A vitaliciedade pode ser conceituada como a prerrogativa de alguns cargos públicos de que a sua perda somente pode ocorrer por meio de decisão judicial com trânsito em julgado. Analisa se essa prerrogativa constitucional abrange os Oficiais Militares das Forças Armadas e da Polícia Militar e Corpo de Bombeiros Militar de só perderem o Posto mediante decisão judicial, embora a Constituição Federal de 1988 não utilize a nomenclatura.
Resumo: Analisa a vitaliciedade implícita, prerrogativa constitucional dos Oficiais Militares das Forças Armadas e da Polícia Militar e Corpo de Bombeiros Militar de só perderem o Posto mediante decisão judicial. Embora a Constituição Federal de 1988 não utilize a nomenclatura vitaliciedade, essa garantia está prevista no art. 142, § 3º, VI, e no art. 42, § 1º, da Carta Magna.
Palavras-chave: Vitaliciedade. Implícita. Oficiais. Prerrogativa. Constituição.
CONCEITO DE VITALICIEDADE
A vitaliciedade pode ser conceituada como a prerrogativa de alguns cargos públicos de que a sua perda somente pode ocorrer por meio de decisão judicial com trânsito em julgado.
Nesse sentido entende Maria Sylvia Zanella Di Pietro, para quem “vitalício é o que se faz em cargo público, mediante nomeação, assegurando ao funcionário o direito à permanência no cargo, do qual só pode ser destituído por sentença judicial transitada em julgado”[1].
Igualmente Celso Antônio Bandeira Mello leciona que o desligamento por meio de decisão judicial é característica marcante da vitaliciedade:
Os cargos de provimento vitalício são, tal como os efetivos, predispostos à retenção dos ocupantes, mas sua vocação para retê-los é ainda maior. Os que neles hajam sido prepostos, uma vez vitaliciados, só podem ser desligados mediante processo judicial[2].
Outros autores administrativistas também assim entendem, como José dos Santos Carvalho Filho[3], Matheus Carvalho[4] e Ricardo Alexandre[5].
Entre os doutrinadores constitucionalistas também a vitaliciedade é conceituada e caracterizada como a impossibilidade de perda do cargo por processo administrativo, mas apenas por decisão judicial transitada em julgado.
Assim entendem os Ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes[6] e Alexandre de Moraes[7], bem como Pedro Lenza[8], Uadi Lammêgo Bulos[9], Nathalia Masson[10] e Marcelo Novelino[11].
A VITALICIEDADE IMPLÍCITA
A Constituição Federal de 1988 (CF) prevê de forma expressa a vitaliciedade apenas para os cargos de Magistrado (art. 95, I), Membros do Ministério Público (art. 128, § 5º, I, ‘a’) e de Ministros e Conselheiros de Tribunal de Contas (art. 73, § 3º, e art. 75).
Todavia, a Constituição Federal de 1988 atribui de forma implícita essa vitaliciedade aos Oficiais Militares ao estabelecer que o Oficial só perderá o Posto e a Patente se for julgado indigno do Oficialato ou com ele incompatível, por decisão de Tribunal Militar de caráter permanente, em tempo de paz, ou de Tribunal Especial, em tempo de guerra (art. 142, § 3º, VI).
Igual julgamento se aplica se o Oficial for condenado na Justiça Comum ou Militar a pena privativa de liberdade superior a dois anos, por sentença transitada em julgado (art. 142, § 3º, VII).
Essa garantia constitucional prevalece perante o art. 92, I, do Código Penal, que prevê como um dos efeitos da condenação penal a perda do cargo público. No caso dos Oficiais Militares, após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, deverá o Oficial ser submetido a julgamento perante o Tribunal Militar, o qual verificará se a condenação torna o Oficial indigno ou incompatível com o cargo.
Essa vitaliciedade se aplica aos Oficiais Militares das Forças Armadas (Marinha, Exército e Aeronáutica) e aos Oficiais da Polícia Militar e Corpo de Bombeiros Militar (art. 142, § 3º, VI, e art. 42, § 1º, da CF).
Assim, o Oficial Militar só perde o seu cargo por decisão judicial, não sendo possível a destituição por meio de ato administrativo do Poder Executivo.
A vitaliciedade implícita dos Oficiais Militares está prevista em todas as 08 Constituições brasileiras, desde 1824:
a)Constituição de 1824: art. 149;
b)Constituição de 1891: art. 76;
c)Constituição de 1934: art. 165, § 1º;
d)Constituição de 1937: art. 160, parágrafo único, e art. 172,§ 2º;
e)Constituição de 1946: art. 182, § 2º;
f)Constituição de 1967: art. 94, § 2º;
g)Constituição de 1969: art. 93, § 2º;
h)Constituição de 1988: art. 142, § 3º, VI, e art. 42, § 1º.
