O presente artigo expõe um breve histórico do conceito de família e de guarda, analisando a evolução destes institutos ao longo da história no Brasil e no mundo.
1. INTRODUÇÃO
A família constitui a base da sociedade, portanto, tudo que está relacionado ao seu desenvolvimento, manutenção, perpetuação ou dissolução, tem especial proteção do Estado. Isso ocorre porque o próprio Estado, uma vez alicerçado na família, depende dela para se desenvolver de forma equilibrada.
O Direito, enquanto ciência, caminha no compasso das constantes mudanças pelas quais passa uma sociedade sempre em metamorfose, mudanças estas que alcançam também o núcleo familiar. Não seria possível para o Direito ignorar o crescente número de rupturas familiares ocasionadas pelo divórcio, pois este pode trazer consequências graves para os filhos menores e também para os pais, na medida em que afeta o exercício do poder parental.
Frequentemente, o divórcio ocasiona feridas e mágoas profundas nos ex-cônjuges, que estabelecem uma guerra velada entre si e, não raro, utilizam-se dos filhos menores como armas para ferir um ao outro. É nesse contexto que acontece a alienação parental, caracterizada pela influência que um dos pais exerce sobre o filho no sentido de fazê-lo rejeitar o seu ex-cônjuge. A criança, então, passa a substituir os sentimentos antes de afeto, segurança e amor por seu pai/sua mãe, por rejeição, desprezo, mágoa, e até mesmo ódio.
É neste quadro que muitas e enormes perdas podem ser percebidas: perde a criança a segurança e alegria de crescer rodeada pelo amor, cuidado e pela presença de ambos os pais; perde o alienador, pois priva seu filho de crescer física e emocionalmente pleno; e perde o alienado, pois deixa de participar ativamente da vida de seu filho, e vê tolhido o exercício do seu poder parental.
Foi neste contexto que, primando pelos princípios do Melhor Interesse do Menor e do Direito do Menor à Convivência Familiar, foi editada a Lei 13.058/2014, que regula a
Guarda Compartilhada obrigatória.
Tal Lei possibilita uma relação familiar saudável mesmo após a ruptura ocasionada pelo divórcio, uma vez que proporciona à criança a oportunidade de conviver com seus pais de maneira equilibrada, tendo ambos – pai e mãe, o pleno exercício do poder parental de forma prática, pois os dispositivos da Lei 13.058/2014 estabelecem os parâmetros pelos quais deve se orientar a guarda compartilhada física dos filhos menores.
A Lei 13.058/2014 é um instrumento eficaz contra a alienação parental à medida em que determina de forma clara a obrigatoriedade que tem ambos os pais na participação ativa na vida de seus filhos menores, não podendo tal direito ser prejudicado, a não ser por decisão judicial fundamentada.
2. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO CONCEITO DE FAMÍLIA E DE GUARDA
2.1 Breve histórico acerca da família
O homem é um animal naturalmente social, por isso está sempre em busca de convivência e socialização em grupos, e se une aos seus semelhantes à medida que os interesses e afinidades são comuns.
A família é o grupo social primário, e constitui unidade básica de formação da sociedade.
