Administração Burocrática
Conceito
Burocracia é administração da coisa pública por funcionário sujeito a hierarquia e regulamento rígidos, e a uma rotina inflexível. Recebe o significado abrangente de classe dos burocratas. Identifica-se com grande influência ou prestígio de uma estrutura complexa de departamentos na administração da coisa pública.
A administração pública burocrática distingue claramente o público e o privado. Nela há separação entre o político e o administrador público. Aqui se deu o surgimento de burocracias públicas compostas por administradores profissionais com recrutamento e treinamento específicos. O relacionamento entre estas pessoas e os políticos devia ser marcado pela neutralidade dos primeiros. Os Estados democráticos, durante o século XX, tinham como principal modelo de administração pública.[1]
Características
O Estado burocrático comporta instituições basicamente hierarquizadas e controle enfocado nos processos.
Combater a corrupção e o nepotismo patrimonialista eram seus maiores objetivos. Para tal, orientava-se pelas idéias de profissionalização, carreira, hierarquia funcional, impessoalidade e formalismo.[2]
As críticas à administração pública burocrática são muitas; dentre elas a separação do Estado e sociedade, pelo fato de os funcionários se concentrarem no controle e na garantia do poder do Estado.
Em resumo, os atributos da administração pública burocrática poderiam ser representados pelo controle efetivo dos abusos. Os defeitos, por sua vez, seriam a ineficiência e a incapacidade de se voltarem para o serviço dos cidadãos como clientes.
O modelo burocrático, presente na Constituição de 1988 e em todo o sistema do direito administrativo brasileiro, é baseado no formalismo e na presença constante de normas e rigidez de procedimentos.
A história dos Estados Modernos caracterizou-se por dois períodos principais, sob influência dos sistemas econômicos do liberalismo e do estado social, com influência direta sobre os respectivos modelos.
Em um primeiro momento, logo após as revoluções burguesas, deu-se o predomínio do pensamento liberal, pelo qual as funções do Estado resumiam-se à manutenção da ordem interna e defesa da propriedade privada e à proteção das fronteiras contra as invasões dos outros países. Nesse período, havia pouca necessidade de atuação estatal e de contratação de funcionários públicos.
No decorrer dos anos, entretanto, e principalmente após as duas guerras mundiais do Século XX, o Estado se viu na obrigação de reerguer-se política, econômica e socialmente. Nesse momento, surgiu o Estado Social, que tinha como deveres, além dos já consagrados no período liberal, educação, moradia, saúde etc. À medida que o Estado foi assumindo maiores obrigações, naturalmente foi crescendo o número de pessoas que realizavam seu trabalho. A organização do pessoal se deu em hierarquias distintas e organizadas. Este era o Estado burocrático.
Outras conseqüências advindas do aumento das atividades do Estado: segundo o pensamento de autores alinhados com o pensamento de que a economia e o mercado tinham suas próprias regras, o gigantismo causador da inflação e de tantos outros males, como o favorecimento de empresas privadas com riquezas públicas.
Este pensamento é o do neo-liberalismo, iniciado com Hayek, na Suíça, no ano de 1947 e que passou a predominar no cenário global com a ascensão ao poder de Margareth Tatcher, na Inglaterra (1979) e de Ronald Reagan, nos EUA (1980).
Com o passar dos anos, este pensamento foi tomando conta do panorama mundial e, após a queda do muro de Berlim e o Consenso de Washington, no ano de 1991, passou a prevalecer em vários países da Europa e das Américas.
A partir de então, a concepção de Estado foi sendo alterada para o modelo gerencial, como veremos a seguir.
Administração Gerencial
Conceito
Administração pública gerencial é aquela construída sobre bases que consideram o Estado uma grande empresa cujos serviços são destinados aos seus clientes, outrora cidadãos; na eficiência dos serviços, na avaliação de desempenho e no controle de resultados, suas principais características.