Em caso de infração administrativa ou civil que torne o Oficial indigno ou incompatível com o Oficialato deverá a conduta ser apurada por meio de um Processo Administrativo Disciplinar (PAD) denominado Conselho de Justificação, conforme previsto no art. 48 do Estatuto dos Militares, instituído pela Lei nº 6.880/1980, e regulamentado pela Lei nº 5.836/72.
Caso o Oficial seja considerado indigno ou incompatível com o Oficialato não poderá ser demitido pelo Comandante da Força Armada (Marinha, Exército e Aeronáutica), Ministro da Defesa ou Presidente da República.
Mas deverá o processo ser encaminhado ao Superior Tribunal Militar (STM) para decisão (art. 14 da Lei nº 5.836/72), sendo sua atribuição originária (art. 6º, I, ‘h’, lei nº 8.457/92).
No caso do Oficial da Polícia Militar e Corpo de Bombeiros Militar as Constituições e leis estaduais, autorizadas pelo art. 42, §1º, da CF, regulamentam a matéria de forma similar. Porém, a decisão sobre a perda do Posto do Oficial é da competência do Tribunal de Justiça (art. 125, § 3) ou do Tribunal de Justiça Militar (nos Estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul).
Essa prerrogativa dos Oficiais Militares não é muito citada pela doutrina, talvez pela circunstância da Constituição Federal não utilizar o vocábulo vitaliciedade de forma expressa, como faz em relação à Magistratura e ao Ministério Público.
Contudo, é inegável que a Constituição Federal de 1988, bem como todas as Constituições brasileiras anteriores, estende a mesma garantia para os Oficiais Militares.
A doutrinadora constitucionalista Nathalia Masson afirma em sua obra Manual de Direito Constitucional (p. 894) que a vitaliciedade é prerrogativa que se estende aos Oficiais Militares:
A vitaliciedade é prerrogativa prevista constitucionalmente também para: os membros do Ministério Público (art. 1 28, § 5°, l, "a", CF/88), os oficiais das Forças Armadas (are. 142, § 3°, VI, CF/88), os Ministros do Tribunal de Contas da União (are. 73, § 3°, CF/88) e os militares dos Estados e do Distrito Federal e Territórios (are. 42, § 1°, CF/88).[12]
Ao se verificar a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF), do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do Superior Tribunal Militar (STM) se observa que o tema não é tratado de forma direta.
CONCLUSÃO
Conclui-se que a vitaliciedade é uma prerrogativa constitucional apenas dos cargos públicos da Magistratura, membros do Ministério Público, ministros e conselheiros de Tribunal de Contas e Oficiais Militares das Forças Armadas (Marinha, Exército e Aeronáutica) e da Polícia Militar e Corpo de Bombeiros Militar.
Em relação aos Oficiais Militares, essa vitaliciedade é implícita, pois decorre da interpretação do art. 142, § 3º, VI, e do art. 42, § 1º, da Carta Magna.
BIBLIOGRAFIA
ALEXANDRE, Ricardo; DEUS, João de. Direito Administrativo Esquematizado. 1ª ed. São Paulo: Método, 2015, p. 284.
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CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 30ª ed. São Paulo: Atlas, 2016, p. 849.
CARVALHO, Matheus. Manual de Direito Administrativo. 2ª ed. Salvador: Jus Podivm, 2015, p. 811.
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LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 18ª ed: Saraiva, 2014, p. 792.
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MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 30 ed. São Paulo: Malheiros, 2013, p. 312.
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MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. 30ª ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 528.
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______. Constituição Federal de 1934. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao34.htm>. Acesso em 31 mai. 2017.
______. Constituição Federal de 1937. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao37.htm>. Acesso em 31 mai. 2017.
______. Constituição Federal de 1946. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao46.htm>. Acesso em 31 mai. 2017.
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NOTAS
[1] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 27 ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 679.
[2] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 30 ed. São Paulo: Malheiros, 2013, p. 312.
[3] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 30ª ed. São Paulo: Atlas, 2016, p. 849.
[4] CARVALHO, Matheus. Manual de Direito Administrativo. 2ª ed. Salvador: Jus Podivm, 2015, p. 811.
[5] ALEXANDRE, Ricardo; DEUS, João de. Direito Administrativo Esquematizado. 1ª ed. São Paulo: Método, 2015, p. 284.
[6] MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 9ª ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 1183.
[7] MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. 30ª ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 528.
[8] LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 18ª ed: Saraiva, 2014, p. 792.
[9] BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. 8ª ed. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 1413.
[10] MASSON, Nathalia. Manual de Direito Constitucional. 3ª ed. Salvador: Jus Podivm, 2015, p. 893.
[11] NOVELINO, Marcelo. Manual de Direito Constitucional. 9ª ed. São Paulo: Método, 2014, p. 1033.
[12] MASSON, Nathalia. Manual de Direito Constitucional. 3ª ed. Salvador: Jus Podivm, 2015, p. 894.
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