O conceito de família, porém não tem sido o mesmo ao longos dos tempos, ele é mutável, e deve ser estudado e interpretado no contexto histórico de determinada sociedade, em determinada época. (MADALENO; MADALENO, 2015)
A noção atual de família é diferente da que predominava nas antigas civilizações, e está em constante transição, uma vez que este conceito muda à medida que o homem muda a maneira como se relaciona com seus pares. (MADALENO; MADALENO, 2015)
O principal modelo de família que se conhece atualmente é aquele que se origina a partir da filiação, ou seja, a família se forma a partir da procedência, da relação que une uma pessoa àquelas que a geraram. A filiação pode ser interpretada por sua configuração natural, quando a criança é oriunda do material genético dos pais, por sua configuração afetiva, quando pais que não participaram do material genético da criança assumem a responsabilidade por sua criação. (MADALENO, 2015)
Mas nem sempre foi este o modo de formação da família. Na sociedade primitiva, o critério de formação das famílias era a segurança que aquele grupo de pessoas poderia oferecer, e não necessariamente a consanguinidade. Numa realidade em que a exposição aos agentes da natureza era excessiva, importava unir-se em prol da sobrevivência mútua. O surgimento da agricultura levou essas comunidades a experimentarem maior convivência familiar, pois foi possível abandonar o nomadismo e passar a viver fixamente em um só local. (MADALENO, 2015)
Na Roma Antiga, a família passou a ser essencialmente patriarcal, o
pater famílias era o dono de toda a
propriedade , e todos os membros da família estavam sob o domínio de sua
patria potestas independentemente de sua idade, ou estado civil. Neste contexto histórico, os demais componentes da família não tinham sequer personalidade jurídica, e até mesmo os escravos e os agregados eram considerados parte da família do
pater – que chegava a ser demasiadamente numerosa, e seu domínio era pleno: ele era detentor de total autoridade sobre todos os membros de sua família, bem como era o único proprietário de toda a propriedade por ela ocupada. Ele era responsável pela disciplina de todos os que habitavam em suas dependências, e a ela se sujeitavam seus filhos e noras, sua esposa, ao escravos e agregados, e todos os que chegavam às suas terras em busca de abrigo e proteção. Ele tinha poderes também para além dos limites de sua propriedade, pois era representante político e religioso de sua família, sendo responsável também por administrar a família enquanto célula importante na formação e sustentação do Estado, e pela condução da religião dentro do lar. (MADALENO; MADALENO, 2015)
Conforme leciona J.M.O Nogueira (apud MADALENO, p.22):
Esse culto não era público, todas as cerimônias eram celebradas apenas entre os familiares e possuía um caráter obrigatório, além de secreto. Ninguém que não fosse da família podia presenciar tais ritos, nem tampouco avistar o fogo sagrado. (...) A religião doméstica – baseada no culto aos mortos ao determinar a existência, em cada casa, de um lar com o fogo sagrado sempre aceso, e a reunião diária da família em torno dele para adoração aos seus deuses, demonstra que o que caracteriza a família é a possibilidade de cultuar e adorar os mesmos deuses, sob o princípio da autoridade paterna. (...) O critério predominante na determinação do parentesco não era, portanto, a consanguinidade, mas a sujeição ao mesmo culto, a adoração aos mesmos deuses-lares, a submissão ao mesmo pater familias. Dessa feita, a família, ou gens era um grupo mais ou menos numeroso subordinado a um único chefe, o pater familias, cujo poder ilimitado era concedido pela religião.
O pátrio poder não era necessariamente exercido pelo pai, pois podia ser privilégio do avô, ou do filho mais velho. O poder era tão abrangente, que ao pater era facultado decidir sobre a vida ou morte de um filho, caso este nascesse com alguma deficiência, ou lhe causasse qualquer tipo de vergonha ou desonra. (MADALENO, 2015)
Até então, era comum o casamento endogâmico, que se caracterizava pelo casamento entre pessoas da mesma família; foi no contexto da civilização romana que se verificou a transição do casamento endogâmico para o casamento exogâmico – aquele realizado entre grupos diversos, que não tinham parentesco entre si. Isto se deu em virtude do surgimento da gens, “(...) em que o nome era o elo entre seus integrantes – os gentiles, ou a família gentílica, sendo eles descendentes de um só antepassado comum” (MADALENO, 2015, p.16), e também porque se percebeu as vantagens do casamento entre pessoas que não tinham parentesco entre si. (MADALENO; MADALENO, 2015)