A Administração gerencial seria conseqüência dos avanços tecnológicos e da nova organização política e econômica mundial, para tornar o Estado capaz de competir com outros países.
Características
O Estado marcado com uma administração gerencial é aquele que tem como objetivos principais atender a duas exigências do mundo atual: adaptar-se à revisão das formas de atuação do Estado, que são empreendidas nos cenários de cada país; e atender às exigências das democracias de massa contemporâneas.
O pensamento favorável a este novo modelo resume-se em que o Estado burocrático não é mais capaz de atender às exigências democráticas do mundo atual.
A administração gerencial repousa em descentralizações política e administrativa, a instituição de formatos organizacionais com poucos níveis hierárquicos, flexibilidade organizacional, controle de resultados, ao invés de controle, passo a passo, de processos administrativos, adoção de confiança limitada, no lugar de desconfiança total, em relação aos funcionários e dirigentes e, por último, uma administração voltada para o atendimento do cidadão e aberta ao controle social.
O Estado gerencial tem uma administração baseada em concepção democrática e plural.
A administração gerencial empreende adequar as organizações públicas aos seus objetivos prioritários, que são os resultados. Busca identificação com os usuários e incrementar sua eficiência com mecanismos de quase-mercado ou concorrência administrada.[3]
A administração pública gerencial teria como apoio a administração burocrática, conservando alguns dos seus princípios, embora flexibilizados, mas teria como fundamentos a admissão segundo critérios rígidos de mérito, um sistema estruturado e universal de remuneração, carreiras, avaliação de desempenho realizada constantemente e treinamento sistemático.
Utilizando-se do Plano Diretor da Reforma do Estado, busca-se dotar o Estado de um núcleo estratégico, que formule e controle a implementação de políticas públicas.
Parte deste plano de reforma administrativa foi confiado ao Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado, que veio a transformar-se em uma secretaria; seu lema era o de ajudar o Governo a funcionar melhor, ao menor custo possível, promovendo a administração gerencial, transparente e profissional, em benefício do cidadão.[4]
Esta citação esclarece o assunto:
"O objetivo central é o de reforçar a governança, mediante transição programada, de um tipo de administração pública burocrática, rígida e ineficiente, voltada para si própria e para o controle interno, para uma administração pública gerencial, flexível e eficiente, voltada para o atendimento do cidadão."[5]
As estratégias da administração pública gerencial são voltadas:
a) para a definição precisa dos objetivos que o administrador público deverá atingir em sua unidade;
b) para a garantia de autonomia do administrador na gestão dos recursos humanos, materiais e financeiros que lhe forem colocados à disposição para que possa atingir os objetivos contratados;
c) para o controle posterior dos resultados.
A administração pública gerencial deve aceitar maior participação dos agentes privados e ou das organizações da sociedade civil.
Por fim, interessante comparação da administração pública gerencial com a administração de empresas privadas é feita pelo Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado. Isto porque a administração pública gerencial, apesar de inspirar-se na administração de empresas, não pode ser confundida com esta última. Os modos de ingresso de recursos, o controle e os fins de uma e de outra são entre si distintos e marcam as suas diferenças.
O "Plano Diretor" diz que a administração gerencial é a solução do problema da administração burocrática. Isto porque a flexibilização da estabilidade dos servidores, do sistema de licitações e dos orçamentos que deixariam de ser tão detalhados, representaria a superação dos obstáculos por meio de mudança das leis e das instituições seguida de evolução para o sentido de uma administração pública gerencial.
Evolução e tendências
Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado
Introdução
A reforma administrativa em vigor no Brasil teve como principal elemento ordenador a Emenda Constitucional de Nº 19, de 04 de junho de 1998. Antes da promulgação desta emenda, foi editado o “PLANO DIRETOR DA REFORMA DO APARELHO DO ESTADO”.
