro pagamento do benefício dentro do período de vigência da lei.
Daí o motivo de considerar o fim do término do prazo o dia 01.08.07.
Não leva em conta, ainda, a nova regulamentação da matéria por lei superveniente. Com efeito, conforme aduzido, a MP 1.523-9, convertida na Lei 9.528/97, foi revogada pela 1663-15, convertida na Lei 9.711/98.
Esta, por sua vez, foi revogada pela MP 138 de 20 de novembro de 2003, convertida na Lei 10.839/04.
Não se mostra possível, portanto, o prosseguimento da contagem do prazo decadencial fixado por uma lei que não mais vige no sistema tendo em vista sua revogação tácita, conforme considerado pelo enunciado.
Ressalta-se a necessidade de, a exemplo do artigo 2.028 do Código Civil, de criação de regra de transição que expressamente vinculasse o prazo anterior a determinadas pessoas, ou estabelecesse regra intermediária, como se verificou nas emendas constitucionais responsáveis pela alteração previdenciária.
Ad argumentandum, ainda que admitíssemos a aplicação do dispositivo para aqueles que se aposentaram antes do início de sua vigência, não poderíamos deixar de considerar esse aspecto: a revogação da MP 1.523-9 por leis supervenientes.
Assim, por amor ao debate, verifica-se que o prazo decadencial a ser aplicado aos beneficiários que percebera benefício antes deste diploma legal termina somente em 1º de janeiro de 2014.
Com efeito, a cada revogação, nova contagem deve ser iniciada nos termos do novo regramento. Seguindo-se o critério de estabelecimento do termo inicial adotado pelo Enunciado 63 teríamos que:
MP 1.523-9 de 27.06.97
Prazo: 10 anos.
Primeiro pagamento: 07.97
Dia primeiro do mês seguinte: 01.08.97
Término previsto: 01.08.07.
Revogada pela MP 1663-15 de 23.10.98
Prazo: 5 anos
Primeiro pagamento: 11.98
Dia primeiro do mês seguinte: 01.12.98
Término previsto: 01.12.03
Revogada pela MP 138 de 20.11.03
Prazo: 10 anos
Primeiro pagamento: 12.03
Dia primeiro do mês seguinte: 01.01.04
Término: 01.01.14
Assim, ainda que a linha de raciocínio estabelecido pelo Enunciado em debate estivesse correta, considerando-se os outros atos normativos que revogaram a MP 1.523-9, sempre antes do término do prazo, o termo final da decadência para aqueles que iniciaram o recebimento de prestação previdenciária antes de 27.10.97, dar-se-ia em 1o de janeiro de 2014.
Talvez o principal erro contido no Enunciado 63, todavia, seja o desprezo ao fato de que o fundo de direito é imprescritível, conforme será abordado no próximo tópico.

V. DA NÃO CADUCIDADE DO FUNDO DE DIREITO

O dinamismo do ordenamento jurídico exige a reflexão cautelosa acerca dos problemas gerados pelo tempo, na sucessão e convivência das normas e das situações reguladas por esse arcabouço normativo.
Os direitos adquiridos, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada são cláusulas pétreas da Constituição, portanto, imutáveis e inatingíveis. A segurança jurídica abrange essas garantias.
A própria CF/88 proíbe as Emendas Constitucionais que violam as cláusulas pétreas. O direito adquirido, a isonomia e a irredutibilidade são garantias protegidas pelo art. 60, § 4º, inciso IV, c.c. 5, § 2º, da Constituição Federal.
Para que as pessoas não vivam sob a incerteza de serem apanhadas por um novo regramento que altere o que foi planejado e executado ao longo de anos sob a regência de um determinado regime em vigor, o sistema traçou um arcabouço normativo e principiológico, que prima pela segurança jurídica e protege as relações conformadas em sua plenitude de eternas e incertas modificações.
Para dar sustentação à segurança jurídica, outras garantias foram erigidas, como a irretroatividade das leis, que tem por fim, preservar legítimas expectativas assim como direitos já consolidados. A alteração posterior de situações que já se aperfeiçoaram sob a regência de determinada previsão legal e constitucional é abusiva e deve ser repelida, sob pena de transformar as mais importantes garantias representativas do Estado Democrático em letra morta.
Nesse sentido manifestou-se o ministro GILMAR MENDES no voto proferido na ADin n. 3.104:
“Será que não há remédio na farmacopéia jurídica para esse tipo de discussão? Há, sim. A idéia de segurança jurídica, a idéia de que, neste caso, pode haver fraude ao sistema. Portanto, parece-me que necessitamos cada vez mais de dizer que há alguma pobreza nesse modelo binário: direito adquirido/expectativa de direito. Pode ser, sim, que a própria emenda constitucional ou a própria legislação, no caso de legislação ordinária, porque em geral sói acontecer esse tipo de mudança no plano da legalidade ordinária, que a própria legislação ordinária venha a fraudar, a frustrar uma condição que seria implementável desde logo, constituindo uma lei de perfil arbitrário.
Ora, será que não sabemos responder a isso? Claro que sabemos. Temos aqui, no próprio Plenário, consagrado a segurança jurídica como expressão de Estado de direito. Em alguns sistemas jurídicos é muito comum dizer-se: esta norma é válida, porém, ela tem de ter uma cláusula de transição, porque senão ela desrespeita de forma arbitrária situações jurídicas que estavam em fieira, estavam se constituindo. Claro, vamos precisar de um conceito de razoabilidade ou de proporcionalidade”.
O direito adquirido insere-se no contexto da segurança jurídica, que impõe sentimento de previsibilidade quanto aos efeitos jurídicos da regulação da conduta. Para tanto, exige-se que a ordem jurídica promova confiabilidade, clareza, racionalidade e transparência dos atos do poder.
“O homem necessita de segurança para conduzir, planificar e conformar autônoma e responsavelmente a sua vida. Por isso, desde cedo se consideram os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança como elementos constitutivos do Estado de direito”[12].
Evita-se, pois, instabilidade e abalos repentinos, requisitos de um convívio social ordenado, cabendo ao poder judiciário, dentro da sua finalidade precípua de promover a pacificação social mediante solução de conflitos promover a segurança jurídica, a exemplo do que dispõe o artigo 103-A, § 1º, da CF[13].