A influência da religião cristã, que posteriormente tornou-se a religião oficial de Roma, mitigou o poder do pater, pois influenciou a sociedade com seus pilares de igualdade entre os cônjuges, e deveres e direitos imanentes tanto aos pais quanto às mães. (MADALENO; MADALENO, 2015)
Os ensinamentos da igreja ocasionaram significativa mudança na configuração da família, que passou a ser nuclear, formada por pai, mãe e filhos, o Estado aumentou sua intervenção na relação familiar, o casamento se tornou indissolúvel, e o sexo tornou-se algo restrito somente à finalidade de procriação. (MADALENO; MADALENO, 2015)
Com o surgimento do Iluminismo e com a Revolução Francesa, passou-se a questionar a hierarquia familiar e os sentimentos que permeavam as relações dentro do lar. Rousseou fomentou a ideia de que o vínculo familiar deveria ser mantido somente em razão do afeto nutrido entre seus membros, uma ideia até então inconcebível. (MADALENO, 2015)
A partir de então, os casamentos passaram a não ser mais combinados em função de fatores econômicos e políticos, mas começaram a ser fruto da escolha dos cônjuges, baseados no afeto que estes nutriam um pelo outro. (MADALENO, 2015)
Em virtude da Revolução Industrial, houve aumento na necessidade de mão-de-obra, e as mulheres ingressaram no mercado de trabalho, passando assim a contribuir com sustento do lar. O homem deixou de ser a única fonte de subsistência da família, e tal mudança marcou o início da ruptura com o modelo patriarcal. É nesta época que surgem as escolas particulares, e também as primeiras
sociedades protetoras da criança – que até então não eram tratadas de forma digna, pois eram criadas pelas amas de leite até os 6 anos, e depois eram enviadas para conventos (no caso das meninas) ou internatos (no caso dos meninos). (MADALENO, 2015)
A família deixou os campos, migrou para a cidade e passou a conviver em propriedades menores, o que aumentou o convívio e o contato dos familiares entre si. Os laços de afeto passaram a ser relevantes não só no momento do casamento, mas também no decorrer do matrimônio e no relacionamento dos pais com os filhos. (DIAS, 2016)
A revolução sexual de 1960 foi também um grande marco na alteração da configuração das famílias, conforme leciona Madaleno:
Outra grande contribuição para a transformação das relações familiares foi a revolução sexual de 1960, em que os jovens se rebelaram contra os períodos de guerra passados na sua infância e pela juventude roubada da geração anterior. Essa gênese se afasta totalmente da Igreja e do Direito, por entender que tais instituições não fornecem respostas ou soluções às suas ânsias. Os anos 1960 e 1970 são tomados por novos paradigmas sexuais de total liberdade, e não só a castidade é abolida como as uniões pré-conjugais tornam-se prática comum.
(MADALENO; MADALENO, 2015, p. 22)
A partir da revolução sexual, a escolha do parceiro passou a ser orientada por motivos de desejo sexual, afeto, sentimento, extinguindo-se as uniões conjugais motivadas somente por questões econômicas e políticas. (MADALENO, 2015)
Nesta esteira, surgiu também o movimento feminista, que estimulou as mulheres a perseguirem sua realização não só no âmbito familiar, mas também fora dele. As mães passaram então a exercer jornada dupla: dentro de casa, nos afazeres domésticos, e fora de casa, no mercado de trabalho. Isto levou os homens a participarem mais ativamente da criação dos filhos e da vida doméstica. (MADALENO, 2015)
As relações, neste contexto, são baseadas principalmente nos laços de afeto e carinho nutridos entre os entes familiares, e o matrimônio não tem mais aspecto de instituição eterna, sendo mantido somente enquanto perduram os sentimentos de carinho e afeto entre os cônjuges. (MADALENO, 2015)
{C}2.2 {C}A família brasileira
No Brasil colonial, houve a absorção do modelo patriarcal de organização familiar, o pater famílias detinha todo domínio e poder, a mulher não tinha autonomia para os atos da vida civil, necessitando de seu amparo e autorização para a realização desses, e os filhos estavam sujeitos à sua autoridade e aos seus castigos, que incluíam a detenção dos filhos. (MADALENO, 2015)
No esboço do Código Civil de Augusto Teixeira de Freitas, editado entre 1860 e 1865, no art. 1.518, o poder paterno autorizava o pai a corrigir e castigar moderadamente os seus filhos, podendo requerer ao Juiz dos Órfãos autorização para a detenção dos filhos por até quatro meses na casa correcional, sem direito a recurso.