Elaborado pelo Ministério da Administração Federal e da Reforma do Estado e, depois de ampla discussão, aprovado pela Câmara da Reforma do Estado em sua reunião de 21 de setembro de 1995. O projeto recebeu a aprovação do Presidente da República, que o aprovou na forma ora publicada.
Em sua apresentação, está expresso que a crise brasileira da década 80 foi também uma crise de Estado. A razão para tal crise seria o desvirtuamento do Estado, que se desviara de suas funções básicas, para ampliar a presença no setor produtivo. As conseqüências teriam sido a deterioração dos serviços públicos, o agravamento da crise fiscal e a inflação. Desta forma, a reforma do Estado seria instrumento indispensável para consolidar-se a estabilização da moeda e assegurar o crescimento sustentado da economia. Com isto, esperava-se promover a correção das desigualdades sociais e regionais.
A formação de uma unidade indivisível entre Estado e sociedade, numa democracia, exige o diálogo democrático, para a definição das prioridades do Governo, com o fim de construir-se um país mais próspero e justo.
Estavam, assim, lançadas as bases que introduziram os fins últimos buscados pela reforma do aparelho do Estado implementada a partir do ano de 1985 no Brasil.
A reforma do Estado pode ser expressa como projeto amplo, que envolva várias áreas do governo e a sociedade brasileira. A reforma do aparelho do Estado está orientada para transformar a administração pública, direcionando-a para a eficiência e o atendimento pleno das pessoas de nossa sociedade.
A Crise do Estado
O debate sobre o papel do Estado e sua intervenção na economia ocorreu de forma intensa. No Brasil, o mesmo se deu muito em função da maciça presença deste no mercado e os efeitos negativos advindos desta realidade. A frustração das demandas e das expectativas dos cidadãos brasileiros tornou este debate concreto a exigir soluções capazes de produzir resultados efetivos.
O “Plano Diretor” cita a crise do Estado a partir dos anos 70:
"(1) uma crise fiscal, caracterizada pela crescente perda do crédito por parte do Estado e pela poupança pública que se torna negativa; (2) como o esgotamento da estratégia estatizante de intervenção do Estado, a qual se reveste de várias formas: O Estado do bem-estar social nos países desenvolvidos, a estratégia de substituição de importações no terceiro mundo, e o estatismo nos países comunistas; e (3) como a superação da forma de administrar o Estado, isto é, a superação da administração pública burocrática."
As soluções então apresentadas para a crise do Estado, teriam transitado entre ignorar-se a mesma e implantar-se a proposta neoliberal de Estado Mínimo. Ambas as idéias foram insuficientes para alcançar o fim a que se dirigiam e cederam ao pensamento recentemente apresentado, de reformar-se o Estado com o resgate de sua autonomia financeira e sua capacidade de implementar políticas públicas.
Mudança na Administração Pública
Foi inaugurada com o mesmo Plano uma série de medidas a serem tomadas no âmbito do Estado, para a implementação de uma nova Administração Pública. A meta primordial era substituir a antiga administração pública formal ou burocrática, por uma administração pública gerencial. Esta seria baseada em conceitos modernos de administração e eficiência, voltada para o controle de resultados e descentralizada, para poder chegar ao cidadão.
Uma das razões elencadas para a mudança, nos modelos de administração, era evitar, dentre outras práticas, o clientelismo e a usufruição, por alguns, de benefícios que o Estado teria de conceder a todos, indistintamente.
Outra razão fundamental pode ser posta: a necessidade de os Estados contarem com uma Administração Pública moderna e apta a responder aos anseios de uma sociedade baseada nas informações que hoje permeiam o mundo instantaneamente, pode dizer-se, fruto, principalmente, da globalização.
O desafio histórico posto ao Brasil era articular um novo modelo de desenvolvimento capaz de trazer perspectiva de um futuro melhor para a sua sociedade. Buscava-se, assim, fortalecer o Estado para a melhoria na eficácia de sua ação reguladora, dentro do âmbito de uma economia de mercado, na prestação de seus serviços básicos e nas suas políticas sociais.