BIBLIOGRAFIA

BALERA Wagner (Coord.), Previdência Social Comentada, São Paulo: Quartier Latin, 2008.
DINIZ, Maria Helena. Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro Interpretada, 5ª edição. São Paulo: Editora Saraiva, 1999.
. Novo Código Civil Comentado, 5ª. edição, org. Ricardo Fiúza. São Paulo: Editora Saraiva, 2006.
CANOTILHO, J.J. Gomes, Direito Constitucional e Teoria da Constituição 7ª. Ed., Coimbra: Gráfica de Coimbra.
FERNANDES, Anníbal. Comentários à Consolidação das Leis da Previdência Social, 2ª. edição. São Paulo: Editora Atlas S.A, 1987.
MARTINEZ, Comentários à Lei Básica da Previdência Social, 6ª edição, Tomo II. São Paulo: Editora LTr, 2003.
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil, vol. I. Rio de Janeiro: Forense, 1971.
RODRIGUES, Silvio, Direito Civil Parte Geral, vol. 1. São Paulo: Editora Saraiva, 1994.

NOTAS

[1] Art. 98. O direito ao benefício não prescreve, mas o pagamento respectivo não reclamado prescreve em 5 (cinco) anos contados da data em que se torna devido.
A mesma regra constava do artigo 57 da LOPS e do artigo 109 da CLPS/76.
[2] No sentido de preservação do chamado fundo de direito, ver FERNANDES, Anníbal. Comentários à Consolidação das Leis da Previdência Social, 2ª. edição. São Paulo: Editora Atlas S.A, 1987, p. 136.
[3] Há uma impropriedade na referida IN, pois a MP 1523-9 foi publicada em 27 de outubro de 1997, data em que passou a viger, nos termos do seu artigo 10. Desta forma, a partir desta data, inclusive, ingressou no mundo jurídico o prazo para revisão do ato de concessão do benefício.
[4] PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil, vol. I. Rio de Janeiro: Forense, 1971, p. 409/410.
[5] DINIZ, Maria Helena, Novo Código Civil Comentado, 5ª. edição, org. Ricardo Fiúza. São Paulo: Editora Saraiva, 2006, p. 163.
[6] RODRIGUES, Silvio, Direito Civil Parte Geral, vol. 1. São Paulo: Editora Saraiva, 1994, p. 324.
[7] DINIZ, Maria Helena. Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro Interpretada, 5ª edição. São Paulo: Editora Saraiva, 1999, p. 46.
[8] Decorre, ainda, do princípio da irretroatividade das leis consagrado no artigo 5º, XXXVI, da CF.
[9] Nesse sentido: “o prazo decadencial de revisão atinge somente os benefícios previdenciários concedidos após o advento da Medida Provisória n. 1.523-9, de 27 de junho de 1997, pois a norma não é expressamente retroativa” (ROCHA, Daniel Machado da, BALTAZAR JUNIOR, José Paulo. Comentários à Lei de Benefícios da Previdência Social. Porto Alegre: Editora Livraria do Advogado, 2000, p. 278.
[10] Nesse sentido:
AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. PREVIDENCIÁRIO. REVISÃO. LEI Nº 9.528/1997. BENEFÍCIO ANTERIORMENTE CONCEDIDO. DECADÊNCIA. IMPOSSIBILIDADE. APLICAÇÃO DA PRESCRIÇÃO QÜINQÜENAL.
1. Esta Corte já firmou o entendimento de que o prazo decadencial previsto no caput do artigo 103 da Lei de Benefícios, introduzido pela Medida Provisória nº 1.523-9, de 27.6.1997, convertida na Lei nº 9.528/1997, por se tratar de instituto de direito material, surte efeitos apenas sobre as relações jurídicas constituídas a partir de sua entrada em vigor.
2. Na hipótese dos autos, o benefício foi concedido antes da vigência da inovação mencionada e, portanto, não há falar em decadência do direito de revisão, mas, tão-somente, da prescrição das parcelas anteriores ao qüinqüênio antecedente à propositura da ação.
3. Agravo regimental improvido (AGA 846849, 5ª. Turma do STJ, Relator Min. Jorge Mussi, DJE 03.03.08, v.u.).
[11] A MP é, na realidade, de 27.10.97.
[12] Canotilho, J.J. Gomes, Direito Constitucional e Teoria da Constituição 7ª. Ed., Coimbra: Gráfica de Coimbra, p. 257.
[13] § 1º A súmula terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica.

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