(MADALENO; MADALENO, 2015, p. 25)
O Código Civil de 1916 revelava uma família patriarcal, patrimonialista, fortemente hierarquizada, e que rejeitava os filhos havidos fora do casamento. Nele, era possível identificar o casamento como “uma instituição que devia ser protegida e enaltecida pelo ordenamento jurídico (...). Dessa importância decorria, ainda, a sua indissolubilidade e a rejeição aos filhos ilegítimos, porque havidos fora do casamento.” (MADALENO, 2015, p.21) (MADALENO, 2015)
Porém muitas eram as mudanças sentidas no seio da sociedade e, consequentemente, no seio das famílias brasileiras. Com o passar do tempo, aquele código civil conservador e patriarcal já não correspondia ao modo de ser e pensar do ser humano. (MADALENO, 2015)
Neste viés, uma das primeiras iniciativas legislativas foi o Estatuto da Mulher casada, que emancipou a mulher, antes dependente de seu marido para a prática de alguns atos da vida civil, e tipificou o exercício do pátrio poder em favor tanto do pai, quanto da mãe, e não somente em favor do pai, como outrora. Porém “a igualdade real na chefia da sociedade conjugal, cujo primado atualmente deve ser estendido aos companheiros que vivem em uma união estável, só foi legalmente consagrada com a promulgação do art. 226, §5º, da Carta Política de 1988”. (MADALENO; MADALENO, 2015, p. 25)
O principal marco de todas essas mudanças foi a promulgação da Constituição Federal de 1988, que erigiu como um de seus principais pilares a igualdade, e os reflexos disto foram sentidos no seio das famílias brasileiras. A dignidade da pessoa humana foi constituída como fundamento do Estado Democrático de Direito, e o
Direito Civil deixou de ser essencialmente patrimonial, para voltar-se para a pessoa. A dignidade de cada um dos membros da família, e não somente a do patriarca, passou a ser importante; a solidariedade e a isonomia, consagradas no texto expresso da Magna Carta, ocasionaram profundas alterações nas relações entre os cônjuges. (MADALENO, 2015)
Os artigos 226 e 227 da Constituição Federal de 1988 estabelecem previsão específica relacionada à família:
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
§ 1º O casamento é civil e gratuita a celebração.
§ 2º O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei.
§ 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.
§ 4º Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.
§ 5º Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher.
§ 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio.
§ 7º Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da
paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.
§ 8º O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
§ 1º O Estado promoverá programas de assistência integral à saúde da criança, do adolescente e do jovem, admitida a participação de entidades não governamentais, mediante políticas específicas e obedecendo aos seguintes preceitos:
I - aplicação de percentual dos recursos públicos destinados à saúde na assistência materno-infantil;
II - criação de programas de prevenção e atendimento especializado para as pessoas portadoras de deficiência física, sensorial ou mental, bem como de integração social do adolescente e do jovem portador de deficiência, mediante o treinamento para o trabalho e a convivência, e a facilitação do acesso aos bens e serviços coletivos, com a eliminação de obstáculos arquitetônicos e de todas as formas de discriminação.
§ 2º A lei disporá sobre normas de construção dos logradouros e dos edifícios de uso público e de fabricação de veículos de transporte coletivo, a fim de garantir acesso adequado às pessoas portadoras de deficiência.
§ 3º O direito a proteção especial abrangerá os seguintes aspectos:
I - idade mínima de quatorze anos para admissão ao trabalho, observado o disposto no art. 7º, XXXIII;
II - garantia de direitos previdenciários e trabalhistas;
III - garantia de acesso do trabalhador adolescente e jovem à escola;
IV - garantia de pleno e formal conhecimento da atribuição de
ato infracional, igualdade na relação processual e defesa técnica por profissional habilitado, segundo dispuser a legislação tutelar específica;
V - obediência aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, quando da aplicação de qualquer medida privativa da liberdade;
VI - estímulo do Poder Público, através de assistência jurídica, incentivos fiscais e subsídios, nos termos da lei, ao acolhimento, sob a forma de guarda, de criança ou adolescente órfão ou abandonado;
VII - programas de prevenção e atendimento especializado à criança, ao adolescente e ao jovem dependente de entorpecentes e drogas afins.
§ 4º A lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual da criança e do adolescente.
§ 5º A adoção será assistida pelo Poder Público, na forma da lei, que estabelecerá casos e condições de sua efetivação por parte de estrangeiros.
§ 6º Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.
§ 7º No atendimento dos direitos da criança e do adolescente levar-se- á em consideração o disposto no art. 204.
§ 8º A lei estabelecerá:
I - o estatuto da juventude, destinado a regular os direitos dos jovens;
II - o plano nacional de juventude, de duração decenal, visando à articulação das várias esferas do poder público para a execução de políticas públicas.