Para sua realização, seriam inadiáveis os passos a seguir elencados:
"(1) o ajustamento fiscal duradouro; (2) reformas econômicas orientadas para o mercado, que, acompanhadas de uma política industrial e tecnológica, garantam a concorrência interna e criem as condições para o enfrentamento da competição internacional; (3) a reforma da previdência social; (4) a inovação dos instrumentos de política social, proporcionando maior abrangência e promovendo melhor qualidade para os serviços sociais; e (5) a reforma do aparelho do Estado, com vistas a aumentar sua "governança", ou seja, sua capacidade de implementar de forma eficiente políticas públicas."
A redefinição do papel do Estado envolveria a sua não mais responsabilidade direta pelo desenvolvimento econômico e social pela produção de bens e serviços, mas por seu fortalecimento, no papel de promotor e regulador desse desenvolvimento. As reformas devem resultar na transferência para o setor privado das atividades que podem ser controladas pelo mercado.
Publicização, Governança e Governabilidade
Os termos "publicização" e "governança" não são claros por sua pouca utilização na língua portuguesa. Já a palavra "governabilidade" é mais próxima do entendimento comum, sem deixar de ser fundamental o esclarecimento de seu significado. Devido à sua utilização freqüente nos textos doutrinários produzidos quando da reforma administrativa de 1998, resta-nos esclarecê-las para a maior compreensão dos temas atinentes.
Segundo o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, publicização seria o processo mediante o qual é posta em prática:
"...a descentralização para o setor público não-estatal da execução de serviços que não envolvem o exercício do poder de Estado, mas devem ser subsidiados pelo Estado, como é o caso dos serviços de educação, saúde, cultura e pesquisa científica."
A consulta ao dicionário revela que o termo "publicização" é verbete ainda inexistente, na língua pátria.
O programa de publicização possibilitaria a transferência para o setor público não-estatal, da produção dos serviços competitivos ou não-exclusivos de Estado, estabelecendo-se um sistema de parceria entre Estado e sociedade, para seu financiamento e controle."
O processo de publicização permitiria que o Estado não mais exercesse o papel de executor ou prestador direto dos serviços. Seu papel de regulador e promotor dos serviços sociais, como educação e saúde estaria mantido.
Fortalecer o Estado, nas suas funções de regular e coordenar funções executivas de prestação de serviços sociais e de infra-estrutura, além de descentralizá-las verticalmente para Estados e Municípios, são buscados na publicização.
A partir da nova realidade construída mediante o processo de publicização, podemos alcançar o significado de "governança".
Governança tem que ver com a transição programada de um tipo de administração pública burocrática, rígida e ineficiente, voltada para si própria e para o controle interno, para uma administração pública gerencial, flexível e eficiente, voltada para o atendimento da cidadania.[6]
Governabilidade é possibilidade de ser governado, ou seja, qualidade de governável. A governabilidade estaria legitimada pelas vias democráticas de formação dos atuais governos, insculpidas nas nossas normas constitucionais.
A diferença entre governabilidade e governança resultaria de que os atuais governantes não estariam tendo capacidade de "governança", suficiente para implementar políticas públicas e enfrentar as resultantes limitações decorrentes da máquina administrativa rígida e ineficiente.
Diagnóstico
A Constituição de 1988 encareceu significativamente o custeio da máquina administrativa brasileira, com gastos de pessoal, bens e serviços. Como conseqüência, o aumento da ineficiência dos serviços públicos.
O Plano arrola importantes discussões, na consideração dos problemas atinentes à busca de aperfeiçoamento da máquina estatal:
a) a institucional-legal, com relação aos obstáculos de ordem legal para o alcance de maior eficiência do aparelho do Estado;
b) a cultural, integrados os valores patrimonialistas e burocráticos, em relação com os novos e modernos valores gerenciais na administração pública brasileira;
c) a gerencial, associada às práticas administrativas.[7]
A dimensão institucional-legal indica que, na história brasileira, as reformas administrativas foram apenas estruturais, nos respectivos órgãos e resultaram em obsoletas, caras e ineficientes.