Entre outras coisas, os preceitos contidos nestes artigos estabelecem a família como base da sociedade, digna de especial proteção do Estado, permitem que o casamento seja direito de todos (anteriormente somente a elite tinha este privilégio, pois eram altas as despesas necessárias para o casamento), e reconhecem inclusive a união estável como entidade familiar. Este reconhecimento possibilitou a aceitação de configurações familiares diferentes daquela tradicionalmente conhecida, como por exemplo, a união homoafetiva. (MADALENO, 2015)
(...) união esta que foi reconhecida em 04 de maio de 2011, pelo Supremo Tribunal Federal, ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.277 e a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 132, no sentido de excluir qualquer significado do art. 1.723 do Código Civil que impedisse a união entre pessoas do mesmo sexo. (MADALENO, 2015, p. 23)
A mulher foi colocada em posição igual à do homem no que tange aos direitos e deveres referentes à sociedade conjugal, os filhos – quer tenham sido ele havidos dentro do casamento ou fora dele – foram considerados iguais em direitos, e foi permitido o divórcio sem que seja necessário o lapso temporal entre a separação judicial e o divórcio. (MADALENO, 2015)
A Lei Maior estabelece expressamente o compromisso do Estado com a manutenção e proteção da família ao definir que este deve criar mecanismos capazes de coibir a violência familiar, deve criar programas de integração social, bem como de prevenção ao uso de drogas, deve providenciar atendimento a portadores de necessidades especiais, dentre outras medidas previstas no art. 226, §8º e art. 227. (MADALENO, 2015)
{C}2.3 {C}Poder familiar e suas características
Ante as grandes mudanças trazidas com a promulgação da Constituição Federal de 1988, o Código Civil também precisou passar por atualizações, pois seus preceitos já não condiziam com a realidade vivenciada na sociedade. Assim, sendo pai e mãe considerados iguais perante a lei para o exercício de autoridade perante seus filhos, o legislador civilista, em 2002, abandonou o termo “pátrio poder”, que denotava poder somente do pai, e adotou o termo “poder familiar”, pois este inclui ambos os progenitores. Conforme as lições de Maria Helena Diniz (apud FIGUEIREDO, 2014, p.13), poder familiar pode ser definido como
um conjunto de direitos e obrigações, quanto à pessoa e bens do filho menor não emancipado, exercido em igualdade de condições por ambos os pais, para que possam desempenhar os encargos que a norma jurídica lhes impõe, tendo em vista o interesse e a proteção do filho.
Para Conrado Paulino da Rosa
Trata-se de um caminho de mão dupla, pois impõe deveres e reconhece direitos, não se podendo ignorar que seu exercício se concentra, exclusivamente, no interesse do filho. O poder familiar, hoje, é visto como um dever dos pais em relação aos seus filhos. Ele não se limita à educação ou aos cuidados físicos, mas se estende para proporcionar um desenvolvimento integral de todas as potencialidades das crianças e adolescentes, e os alimentos, por sua vez, são meios de obter melhores condições de crescimento físico, emocional e intelectual dos filhos. (2015, p. 14)
Para Arnaldo Rizzardo (apud MADALENO, 2015, p. 28)
Atualmente, preponderam direitos e deveres numa proporção justa e equânime no convívio familiar; os filhos não são mais vistos como esperança de futuro auxílio aos pais. O poder familiar, ou melhor, a autoridade parental, não é o exercício de um poder ou uma supremacia, mas de um encargo imposto pela paternidade e maternidade, decorrente da lei. Nesse sentido, entendemos o pátrio poder como o conjunto de direitos e deveres atribuídos aos pais em relação aos filhos menores e não emancipados, com relação à pessoas destes e a seus bens.
O tema é regulamentado pelo Código Civil de 2002, arts. 1.630 a 1.638, que estabelece a condição de filiação como único requisito para o exercício do poder familiar, não sendo mais necessário o matrimônio. Ele “decorre da paternidade natural, sendo um atributo irrenunciável, intransferível, inalienável e imprescritível, ademais, qualquer tentativa de renúncia ao poder familiar é obrigatoriamente nula, e as obrigações decorrentes deste vínculo são personalíssimas.” (MADALENO; MADALENO, 2015, p. 29)
A expressão “poder familiar” nem sempre tem sido bem aceita pela doutrina, que alega ter este termo a acepção de “poder físico sobre o a pessoa do outro”. (ROSA, 2015, p.15) São melhores aceitas as expressões “autoridade parental” e “função parental”.(MADALENO, 2015)
Mesmo em discordância no que se refere à expressão mais adequada para designar o poder-dever que ambos os genitores tem para com seus filhos, a doutrina tem conceituado tradicionalmente o poder familiar como