As outras dimensões têm que ver com o novo modelo gerencial, e as naturais dificuldades da transição entre o tradicional e o novo.
A legislação brasileira refletiu sempre a ausência de política de recursos humanos coerente com as necessidades da Administração Pública.
É, fundamentalmente, protecionista e inibidora do espírito empreendedor. Cita o texto a aplicação indiscriminada do instituto da estabilidade para os servidores públicos civis detentores de cargos públicos e os critérios rígidos de seleção e contratação de pessoal, que impedem a contratação direta, no mercado, das pessoas mais competentes.
As críticas à Constituição de 1988 também se estenderiam ao Regime Jurídico Único, que uniformizara o tratamento de todos os servidores das administrações direta e indireta. As formas de concurso público, aplicadas indistintamente para o ingresso na administração, não eram as mais adequadas, menos flexíveis do que poderiam ser, em alguns casos.
Por outro lado, a realização dos concursos públicos não obedecia a critérios de regularidade e avaliação da necessidade dos quadros, com a decorrente dificuldade da implementação do sistema de carreiras.
A unificação do regime estatutário para todos os servidores civis, por sua vez, ampliou o número de servidores estáveis e, segundo o texto em análise, encareceu enormemente os custos da máquina administrativa. Já os servidores não valorizavam seus cargos, em função da não exigência da eficiência, no desempenho de suas atribuições.
Foi diagnosticada também a ausência de um sistema de incentivos de pessoal, principalmente no que tange à política orgânica de formação profissional, de capacitação permanente e de remuneração condizente que valorizasse o exercício da função pública.
A observação é a de que a Constituição de 1988 e o Regime Jurídico Único tentaram preservar a administração, da prática da utilização política dos cargos, mas, acabaram por restringir a capacidade operacional do governo, dificultando a aplicação de mecanismos de gestão de recursos humanos que se baseassem em princípio de valorização pelo desempenho profissional de cada agente e permitissem a busca da melhoria dos resultados das organizações e da qualidade dos serviços prestados.
No tocante ao sistema de remuneração, os elementos apresentados são os da existência de um sistema distorcido, no qual algumas carreiras, como as jurídicas e as econômicas, são mais bem remuneradas, devido às gratificações que visam a premiar desempenho, enquanto os demais cargos são mal remunerados.
Após definir boa gestão como sendo aquela que define claramente seus objetivos, que recruta os melhores elementos por meio de concursos e processos seletivos públicos, que treina permanentemente seus funcionários, que desenvolve sistemas de motivação material e psicossocial, que dá autonomia aos executores e cobra resultados, o "Plano Diretor" conclui que nada disto existe na administração pública federal.
O modelo burocrático brasileiro seria, então, devido ao seu estilo de controle rígido de processos, somada à falta de treinamento e de estrutura de suas carreiras, arcaico e insuficiente para acompanhar as mudanças tecnológicas e repensar e propor novos objetivos e métodos, dotados de maior agilidade, menor tempo para realização e custo mais baixo.
Objetivos
A reforma do aparelho do Estado visa a criar condições para que fosse reconstruída a administração pública, nos moldes de modernidade e racionalidade.
Inicialmente, seria substituída a administração burocrática, posto que ineficiente para extirpar os males do clientelismo, do patrimonialismo e do nepotismo. Isto porque todos estes "males" seriam contrários aos princípios próprios da república da igualdade de todos e da impossibilidade de favorecimento pessoal, no trato com o Estado.
Outro objetivo foi modernizar o Estado, para se enfrentarem os desafios da globalização econômica, mediante substituição dos padrões hierárquicos e de controle.
A implantação da administração pública gerencial tornou-se necessariamente outro objetivo. O fato de a mesma basear-se nos conceitos atuais de administração e eficiência justificou sua própria implementação.
A nova administração pública deve voltar-se para o controle de resultados e descentralizada, de modo a ser acessível aos cidadãos.
Estes, por sua vez, devem deixar de ser considerados simples usuários, para se tornarem clientes privilegiados dos serviços prestados pelo Estado.
Objetivou-se organizar as estruturas da administração com ênfase na qualidade e na efetividade do serviço público, além de verdadeira profissionalização do servidor público, que passaria a receber ganhos mais justos para todas as funções.
As propostas então apresentadas que se converteram nas Emendas Constitucionais nº 19 e 20, de 1998, tinham como objetivos respectivos tornar efetivas conquistas da Constituição de 1988, ainda não concretizados, definir tetos precisos de remuneração para servidores ativos e inativos, flexibilizar a estabilidade e permitir regimes jurídicos diferenciados para os servidores, assegurar que as aposentadorias ocorressem em idade razoável e fossem proporcionais ao tempo de contribuição do servidor.
A motivação negativa para os seus servidores também é essencial. Ou seja, a demissão por insuficiência de desempenho seria capaz de fazer o servidor comum valorizar o seu trabalho.
Com o fim de modernizar-se o aparelho do Estado, também devem ser criados mecanismos que viabilizem a integração dos cidadãos, no processo de definição, implementação e avaliação da ação pública. Isto porque, por meio de controle social crescente, será possível garantir a qualidade dos serviços públicos.
Para ser reformado o Estado, de forma que ele não apenas seja o que garante a propriedade e os contratos, mas que também exerça a coordenação da economia e busca de redução das desigualdades regionais.
Setores do Estado
O Estado pode ser dividido em quatro setores:
a) Núcleo estratégico. É o governo, em sentido amplo. É o setor que define as políticas públicas e cobra o seu cumprimento. Responsável pelas decisões estratégicas, corresponde aos Poderes Legislativo e Judiciário, ao Ministério Público e, no Poder Executivo, ao Presidente da República, aos ministros e seus auxiliares e assessores diretos, responsáveis pelo planejamento e formulação das políticas públicas.
b) Atividades exclusivas. Constitui-se do setor no qual são prestados os serviços só realizáveis pelo Estado. São os serviços ou agências em que se exerce o poder do Estado, de regulamentar, fiscalizar e fomentar.
c) Serviços não exclusivos. Aqui, o Estado atua de maneira simultânea com outras organizações públicas "não-estatais" e privadas. Aqui, não há o poder de Estado, mas se colocam serviços que envolvem direitos humanos fundamentais, como educação e saúde. São exemplos as universidades, os hospitais, os centros de pesquisas e os museus.
d) Produção de bens e serviços para o mercado. É a área de atuação das empresas. Caracterizado pelas atividades econômicas voltadas para o lucro, que ainda permanecem no aparelho do Estado. O setor de infra-estrutura é um exemplo. Está no Estado porque falta capital ao setor privado para nele investir no mesmo ou são atividades monopolistas.
Para se dar maior capacidade de governar e maiores condições de implementação de leis e políticas públicas, o "Plano Diretor" define os seguintes objetivos globais para os setores do Estado:
Objetivos globais.
a) aumentar a governança do Estado, ou seja, sua capacidade administrativa de governar com efetividade e eficiência, voltando a ação dos serviços do Estado para o atendimento dos cidadãos;
b) limitar a ação do Estado àquelas funções que lhe são próprias, reservando-se, em princípio, os serviços não-exclusivos para a propriedade pública não-estatal, e a produção de bens e serviços para o mercado, para a iniciativa privada;
c) transferir da União para os Estados e Municípios as ações de caráter local: só em casos de emergência cabe a ação direta da União;
d) transferir parcialmente da União para os Estados as ações de caráter regional, de forma a permitir maior parceria entre os Estados e a União.