múnus público, representando um encargo atribuído aos pais, uma função específica que vige enquanto durar a menoridade de seus filhos. Sua natureza jurídica é de poder-dever exercido pelos pais em relação aos filhos, com vistas a sua educação e desenvolvimento. Representa, ainda, um dever dos pais em relação aos filhos e um direito em relação a terceiros. (ROSA, 2015, p. 15)
O exercício da autoridade parental é balisado pelo princípio da Dignidade da Pessoa Humana no que se refere ao menor, pois aos pais cabe o ônus, atribuído a eles pela sociedade organizada, de promover a educação, saúde e bem-estar de seus filhos. É neste mister que encontra-se a função social do poder parental, e dele deflui um princípio mais específico, que é fundamento para todos os deveres dos pais, o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente. (ROSA, 2015)
Conforme preleciona Fábio Vieira Figueiredo
O poder familiar gera para seus titulares direitos e deveres que lhe são garantidos para a proteção da criação do menor, bem como a administração do seu patrimônio. O intuito da norma é a proteção ampla do menor, enquanto estiver sob esta condição, até que ocorra uma das causas de extinção do poder familiar elencadas no art. 1.635 do Código Civil. (2015, p. 21)
Enquanto não for extinto o poder familiar, os pais tem, dentre outros, o direito de dirigir a educação e a criação do filho, participando das propostas educacionais que a ele se referirem, conforme leciona Maria Helena Diniz (apud FIGUEIREDO, 2015, p. 20)
Provendo-os de meios materiais para sua subsistência e instrução de acordo com seus recursos e sua posição social, preparando-os para a vida, tornando-os úteis à sociedade, assegurando-lhes todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana. Cabe-lhes ainda dirigir espiritual e moralmente os filhos, formando seu espírito e caráter, aconselhando-os e dando-lhes uma formação religiosa. Cumpre-lhes capacitar a prole física, moral, espiritual, intelectual e socialmente em condições de liberdade e dignidade (ECA, arts. 1º, 3º, 4º e 15º). (...)
Cabe aos pais direito de ter a guarda e companhia do menor, podendo socorrer-se de medidas judiciais para reclamá-lo de quem ilegitimamente o detenha, e isto inclui a possibilidade de proibí-lo de frequentar locais considerados inadequados pelos pais, de impedí-lo de sair em determinados horários, e de restringir seu uso de telefone e internet, sempre observando o bom senso e a necessidade.(FIGUEIREDO, 2014)
Diversos institutos jurídicos passaram por mudanças a fim de se conformarem às alterações trazidas pelos princípios da dignidade da pessoa humana e do melhor interesse do menor. Outrora, a criança não era tratada como sujeito de direitos, cabendo-lhe apenas o papel de sujeitar-se à autoridade dos pais, ou melhor, do pai, que permanecia emocionalmente e fisicamente distante, porém por ser o provedor, ocupava a posição de autoridade suprema no ambiente doméstico. As crianças eram submetidas a castigos físicos e punições frequentemente, e seus sentimentos não eram levados em consideração, sendo tal conduta socialmente aceita e até mesmo estimulada. (ROSA, 2015)
Com os novos paradigmas traçados pela Magna Carta de 1988, a realidade das famílias brasileiras mudou, as suas relações não são mais verticalizadas, mas foram horizontalizadas, pois abandonou-se a figura do pater familias enquanto chefe, que exercia sua autoridade perante a esposa e os filhos, e este passou a ser considerado igual à mãe em direitos e deveres tanto no relacionamento conjugal quanto no exercício do poder parental. As decisões relativas aos cuidados e educação da prole passaram a ser tomadas em conjunto, levando em consideração inclusive os desejos do menor, suas necessidades, sua satisfação pessoal. Os filhos não mais são considerados pessoas somente sujeitas à autoridade paterna, mas seus direitos ganharam espaço na relação com os pais, que passaram a priorizar sua formação intelectual, física e emocional. (ROSA, 2015)
REFERÊNCIAS
MADALENO, Rafael. MADALENO, Rolf. Guarda Compartilhada Física e Jurídica. 1. ed. São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2015.
MADALENO, Ana Carolina Carpes. Síndrome da Alienação Parental: a importância da detecção com seus aspectos legais e processuais. 1. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro : Forense, 2015.
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias [livro eletrônico]. 4. ed. São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2016.
ROSA, Conrado Paulino da. Nova lei da guarda compartilhada. 1. ed. São Paulo : Saraiva, 2015.
FIGUEIREDO, Fábio Vieira. Alienação Parental. 2. ed. São Paulo : Saraiva, 2014.
Autor
Acadêmica do 10º período de Direito na Universidade Federal do Maranhão.