Objetivos para o núcleo estratégico.
a) aumentar a capacidade do núcleo estratégico, de forma que os objetivos democraticamente acordados sejam adequados e efetivamente alcançados;
b) modernizar a administração burocrática, que ainda se justifica no núcleo estratégico, pela sua segurança e efetividade, mediante uma política de profissionalização do serviço público, ou seja, de políticas de carreiras, de concursos públicos anuais, de programas de educação continuada permanentes, de efetiva administração salarial e de introdução, no sistema burocrático da administração pública, de uma cultura gerencial baseada na avaliação do desempenho;
c) dotar o núcleo estratégico de capacidade gerencial, para definição e supervisão dos contratos de gestão com as agências autônomas, responsáveis pelas atividades exclusivas de Estado, e com as organizações sociais, responsáveis pelos serviços não-exclusivos do Estado, realizados em parceria com a sociedade.
Objetivos para as atividades exclusivas.
a) transformação de autarquias e fundações dotadas de poder de Estado, em agências autônomas, administradas segundo contrato de gestão, sem indicações políticas de seus dirigentes, estes com liberdade para administrar recursos humanos, materiais e financeiros que se encontrem à sua disposição, condicionada esta, porém, aos objetivos indicadores de desempenhos previamente acordados;
b) substituição da administração pública burocrática pela administração pública gerencial;
c) fortalecimento das práticas de adoção de mecanismos que privilegiem a participação popular, na formulação e na avaliação de políticas públicas.
Objetivos para os serviços não exclusivos.
a) transferir para o setor púbico não-estatal estes serviços, mediante programa de "publicização", pela transformação das atuais fundações públicas em organizações sociais, ou seja, em entidades de direito privado, sem fins lucrativos, que tenham autorização específica do Poder Legislativo para celebrar contrato de gestão com o Poder Executivo, ganhando assim direito a dotação orçamentária;
b) assegurar mais autonomia e responsabilidade aos dirigentes desses serviços;
c) desfrutar de um controle direto desses serviços pela sociedade, por meio de seus conselhos de administração. Mais amplamente, fortalecer práticas de adoção de mecanismos que privilegiem a participação da sociedade, tanto na formação, quanto na avaliação do desempenho da organização social, viabilizando o controle social;
d) aumentar a parceria do Estado, da organização social, sendo que esta continuará a ter financiamento público e da sociedade. Deverá esta última participar de maneira minoritária, comprando seus serviços e fazendo doações;
e) aumentar a eficiência e a qualidade dos serviços, atendendo melhor o cidadão-cliente a custo menor;
Objetivos para a produção para o mercado.
a) dar continuidade ao processo de privatização por meio do Conselho de Desestatização;
b) reorganizar e fortalecer os órgãos de regulação dos monopólios que sofrerem privatização;
c) implementar contratos de gestão nas empresas que não puderem ser privatizadas.[8]
Valorização do servidor público.
O último e mais importante objetivo, no texto de apresentação do Plano Diretor, diz respeito ao servidor público. É o de sua valorização mediante sua maior motivação profissional, remuneração condizente com o mercado de trabalho nacional e razoável segurança no seu vínculo profissional com o Estado.
A relevância do tema se deduz destas palavras:
"Se quisermos avançar na adoção de formas modernas de gestão pública, é imprescindível, também, que os servidores passem a ter uma nova visão de seu papel, pois é no dia a dia do exercício das funções públicas que a mais profunda e verdadeira reforma vai realizar-se."[9]
Análise Critica.
No decorrer do século XX, assistiu-se a um movimento de contestação dos modelos econômicos, em que os Estados se mantinham afastados de qualquer intervenção no mercado e se limitavam a cumprir o papel de guardião das propriedades, das fronteiras e das liberdades pessoais das pessoas que compunham suas respectivas sociedades.
Desde a internacional socialista, em meados do século XIX, a realidade decorrente da implantação do Estado Moderno, nos moldes revolucionários liberais advindos das revoluções burguesas, vinha sofrendo críticas.
A realidade era a de que o liberalismo não fora capaz de evitar a grande concentração das riquezas nas mãos de alguns e os Estados não eram capazes de ater-se no atendimento das mais básicas necessidades humanas de sua população.
Dentre os fatos mais marcantes do século XX, destacam-se as duas guerras européias, de alcance mundial, a 1ª e a 2ª, em 1914 e 1939, respectivamente, que acabaram por exigir que o Estado marcasse sua presença na vida social e econômica, também cobrando tributos para a sua reconstrução.
O surgimento do chamado Estado Social - não confundir com o socialismo soviético de 1917 - foi uma decorrência das contestações iniciadas no século XIX, em conjunção com as necessidades que se fizeram prementes após dois conflitos que arrasaram o continente europeu e abalaram as estruturas de outros países envolvidos nestes conflitos.
Não podemos esquecer, entretanto, que a sua completa implementação só ocorreu nos países tradicionais da Europa, não sendo o caso do Brasil.
O fato é que as vertentes tomadas por nossos governantes, marcadas ou não pelas matizes dos países dominantes, nunca assumiram um posicionamento próprio ou independente, que se assumisse e pautasse pelos interesses puramente nacionais. A partir desta realidade, sabemos a força da influência estrangeira que recebemos, mesmo no que diz respeito à administração pública e seus servidores.
As crises mundiais afetaram diretamente a realidade brasileira e, como está descrito nas linhas do "Plano Diretor", aqui também se faziam presentes todas as características de administração pública burocrática.
A mudança de cultura se faz realmente necessária, para que seja implantada uma forma gerencial de se administrar a coisa pública.
O grande temor que surge, entretanto, é conseqüente da observação da realidade nacional, no sentido de que, ao lidar com o interesse coletivo, o administrador público ainda tem forte inclinação para resguardar o seu interesse particular.
É neste momento que somos inclinados a concordar com a idéia de que somente uma mudança de pensamento, a introdução de uma nova filosofia, o tratamento adequado e a transformação do servidor público podem concretizar avanços concretos, na Administração Pública brasileira.
A partir da decisão de se valorizar o servidor público é que se tornam necessárias incursões em temas como estabilidade, carreira e remuneração, dentre outros.
Notas
[1] "Cadernos do MARE da Reforma do Estado" - Vol.12. - Programa de Reestruturação e Qualidade dos Ministérios. Brasília, MARE, 1998. P.9.
[2] BRASIL, Presidente, 1995 – (Fernando Henrique Cardoso).
“PLANO DIRETOR DA REFORMA DO APARELHO DO ESTADO”. Brasília: Presidência da República, Câmara da Reforma do /Estado, Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado, 1995. Pp. 10-59.
[3] "Cadernos do MARE da Reforma do Estado - Vol. 11- A Nova Política de Recursos Humanos. Brasília, MARE, 1997. P.8.
[4] "Cadernos do MARE da Reforma do Estado - Vol. 5 - Plano de Reestruturação e Melhoria da Gestão do MARE - 1998. Plano de Reestruturação e Qualidade. Brasília, MARE, 1998.p.7.
[5] Ob. cit. ant. p. 11.
[6] Ob. cit. p. 19.
[7] Ob. cit. p. 33.
[8] BRASIL, (1995) Pp. 56-59.
[9] BRASIL, Presidente, in "Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado", p.11.
Informações Sobre o Autor
Francisco Mafra.
Doutor em direito administrativo pela UFMG, advogado, consultor jurídico, palestrante e professor universitário. Autor de centenas de publicações jurídicas na Internet e do livro “O Servidor Público e a Reforma Administrativa”, Rio de Janeiro: Forense, no prelo.
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